Paola - Capítulo 03

- Filha? – a voz de minha mãe soou do outro lado e senti meu peito afundar. Que falta havia sentido de ouvir sua voz, mesmo que em um tempo mais curto do que das últimas vezes. Não consegui evitar que meus olhos se enchessem de lágrimas pela saudade de sentir seu abraço. Ainda me lembrava de como passávamos a tarde juntas sob a lareira enquanto ela lia e eu brincava. 

- Oi, mãe. – a voz embargada não disfarçava a emoção. 

- Olá, Paola. – dessa vez havia sido a voz grave de meu pai a se pronunciar. Minha situação só piorou após isso. Mesmo sendo o Capo, Enrico nunca deixava de demonstrar carinho e afeto a mim, mesmo que não fosse o comum entre os homens de nosso mundo. 

- Hmm… Oi, pai. – menos caloroso, porém não intencional.

 Embora o amasse tanto quanto amava minha mãe, o meu afastamento havia colocado uma distância entre nós, de alguma forma, eu o culpava por estar presa aqui. A decisão havia sido dele, meu pai havia escolhido me afastar. 

Para me proteger, claro. Eu sabia, mas… ainda sim, parecia injusto e cruel. 

- Meu amor… Estamos com tanta saudade. – eu sorri, mesmo que não pudessem ver. 

- Eu também, mãe. 

- Então acredito que ficará feliz em saber que vamos trazê-la de volta. – meu pai anunciou e eu travei. Incapaz de me lembrar de como puxava o ar para os meus pulmões. 

Finalmente.

Não percebi de imediato, mas havia algo na maneira como minha avó se encostou na cadeira, parecendo se preparar, como alguém que esperava o pior. Aquele momento me fez voltar a realidade e cheguei a conclusão que para que eu voltasse, algo diferente havia acontecido e embora quisesse acreditar, a teoria de termos vencido a Tríade era, certamente, ilusório. Isso nunca acabaria.

- Ac... Aconteceu algo? – perguntei. Alguns segundos de silêncio e então foi meu pai quem respondeu. Eu os conhecia muito bem para saber que travavam uma batalha silenciosa de olhares. 

- Apenas… Precisamos de você em casa. No momento é mais seguro ficar conosco. – minha mãe não parecia tão certa do que dizia, optei por perguntar a quem de fato responderia.

- Pai? – chamei, mas ele não respondeu. 

- Por Deus, contem logo à ela. – minha avó se pronunciou, impaciente e irritada. – Não terão tempo de prepará-la psicologicamente da forma correta amanhã. – a encarei em silêncio, do outro lado da linha nenhum ruído também.  Senti a ansiedade crescendo e meu estômago embrulhando com o desconhecido. A sensação de uma onda enorme estar vindo na sua direção, sem poder ser evitada. – Será melhor que ela se acostume à ideia o quanto antes, Isabella. – Simona se dirigiu diretamente à minha mãe, sabendo que era ela o maior motivo de meu pai ainda não ter sido direto. 

- As coisas pioraram. – foi meu pai quem respondeu, mas ao fundo escutei o protesto de minha mãe em um respirar fundo e logo a imaginei negando com a cabeça, como fazia de costume. Felizmente isso não o impediu de continuar. – A guerra entre nós e a Tríade não está indo bem. Estamos perdendo, Paola. – escutei. Incapaz de dizer qualquer coisa, pois meu pai jamais compartilhava os acontecimentos em seus negócios conosco, muito menos comigo e para que isso estivesse mudando, então as coisas estavam indo realmente de mal a pior. O que tornava essa uma informação que uma hora ou outra chegaria a mim e esse era o único motivo de meu pai estar me contando agora. – Para que tenhamos uma chance e, principalmente, para garantir sua segurança, fomos forçados a tomar medidas extremas. 

- Enrico! – Isabella soou a fundo e minha avó balançou a cabeça em desaprovação, não sabia se pela atitude de minha mãe ou pelo que quer que ele diria a seguir. Talvez, ambos. 

- Alianças são necessárias nesses casos. – continuou ele, ignorando-a e como se fosse um estalo e minha mente, eu entendi aonde queria chegar. 

- Não… – falei, sem pensar e incapaz de segurar as palavras de negação. – Papai… – o tom de súplica em minha voz demonstrava meu desespero. Eu já deveria esperar por isso.

- Fizemos um acordo com o líder da Yakuza… – Yakuza? A máfia japonesa?  

Minha mente divagou, escutava o que meu pai dizia, mas não estava mais prestando atenção. Fechei meus olhos e uma lágrima solitária, indesejada e inútil caiu. Respirei fundo e tentei manter todo o controle que podia. 

Um casamento. 

Um maldito acordo. 

E eu era o pagamento. 

- Você estará segura, Paola. E terá mais liberdade do que pode ter agora. – liberdade? O que ele sabia sobre isso? – Ele é jovem. Tem praticamente a sua idade, poucos anos mais velho. – porque aquilo soou como se fosse razoável? Como se eu devesse agradecer por não estar sendo forçada a casar com um velho nojento. 

Isso, na realidade, era o mínimo.

Eu deveria escolher com quem me casaria. 

- Liberdade? – perguntei e minha avó, que divagava a encarar qualquer coisa atrás de mim, finalmente me olhou nos olhos. 

Eu era amada e fui tratada muito melhor que muitas garotas no meu mundo, que eram invalidadas por sua própria família e, certamente, eu deveria agradecer de fato por isso, por ter realmente uma FAMÍLIA. Mas, por mais egoísta que fosse para eles, eu não estava agradecida. 

O olhar de aviso de Simona não surtiu efeito, eu sabia bem o que eles queriam me dizer: ele é o Capo. Ainda que discorde é seu dever obedecer e não questionar. 

Ah, foda-se! 

- Liberdade… – repeti, o outro lado em silêncio absoluto e o gosto amargo da palavra refletiu em minha voz. – Eu terei que transar com ele por obrigação… Isso é liberdade para você, Pai? 

 Minha avó arregalou os olhos e ficou estática. Imaginei que pelo silêncio do outro lado, meus pais estavam igualmente surpresos, mas meu pai não demorou a se recompor. 

- Eu sou o Capo, Paola. E ser minha filha não a isenta de seus deveres. As mulheres também têm seus papéis a cumprir nessa família. – sua voz soou firme e sem espaço para discussões, mas havia algo além que ele não conseguiu deixar oculto, era mágoa? – Isso é uma ordem. 

Mais uma lágrima caiu quando respondi: – Entendido, chefe. 

Não falei mais nada depois disso, apenas assenti sem me importar se ele poderia ver quando o meu Capo informou que eu partiria no dia seguinte pela manhã e que conheceria meu futuro marido no jantar.

Subi para meu quarto logo após o encerramento da ligação e chorei por toda a noite, adormeci sem sequer notar e quando voltei a abrir os olhos meu despertador estava tocando e era hora de fazer as malas e me despedir da fazenda que por tantos anos fora o meu lar. 

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