Capítulo 4
Quando abri os olhos, estava deitada de bruços. Qualquer movimento fazia minhas costas queimarem de dor.

— Iris! — Kellan se aproximou imediatamente, com os olhos vermelhos de preocupação. — Você acordou? Está doendo?

Olhei para aquele rosto aflito e, por um instante, tudo pareceu estranho.

Antes, quando eu pegava uma simples gripe, ele ficava ao meu lado o tempo todo, me enrolava no pelo quente de sua forma de lobo e lambia minha testa para me confortar...

Mas agora, eu não estava doente. Eram as costas dilaceradas pelo chicote dos lobisomens. Sob o consentimento dele.

E ele assistiu tudo sem dar um passo.

Afastei minha mão, sem ol.

Kellan ficou rígido por um momento. Tentou novamente:

— Iris, eu não deixei de impedir. Mas naquela situação, quanto mais eu enfrentasse os anciãos, pior seria a punição. Lucien chegou a considerar executar você. Eu precisei garantir a sua vida primeiro.

— Então. — Minha voz saiu rouca. — Você também acha que fui eu quem feriu a sua filhota?

O pomo-de-adão dele subiu e desceu. No fim, ele escolheu o silêncio.

Esse breve silêncio foi como uma faca que arrancou de mim o último fio de esperança.

— Eu só quero uma resposta, Kellan Wolf. — Com os olhos marejados, perguntei, palavra por palavra: — Pela Lua, pelo nosso vínculo de companheiros. Você acredita em mim?

Kellan franziu o cenho, e a raiva se infiltrou na voz:

— As marcas estavam no corpo da filhota. Josia apontou pra você. Há provas e testemunhas. Como quer que eu acredite? — Questionou-me asperamente. — Já tinha dito que as coisas melhorariam quando tudo isso acabasse. Por que você foi provocar a Josia?

As lágrimas simplesmente caíram.

Eu achei que já tinha perdido a capacidade de sentir dor. Mas o peito ainda se abriu, brutalmente, como se alguém o rasgasse com as próprias mãos.

Virei o rosto às pressas. Não queria que ele visse o quanto eu estava quebrada.

— Vai embora. — Minha voz saiu tão fraca que mal podia ser ouvida.

— Espera só mais um pouco, por favor? — A voz de Kellan suavizou. Ele tentou se aproximar. — Assim que a Josia der à luz essa filhota, nós vamos embora, eu juro. Vou te levar para ver o mar do sul onde nunca congela...

"Voltar ao que éramos antes?"

Fechei os olhos. A garganta apertou.

Não havia mais volta.

Agora ele tinha Josia. Tinha dois filhotes.

E por elas, ele me feriu uma vez, depois outra, e outra.

Virei o corpo devagar, ficando de costas para ele. Não disse mais nada.

Kellan ficou ali, olhando para minhas costas frágeis e distantes, tentando resistir à dor que se espalhava por dentro. Por fim, aproximou-se apenas para tocar levemente o meu cabelo.

— Dorme um pouco. Eu fico aqui com você.

Mas antes que ele terminasse a frase, a porta se abriu com força. Um Beta entrou apressado, ofegante.

— Alfa! A senhora Josia está chamando por você sem parar! Está em crise. O médico disse que isso pode afetar a filhota.

Kellan franziu a testa, olhou para mim mais uma vez, hesitou por um segundo, depois se levantou.

— Iris, eu...

Soltei uma risada baixa, quase irônica. Disse devagar:

— Vai lá.

— Espera por mim. Eu só vou ver como ela e a filhota estão, depois volto para cuidar de você.

Observei ele saindo e esbocei um sorriso amargo.

"Mentiroso. Kellan, você não vai voltar."

Ele não voltou naquela noite. No dia seguinte, uma tempestade caía lá fora quando eu tive alta.

Arrumei minha bagagem e fui para a entrada do hospital. Esperei até ver o carro do Kellan se aproximar, devagar, entre a chuva.

Abri a porta do passageiro. E lá estava Josia, com a filhota no colo.

— Kellan. — Assim que me viu, Josia se encolheu em direção a ele. — Eu... eu ainda não me recuperei do susto da última vez...

Ela segurou a barriga com as duas mãos, a voz tremendo.

— Ela me machucou, tudo bem, mas não pode machucar o filhote. Será que você pode me dar só mais um tempo? Só até eu conseguir dividir o carro com ela...

Eu estava tremendo de frio, olhando para o lugar dentro do carro que um dia tinha sido meu.

Kellan ficou em silêncio por muito tempo. Por fim, abriu a porta e me entregou um guarda-chuva grande:

— Iris, me espera aqui um pouco. Eu vou levar a Josia para casa primeiro e depois volto para te buscar.

Fechou o vidro. O carro preto partiu em alta velocidade.

Fiquei parada ali, observando o veículo que levava a família perfeita desaparecer no fim da estrada.

Fechei os olhos. Parecia que havia um buraco no meu peito e o vento frio passava direto por ele, sem nada para impedir.

Esperei por muito tempo. A chuva ficou mais pesada. O céu ficou completamente escuro. E, mais uma vez, Kellan esqueceu de cumprir a sua promessa.

O celular desligou por falta de bateria.

Eu repetia o nome dele na cabeça, mas o silêncio respondia todas as vezes.

A noite ficou ainda mais profunda. O temporal não dava trégua.

Não tive escolha. Abri o guarda-chuva e comecei a caminhar na direção de casa.

O vento quase quebrou as hastes do guarda-chuva. Eu tropeçava a cada passo. Até que o pé escorregou e caí com força em uma poça de lama.

O guarda-chuva se quebrou com um estalo. A água da chuva caiu inteira sobre mim, encharcando-me.

Quando finalmente cheguei em casa, já era madrugada.

Fiquei parada na entrada, completamente molhada e sem fôlego... E então ouvi a voz chorosa de Josia vindo da sala.

— Kellan, eu sei que seu coração é só da Iris. — A voz dela era baixa e trêmula. — Mas agora é uma situação especial... — Eu estou sentindo muita dor porque o leite está empedrado... e a filhota não para de chorar... — Fungou, soluçando. — O médico disse que talvez o pai da filhota possa ajudar... Por favor, faça isso pela nossa filhota. — Choramingando, ela pediu. — Eu juro que a Iris nunca vai saber...

Fiquei completamente imóvel conforme ouvia tudo, chocada .

Na sala, eu não conseguia ver o rosto dele. Só conseguia vislumbrar as suas costas rígidas, imóveis.

Após um longo silêncio, percebi a mão esquerda de Kellan se levantar devagar. Os dedos puxaram o tecido da roupa de Josia, abrindo o decote. A mão direita tocou a pele branca e exposta dela.

E então... Vi quando Kellan inclinou a cabeça e encostou os lábios naquela parte macia.
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