Paola - Capítulo 04

Desligando o despertador, me levantei da cama sentindo o desânimo e para a minha surpresa, tudo que desejei foi que aquele fosse apenas mais um dia normal na fazenda. 

 Passei a mão pelos meus longos fios de cabelo, encarei as pontas e percebi que precisava hidratá-los… Um pensamento fútil e aleatório, gostaria de que essa fosse a minha maior preocupação hoje. Coloquei um vestido de tecido leve e branco com estampa de flores azuis e sandálias, prendi o cabelo em um rabo de cavalo simples e encarei meu reflexo no espelho… 

 Dezenove anos, em breve completaria vinte. Constatei que eu deveria de fato esperar por algo assim, estava começando a ficar velha demais se fosse comparar a idade com as moças que levavam a mesma vida se casavam. 

Ainda sim, não queria acreditar. 

 Ao erguer os olhos observei brevemente pelo meu quarto, considerando que esta seria a última vez que estaria aqui e mesmo com tantas coisas à minha volta, foquei no objeto de quatro cores, o cubo mágico. Quadrado e completo e também inalterado desde quando o recebi de meu pai há vários anos atrás. 

Provavelmente meus pais cuidaram para que as minhas coisas fossem recolhidas, então deveria arrumar a mala apenas com o necessário. Em outro momento eu talvez me agarrasse ao brinquedo em busca de algum conforto, mas não era mais uma garotinha e tampouco estava com meu nível afetivo elevado pelo meu pai, então deixei-o onde estava quando comecei a arrumar as malas. Separando apenas minhas melhores roupas e livros preferidos, quando terminei, encarei o quarto por uma última vez em despedida e arrastei a mala para fora, fechando a porta atrás de mim e deixando aquele maldito cubo para trás. 

 Antes de descer as escadas deixei as malas no topo, onde alguém as buscaria e levaria para baixo. Desci os degraus um por um, apreciando cada detalhe da casa e o fiz sem pressa. Puxando o ar em meus pulmões, inalo o cheiro familiar de folhagens e a brisa fresca que entrava pela porta. O sol não estava tão quente agora e esse era meu horário preferido para correr pela propriedade. 

Ontem mesmo nesse horário, eu estava lá fora, correndo e cronometrando meu batimentos com a pulseira que ganhei de presente de minha avó e ela estaria sentada no banco debaixo da árvore, apenas me observando correndo de um lado para o outro enquanto lia seus livros. 

 Ambas sempre fomos amantes da leitura, embora com gostos muito diferentes. Independente disso, adorava sua companhia pelas manhãs. 

 Caminhei pela casa sem rumo, tentando memorizar o local, gostaria de ter tudo fresco em minha mente para me lembrar da sensação de me sentir em casa, a minha gaiola dourada, que parecia bem mais aconchegante agora e estranhei a sensação de falta que eu sentiria desse lugar, que por anos me fez sentir presa. Quando o momento em que eu odiarei a minha vida chegar, terei algo a que me agarrar, aqui, nesse lugar. Espero que seja o suficiente. 

Até que, enfim, decidi me dirigir à varanda, onde uma pequena mesa era posta para o café da manhã. Meus avós já estavam lá, conversavam cochichando sobre algo e quando me viram, silenciaram. 

- Bom dia querida! – disse Simona, abrindo um sorriso forçado, mas seus olhos tristes entregavam o que estava por trás. 

- Bom dia. – respondi, meu avô apenas acenou a cabeça em minha direção. Suas emoções eram mais complicadas de ler, assim como meu pai, ele era bom em esconder o que sentia ou pensava. Mas imaginei que obviamente não estivesse feliz. 

Dever. Apenas isso importava. 

Eu era apenas mais um mero soldado com ordens a seguir. 

Comemos em silêncio, ou melhor, eu. Eles já haviam tomado seu café e enquanto meu avô fumava (cedo demais costumava ser um indicativo sutil de seu mal humor), minha avó intercalava entre olhar o jornal e me olhar de esguelha verificando meu estado a cada segundo. 

 A ignorei, fingi estar bem e demonstrei indiferença, mas quando meu avô levantou incapaz de lidar com o clima desconfortável dando uma desculpa qualquer de que precisava ir aos estábulos e anunciou que sairíamos em alguns minutos, a realidade bateu mais do antes e meu peito afundou em pavor e desespero. 

 Perdi a pouca fome que sentia e me contentei em apenas beber pequenos goles do meu suco natural de laranja. 

