Quando abri os olhos, estava deitada de bruços. Qualquer movimento fazia minhas costas queimarem de dor.
— Iris! — Kellan se aproximou imediatamente, com os olhos vermelhos de preocupação. — Você acordou? Está doendo?
Olhei para aquele rosto aflito e, por um instante, tudo pareceu estranho.
Antes, quando eu pegava uma simples gripe, ele ficava ao meu lado o tempo todo, me enrolava no pelo quente de sua forma de lobo e lambia minha testa para me confortar...
Mas agora, eu não estava doente. Eram as costas dilaceradas pelo chicote dos lobisomens. Sob o consentimento dele.
E ele assistiu tudo sem dar um passo.
Afastei minha mão, sem ol.
Kellan ficou rígido por um momento. Tentou novamente:
— Iris, eu não deixei de impedir. Mas naquela situação, quanto mais eu enfrentasse os anciãos, pior seria a punição. Lucien chegou a considerar executar você. Eu precisei garantir a sua vida primeiro.
— Então. — Minha voz saiu rouca. — Você também acha que fui eu quem feriu a sua filhota?
O pomo-de-adão dele subiu e desceu. No fim, ele escolheu o silêncio.
Esse breve silêncio foi como uma faca que arrancou de mim o último fio de esperança.
— Eu só quero uma resposta, Kellan Wolf. — Com os olhos marejados, perguntei, palavra por palavra: — Pela Lua, pelo nosso vínculo de companheiros. Você acredita em mim?
Kellan franziu o cenho, e a raiva se infiltrou na voz:
— As marcas estavam no corpo da filhota. Josia apontou pra você. Há provas e testemunhas. Como quer que eu acredite? — Questionou-me asperamente. — Já tinha dito que as coisas melhorariam quando tudo isso acabasse. Por que você foi provocar a Josia?
As lágrimas simplesmente caíram.
Eu achei que já tinha perdido a capacidade de sentir dor. Mas o peito ainda se abriu, brutalmente, como se alguém o rasgasse com as próprias mãos.
Virei o rosto às pressas. Não queria que ele visse o quanto eu estava quebrada.
— Vai embora. — Minha voz saiu tão fraca que mal podia ser ouvida.
— Espera só mais um pouco, por favor? — A voz de Kellan suavizou. Ele tentou se aproximar. — Assim que a Josia der à luz essa filhota, nós vamos embora, eu juro. Vou te levar para ver o mar do sul onde nunca congela...
"Voltar ao que éramos antes?"
Fechei os olhos. A garganta apertou.
Não havia mais volta.
Agora ele tinha Josia. Tinha dois filhotes.
E por elas, ele me feriu uma vez, depois outra, e outra.
Virei o corpo devagar, ficando de costas para ele. Não disse mais nada.
Kellan ficou ali, olhando para minhas costas frágeis e distantes, tentando resistir à dor que se espalhava por dentro. Por fim, aproximou-se apenas para tocar levemente o meu cabelo.
— Dorme um pouco. Eu fico aqui com você.
Mas antes que ele terminasse a frase, a porta se abriu com força. Um Beta entrou apressado, ofegante.
— Alfa! A senhora Josia está chamando por você sem parar! Está em crise. O médico disse que isso pode afetar a filhota.
Kellan franziu a testa, olhou para mim mais uma vez, hesitou por um segundo, depois se levantou.
— Iris, eu...
Soltei uma risada baixa, quase irônica. Disse devagar:
— Vai lá.
— Espera por mim. Eu só vou ver como ela e a filhota estão, depois volto para cuidar de você.
Observei ele saindo e esbocei um sorriso amargo.
"Mentiroso. Kellan, você não vai voltar."
Ele não voltou naquela noite. No dia seguinte, uma tempestade caía lá fora quando eu tive alta.
Arrumei minha bagagem e fui para a entrada do hospital. Esperei até ver o carro do Kellan se aproximar, devagar, entre a chuva.
Abri a porta do passageiro. E lá estava Josia, com a filhota no colo.
— Kellan. — Assim que me viu, Josia se encolheu em direção a ele. — Eu... eu ainda não me recuperei do susto da última vez...
Ela segurou a barriga com as duas mãos, a voz tremendo.
— Ela me machucou, tudo bem, mas não pode machucar o filhote. Será que você pode me dar só mais um tempo? Só até eu conseguir dividir o carro com ela...
Eu estava tremendo de frio, olhando para o lugar dentro do carro que um dia tinha sido meu.
Kellan ficou em silêncio por muito tempo. Por fim, abriu a porta e me entregou um guarda-chuva grande:
— Iris, me espera aqui um pouco. Eu vou levar a Josia para casa primeiro e depois volto para te buscar.
Fechou o vidro. O carro preto partiu em alta velocidade.
Fiquei parada ali, observando o veículo que levava a família perfeita desaparecer no fim da estrada.
Fechei os olhos. Parecia que havia um buraco no meu peito e o vento frio passava direto por ele, sem nada para impedir.
Esperei por muito tempo. A chuva ficou mais pesada. O céu ficou completamente escuro. E, mais uma vez, Kellan esqueceu de cumprir a sua promessa.
O celular desligou por falta de bateria.
Eu repetia o nome dele na cabeça, mas o silêncio respondia todas as vezes.
A noite ficou ainda mais profunda. O temporal não dava trégua.
Não tive escolha. Abri o guarda-chuva e comecei a caminhar na direção de casa.
O vento quase quebrou as hastes do guarda-chuva. Eu tropeçava a cada passo. Até que o pé escorregou e caí com força em uma poça de lama.
O guarda-chuva se quebrou com um estalo. A água da chuva caiu inteira sobre mim, encharcando-me.
Quando finalmente cheguei em casa, já era madrugada.
Fiquei parada na entrada, completamente molhada e sem fôlego... E então ouvi a voz chorosa de Josia vindo da sala.
— Kellan, eu sei que seu coração é só da Iris. — A voz dela era baixa e trêmula. — Mas agora é uma situação especial... — Eu estou sentindo muita dor porque o leite está empedrado... e a filhota não para de chorar... — Fungou, soluçando. — O médico disse que talvez o pai da filhota possa ajudar... Por favor, faça isso pela nossa filhota. — Choramingando, ela pediu. — Eu juro que a Iris nunca vai saber...
Fiquei completamente imóvel conforme ouvia tudo, chocada .
Na sala, eu não conseguia ver o rosto dele. Só conseguia vislumbrar as suas costas rígidas, imóveis.
Após um longo silêncio, percebi a mão esquerda de Kellan se levantar devagar. Os dedos puxaram o tecido da roupa de Josia, abrindo o decote. A mão direita tocou a pele branca e exposta dela.
E então... Vi quando Kellan inclinou a cabeça e encostou os lábios naquela parte macia.