6. O que está acontecendo?

Lúcia Mendes

Acordei com a cabeça latejando como se alguém estivesse batucando com martelo lá dentro.

"Ah, merda..."

Levei a mão à testa. O gosto amargo na boca, o cheiro de álcool impregnado na pele. A lembrança da noite anterior piscou atrás dos meus olhos: os beijos, o calor, a risada dele, o jeito como me olhava... E, por último, ele entrando num carro caro demais, com aquele sorriso de quem escondia segredos.

Sacudi a cabeça, tentando apagar a cena. Eu não tinha tempo pra isso.

"Ah Deus, porque fiz isso." tudo a minha volta rodou, e senti a ânsia bater forte.

Olhei pro relógio apenas para conferir a hora.

"Caralho!"

Eu estava atrasada. Muito atrasada.

Saí do quarto tropeçando, ainda tentando fechar o botão da calça. Cruzei a sala correndo, quase esbarrando na mesinha de centro.

Minha mãe estava no sofá, encolhida numa manta fina, o cabelo grisalho preso num coque frouxo. Os olhos dela se ergueram para mim, cheios de preocupação.

"Lúcia? Filha, você dormiu bem? Você chegou tão tarde ontem..."

Diminuí o passo por um segundo. Soltei o ar, tentando sorrir.

"Desculpa, mãe. Eu... tive uma noite cheia."

Ela estendeu a mão pra mim, como se quisesse segurar a minha.

"Você não vai comer nada? Um café rápido, pelo menos."

Meu peito apertou. Inclinei-me e beijei sua testa fria.

"Não dá hoje, tá? Estou atrasada. Mas à noite a gente conversa, prometo. Te amo."

Ela suspirou, passando a mão na minha bochecha com carinho.

"Se cuida, filha."

Dei mais um beijo na testa dela.

"Você também, mãezinha."

E saí correndo, apertando a bolsa contra o peito como se fosse o último pedaço de segurança que eu tinha.

Desci as escadas quase tropeçando nos próprios pés, o coração batendo descompassado. Segurei o celular com força, como se ele pudesse me salvar de alguma forma.

Quando alcancei a calçada, ergui o braço num gesto desesperado para um táxi.

Nada.

Os carros passavam sem nem reduzir a velocidade, ignorando meu aceno implorante.

Outro passou reto.

"Por favor!"

A chuva fina da manhã me encharcou o cabelo preso de qualquer jeito. Quando finalmente um carro passou devagar, jogou lama direto na minha calça.

Fechei os olhos. Respirei fundo.

"Ótimo. Maravilhoso. Continue me chutando, universo."

Comecei a correr. Saltos afundando na calçada rachada. O vento frio batendo no rosto. O desespero me sufocando. Eu não precisava dar mais motivos para aqueles cretinos.

Cheguei à frente da DRTech ofegante. As portas automáticas se abriram com um suspiro mecânico.

Entrei quase me arrastando até a catraca. Passei o crachá.

Vermelho.

Franzi a testa. Passei de novo.

Vermelho.

"Vamos!"

O segurança se aproximou, pigarreando.

"Senhorita Mendes... Seu crachá foi bloqueado."

Parei.

"Como... assim?"

"Ordem da diretoria. Seu desligamento foi comunicado ontem à noite. Suas coisas estão no depósito para retirada."

O mundo girou.

"Você só pode estar brincando. Deve ser um engano! Eles não... não podem fazer isso comigo!"

Ele suspirou. O olhar cheio de pena.

"Sinto muito. Mas a senhora não trabalha mais aqui."

As pernas fraquejaram.

Um colega da contabilidade passou por trás, rindo baixo.

"Olha aí... Além de tudo, ainda se faz de sonsa."

Mordi o lábio até sentir o gosto de sangue.

Respirei fundo, forçando as pernas a se moverem até o depósito, mesmo que quisessem fraquejar a cada passo. Eu rezava para ter sido um erro. Um engano.

Eu não podia ser demitida. Não agora. Não assim.

Mas no fundo... eu sabia. Parte de mim sempre soube. Só não imaginei que seria tão cruel. Tão rápido.

Um funcionário empurrou uma caixa em minha direção sem nem me encarar, assim que cheguei no depósito.

Dentro, minha caneca preferida, papéis amassados, uma foto minha com a mãe sorrindo, abraçadas na frente da nossa casa.

Senti o peito apertar até doer.

Agarrei a caixa com força, os dedos tremendo tanto que quase afundaram no papelão.

Dei um passo, tentando manter a dignidade...

Mas o salto escorregou no chão polido perto da saída.

Tropecei, o peso da caixa desequilibrou meu corpo.

Tudo virou.

Papéis voaram ao redor como folhas no vento. A caneca quicou e se espatifou em pedaços. A foto deslizou até parar no meio do saguão.

As conversas silenciaram.

Senti o rosto queimar. Minha garganta apertou.

Uma caneta rolou até o pé de alguém. Ele a empurrou de volta com desdém, sussurrando algo para o colega ao lado.

Um risinho ecoou.

"Não basta ser demitida, ainda faz show."

Me ajoelhei no chão polido, tentando juntar meus pertences espalhados.

Meus dedos tremiam tanto que rasgavam o papel ao tentar organizar tudo de volta na caixa.

Soluços presos na garganta ameaçavam escapar. Eu respirava fundo, tentando conter o choro.

"Não agora. Não aqui." sussurrei para mim mesma, a voz falha.

Atrás de mim, ouvi passos se aproximando. O som do salto contra o piso brilhoso. Mas não me importei. Não queria mais encarar ninguém.

"Senhorita Mendes."

Ouvi alguém chamar meu nome.

"O que mais querem? Já não bastou me humilharem..." minha voz saiu falha, cheia de raiva e vergonha.

Quando levantei o olhar, o homem à minha frente me deixou sem palavras.

"Bom dia, senhorita." Ele ajeitou o terno impecável com um movimento ensaiado. "Parabéns. Você acaba de ser promovida."

"O... o quê?" engasguei, abraçando a caixa contra o peito com força.

Ele arqueou uma sobrancelha, o sorriso frio e cortante.

"Seu elevador privativo está à esquerda. Direto para o andar executivo. Ordem direta do CEO."

Eu continuei imóvel, tentando entender o que aquilo significava.

Ele inclinou levemente o rosto, como quem dava um conselho final:

"Ah, e ele não gosta de esperar. Boa sorte."

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