Odeio pensar que Enzo está certo: estou ficando velho. Minhas ressacas estão se tornando cada vez mais insuportáveis.
Aperto os olhos tentando puxar as memórias da noite passada, mas tudo se embaralha e lateja. O despertador toca, mas o que me desperta é a mão quente e macia no meu peito.
Espio para confirmar que trouxe duas mulheres para casa, e elas sorriem entre si, depois para mim, rastejando pela cama, cada uma cobrindo uma lateral do meu corpo. Tento alcançar o celular para desativar o toque irritante do alarme. Só quando meu dedo tateia a tela onde deveria estar o botão é que percebo que, na verdade, estou recebendo uma chamada.
Alberto Vasconcellos só me liga para duas coisas: desejar parabéns e arrancar meu couro. Digamos que hoje não é meu aniversário…
Dispenso as meninas, contornando a situação para não ter que citar o nome de nenhuma das duas, já que não lembro quais são. Bebo um litro inteiro de água e lavo o rosto na água fria da pia do banheiro.
Abro as redes sociais e mergulho nas centenas de notificações. Marcações do meu perfil em manchetes sensacionalistas.
“Dante Vasconcellos, o insaciável.”
Sorrio, me sentindo lisonjeado, mas o sentimento dura pouco.
“O playboy milionário ataca novamente!” “O playboy irresponsável.” “O herdeiro mimado.”
Nada disso tem graça. Não é como se eu tivesse cometido um crime hediondo para ganhar tanta repercussão assim. Tudo o que fiz foi típico de uma quarta-feira qualquer. Uma passadinha num clube exclusivo para encontrar os caras.
As fotos, como sempre, parecem até saídas de um filme de Hollywood. Minha camisa aberta, o cabelo despenteado, o rosto vermelho, anestesiado pelo álcool, um peito na minha boca, opa. Talvez as coisas tenham saído um pouquinho do controle dessa vez.
Jogo o celular longe na cama e puxo a coberta até cobrir o rosto fingindo que não penso em como a vida era antes. Nem sempre fui o playboy mulherengo que a sociedade adora rechaçar. Houve um tempo que a mídia me adorava. Adorava quando eu estava ao lado dela.
Quando o relacionamento acabou, eu sabia que ninguém me veria da mesma forma outra vez. Era o meu sobrenome que acompanhava as manchetes contando como minha ex-namorada perdeu tudo o que tinha. Ela fez questão de terminar tudo de maneira bem dramática.
Foi mais fácil controlar a narrativa e me tornar famoso pela frieza de seguir em frente. Se eu queria ter seguido em frente? Bom, aí já era outra história. Tento apenas me convencer de que foi melhor assim.
Além disso, esse comportamento dificulta as coisas para meu avô quando ele me manda naqueles coquetéis insuportáveis e tenta me empurrar para “damas da alta sociedade”.
Nenhum figurão quer realmente sua filha envolvida comigo, mesmo assim continuo caindo em “encontros às cegas” afinal de contas sou um Vasconcellos e todos querem acesso ao que eu tenho.
O melhor que faço é me concentrar na rotina e ir para o trabalho.
Quando atravesso a porta dupla do escritório elegante, seu advogado já está sentado num canto, com uma pasta no colo.
— Preciso que você me explique essa palhaçada.
O jornal é atirado sobre a mesa e eu não preciso nem olhar para saber o que diz ali. Mas me estico mesmo assim para alcançá-lo e sento.
— Desde quando você lê tabloides, vovô? — provoco. — Não foi nada de mais, um escândalo daqueles que passa rápido. Logo esquecem.
— Antes de esquecer, os investidores ameaçam retirar aportes, nossos acionistas questionam sua capacidade de assumir o império Vasconcellos e eu sou obrigado a limpar a bagunça que você faz. O conselho já não confia em você. E sinceramente? Nem eu.
Ele se endireita, ajeitando os punhos do terno e lança um olhar de soslaio para o advogado antes de continuar:
— Vamos direto ao ponto, tenho coisas mais importantes a tratar. Você precisa entender que faço isso para o seu bem. Se você continuar sendo irresponsável assim, vou fazer o que deveria ter feito há anos, o mesmo que fiz com seu pai. Vou tirar você da linha de sucessão.
— Você não pode fazer isso — tento argumentar. — Sou o último, o que vai ser da empresa se não tiver ninguém para herdá-la?
Ele dá um sorriso muito sutil e dispara um olhar orgulhoso para o advogado, que se levanta imediatamente e me entrega a pasta.
— Você tem duas opções. — Alberto diz. — Pode continuar vivendo essa vida vazia, mas sem nenhum centavo do meu esforço. Ou pode aprender a manter uma imagem respeitável e começar a se comportar como o homem que eu espero que você seja.
As palmas de minhas mãos suam contra o couro da pasta, que subitamente parece mais pesada em meu colo. Como se todo o meu futuro estivesse contido ali, naquelas poucas gramas de papel. E acho que está.
Assim que tenho a oportunidade, corro para o meu advogado, que por acaso é meu melhor amigo.
— Durante a vigência do matrimônio, o beneficiário deverá preservar a integridade e a reputação pública do nome Vasconcellos, abstendo-se de condutas que possam comprometer a imagem da família ou da empresa, direta ou indiretamente.
— Traduzindo: um marido não vai pra balada, não traí, não bebe, não trepa…
— Trepa com a esposa pelo menos.
— Que esposa? Você acha mesmo que eu vou conseguir seguir qualquer coisa que esteja aí? — Minha voz sai mais aguda do que eu gostaria.
Passei o dia inteiro pensando nisso. Ou, mais especificamente, pensando em como me livrar disso.
— O que é um ano perto do resto da sua vida? Acho que é um preço justo a se pagar.
— Justo? Você conseguiria cumprir esse acordo?
O jovem advogado prodígio e meu eterno conselheiro nas decisões idiotas dá um gole na cerveja e ri.
— Claro que cumpriria, desde que eu não fosse pego… — Ele dá um sorriso malicioso e convencido. — Faça seu próprio contrato e escolha uma das pretendentes que seu avô já aprovou.
— Você acha mesmo que elas aceitariam um contrato de doze meses? Isso com certeza voltaria contra mim e só causaria mais polêmica.
— Você tem razão, é tudo sobre poder. Podemos expandir os horizontes. Pessoas desesperadas aceitam todo tipo de negócio. Vou fazer uma pesquisa e encontrar candidatas.
Dou um longo gole na cerveja pensando na possibilidade. Não de Enzo fazer uma lista com mulheres dispostas a casar de mentira, isso sei que ele é mais do que capaz, mas penso no que faria se uma delas aceitasse.
Eu poderia mesmo manter essa farsa? Tesão eu conheço, agora o resto faço questão de não sentir mais.