O tecido branco desliza por minhas mãos enquanto encaro meu reflexo no espelho. O vestido, delicado e inegavelmente lindo, cai perfeitamente sobre meu corpo. Cabelos presos em um coque alto, maquiagem impecável. Uma noiva perfeita. Só falta a parte de estar feliz. — Você está deslumbrante, Liz — Giulia comenta, ajustando a barra do vestido. — Ninguém diria que esse vestido foi escolhido às pressas. Forço um sorriso, sem conseguir desviar os olhos do espelho. — Um sonho, né? — murmuro, irônica. — Ainda dá tempo de desistir — ela brinca, mas o olhar pelo espelho entrega que, no fundo, está falando sério. — Podemos pegar um avião para qualquer lugar. Sumir. Recomeçar. Por um segundo, a ideia me atrai com força. Consigo me ver numa praia distante com Giulia, livres, sem contratos, sem obrigações, sem fantasmas do passado. Mas então penso na minha mãe, imóvel em um quarto de hospital. Nos funcionários da Montesi, muitos dos quais me viram crescer. No legado do meu avô, construído co
Dou as costas para Chiara, determinada a encontrar Ettore e finalmente contar a verdade que guardei por tanto tempo. Mas, quando minha mão toca a maçaneta da porta, a voz dela me detém. — Vai mesmo contar para ele? — pergunta num tom baixo, quase casual. — Parece que você está se esquecendo do que assinou, não é? Congelo com suas palavras. Meus dedos ainda seguram a maçaneta enquanto viro lentamente para encará-la. A dúvida ainda brilha em seus olhos, mas é o sorriso que ela esboça que faz meu estômago revirar. — O acordo de confidencialidade — murmuro, sentindo a raiva e o desespero subirem juntos. Ela sabe mais do que imaginei. Sabe do contrato que assinei. E também sabe da multa absurda que eu teria que pagar se quebrasse o silêncio. Um valor que eu, claramente, não tenho. Ou não estaria prestes a me casar com Ettore como última alternativa. — Ao menos sua memória continua boa — diz, com um sorrisinho venenoso. Chiara percebe minha hesitação e, com toda sua arrogância, se
“Ettore Bianchi” Quando Adeline me contou que viu minha mãe entrando no quarto de Liz, soube que isso significava problemas. Minha mãe nunca aceitou Liz, especialmente quando soube que eu estava disposto a largar tudo por ela, anos atrás. Agora, parado à porta do quarto, vendo Liz e Giulia trocarem olhares tensos, tenho a confirmação: meus instintos estavam certos. — Sua mãe não ficou muito feliz com o casamento — Liz diz, cortando a amiga antes que ela possa falar. — E fez questão de deixar isso bem claro. Fecho a porta atrás de mim, sentindo o maxilar travar com a raiva. — Foi minha mãe quem fez isso com você? — pergunto, encarando o que restou do vestido da minha noiva. Ela apenas assente, desviando o olhar. O silêncio dela me irrita mais do que o próprio ataque da minha mãe. Por que essa nova versão entediante de Liz nunca se defende? — O casamento ainda vai acontecer? — Giulia pergunta, se levantando com um suspiro pesado. — Porque não tem como a Liz subir ao altar assim
“Liz Montesi” Novamente encaro meu reflexo como quem observa uma estranha. Giulia prende o último grampo no meu cabelo, mas nada consegue segurar a bagunça que está aqui dentro. — Pronto, perfeita — Giulia diz, ajeitando uma mecha rebelde. — Ninguém diria que trocamos o vestido às pressas. — Obrigada por tudo, Giu — agradeço, olhando no espelho uma última vez. O vestido rosa-claro, quase branco, cai suavemente ao redor do meu corpo. Uma ironia do destino que me faz sorrir com amargura. Desenhei esse vestido para uma festa da Montesi. Elegante demais, solene demais… quase como um vestido de noiva. E hoje ele vai cumprir exatamente esse papel. — Amiga… — ela me chama quando me afasto para pegar o buquê. — Você vai mesmo engolir tudo calada? — É melhor assim — respondo, pegando o arranjo de lírios-brancos. — Se algum dia eu voltar a ver o antigo Ettore, talvez eu tenha coragem de contar. Mas essa nova versão dele… — hesito, respirando fundo para não chorar. — Essa não merece out
O trajeto até o local da recepção é feito em um silêncio sufocante. Nenhum de nós ousa mencionar o beijo perigosamente próximo da realidade, mas meus lábios ainda formigam com a lembrança. Desvio o olhar para Ettore, que mantém os olhos fixos na paisagem lá fora. Sua mandíbula travada revela que seus pensamentos estão tão tumultuados quanto os meus. — Chegamos — ele anuncia quando o carro para diante do Villa Reale, um dos salões mais prestigiados de Milão. O motorista abre a porta e Ettore desce primeiro, estendendo a mão para me ajudar. O marido atencioso para os paparazzi que nos esperam. — Pronta para mais um ato? — ele murmura enquanto subimos os degraus de mármore, envolvendo seu braço na minha cintura. — Tão pronta quanto deveria estar — respondo com um sorriso falso. As portas do salão se abrem e somos recebidos por aplausos educados. O espaço foi transformado em um paraíso em tons de branco e dourado, com as mesmas flores da cerimônia. Os convidados se aproximam para
Sua respiração quente contra minha pele provoca um calor que sobe pelo meu pescoço e, com o sorriso malicioso de Giulia, sei que estou corada. — Nos falamos amanhã, amiga — Giulia murmura, ainda sorrindo. — Aproveite sua… noite. Estreito os olhos em direção a ela, me levantando lentamente. Ettore contorna a mesa e estende a mão, esboçando um sorriso. — Vamos, querida? — Claro — respondo, aceitando sua mão. De braços dados, atravessamos o salão enquanto nos despedimos de algumas pessoas, recebendo abraços e votos de felicidade que parecem piadas cruéis diante da nossa realidade. Quando estamos quase chegando à saída, Isabella surge à nossa frente, bloqueando o caminho. — Os noivos já estão indo? Mal tive tempo de parabenizar a noiva — diz, num tom doce demais para ser sincero. — Me desculpe por isso, Liz. Sabe como é, Ettore e eu temos tantos assuntos que acabei me esquecendo. — Obrigada, Isabella — respondo, forçando o sorriso mais sincero que consigo, repetindo o que disse v
Congelo diante das palavras dele. Agora, com seus lábios quase roçando nos meus, é impossível não sentir a tentação de pedir exatamente por isso, mesmo contra minha vontade. — Você está… — murmuro, incapaz de terminar a frase. — Estou o quê? Ele se afasta ligeiramente, o suficiente para que seus olhos acompanhem cada reação minha, mas ainda perto o bastante para que eu não consiga raciocinar direito. — Muito enganado — finalmente consigo sussurrar. — Não vou pedir. Então, pare de me provocar. Ettore esboça um sorriso malicioso, me fazendo perceber que ele sabe exatamente o que está fazendo comigo. — Talvez eu esteja… — admite, levantando a mão para tocar meu rosto, deslizando o polegar pela minha bochecha. — É tão fácil te provocar, Piccola. O apelido, dessa vez dito sem a frieza habitual, faz meu coração acelerar ainda mais, se é que é possível. — Não me chame assim — peço, fechando os olhos por um instante. — Por quê? — ele questiona, aproximando-se ainda mais. — Porque te
A luz do sol atravessa as frestas da cortina e me acorda de um sono que demorou a chegar. Abro os olhos devagar, tentando me situar. O luxo do quarto de hotel me lembra depressa: estou casada. Com Ettore Bianchi. Viro o rosto e encontro o lado da cama vazio, os lençóis frios. Respiro aliviada. Não estou pronta para encará-lo depois de ontem à noite. Depois daquele beijo. Balanço a cabeça, tentando não reviver o momento, mas é inútil. Os flashes da noite anterior voltam como um filme em câmera lenta. O beijo. O desejo. A humilhação de ser rejeitada. Minha mão toca instintivamente a aliança no dedo, sentindo o peso frio do metal contra a pele. Um contrato selado. Uma prisão dourada. Ouço a porta do banheiro se abrir e meu coração dispara. Penso em fechar os olhos, fingir que ainda estou dormindo, mas já é tarde. Ettore surge no quarto, de calça social e camisa branca, o cabelo ainda úmido do banho. Por um instante, ele se parece com aquele veterano despreocupado por quem me a