Sim, eu sentiria uma terrível falta do ar livre da fazenda, de cavalgar e ler embaixo da árvore nas tardes mais amenas. Até de torrar ao sol e reclamar do calor… 

 Porém, agora eu tinha um dever a cumprir. Me casar e proporcionar boas alianças entre nossas famílias e deveria ser grata por isso, afinal, ele tem mais ou menos a minha idade.

- As coisas vão melhorar, querida. – disse vovó, provavelmente reparando em como eu me esforçava para ter forças e parecer bem. – Seu pai está fazendo isso para proteger você! 

Claro, olhe só para ela! Teve a sorte grande de encontrar amor em seu casamento, assim como minha mãe, mas como dizem: três é demais. Eu duvidava que teria essa sorte também.

Não respondi, como desculpa encarei o bolinho com pedacinhos de nozes e enfiei na boca. Minha avó obviamente percebeu a deixa e desistiu de falar comigo pelo resto do café. 

 Não demorou para que os encarregados do serviço pegarem nossas malas e levarem para o carro e minutos depois meu avô nos chamou para partir. Me levantei da cadeira, e dei uma última olhada para dentro da casa quando cheguei à porta. Simona pediu um segundo e correu para dentro, alegando ter se esquecido de algo, não esperei para ver o que quer que ela parou para colocar no porta-malas, mas depois a deixei que segurasse minhas mãos e me guiasse até o carro. No trajeto que fiz até me sentar no banco do carona na parte de trás e meu avô dar a partida, me senti anestesiada, como se não pudesse de fato sentir minhas emoções completamente. 

 Seguimos pela estrada de terra e em poucos segundos já não dava mais para ver a casa da fazenda atrás, sumindo da vista limitada da janela e então estávamos em uma estrada deserta. Passados alguns minutos dois carros apareceram e um se posicionou atrás e o outro na frente, provavelmente homens de meu pai para nos escoltar até onde quer que teríamos que ir para trocar de carro. 

 Uma hora se passou e meu avô era quem dirigia com sua esposa ao lado, ninguém falava, mas notei os olhares por cima do ombro de Simona e as verificadas de meu avô pelo retrovisor. Eu sabia que estavam preocupados comigo, mas não conseguia não me sentir magoada com eles também. 

 Não vi quanto tempo mais se passou, me perdi nas estradas desertas e no penhasco a nossa direita, no vento que balançava meus cabelos e no silêncio ao meu redor divagando sobre todos os anos que vivi e de como seria a minha vida daqui em diante. 

Como seria meu marido?

Como serão seus costumes? Pois, se a Cosa Nostra tem os seus, certamente a Yakuza também deve ter…

Ele seria gentil comigo quando… 

Meus pensamentos foram interrompidos pela voz de meu avô. 

- Mas que droga…? – ele começou a dizer, mas o que quer que fosse perguntar, aparentemente encontrou as respostas sozinho quando freou abruptamente o carro e sacou sua arma em questão de segundos. O carro da frente perdeu o controle e foi de encontro ao penhasco, caindo e provocando uma explosão logo depois, adiante havia dois carros pretos bloqueando a estrada, não era possível ver através do vidro  – ABAIXEM-SE. – gritou e antes que eu pudesse raciocinar, tiros atingiram o carro blindado. 

Me joguei no assento e coloquei as mãos na cabeça, minha avó gritou quando vieram mais tiros e vi quando meu avô a cobriu com um de seus braços, na outra mão estava a arma. 

 O silêncio estabeleceu quando as balas pararam de serem disparadas, provavelmente o inimigo percebendo que não valeria de nada continuar atirando, ou… não estavam mirando para matar, ainda. 

Ouvi o clique da arma e procurei por vovô, ele olhava ao redor, ainda mantendo-se abaixado. 

Ousei erguer a cabeça e olhar para trás, haviam mais homens armados, o carro que protegia nossa retaguarda com as portas abertas e corpos sem vida pelo chão. O horror da cena e pavor me dominou, senti minhas mãos tremerem e suarem frio.

- Podemos ir até aí e arrancá-los do carro, Vittorio ou você mesmo pode sair. – uma voz grave e rouca soou. - Sei que sua mulher e neta estão com você. Eu só quero a garota. – meus olhos buscaram os deles e ambos se olharam e depois me encararam. Minha avó estava assustada e meu avô estava sério, mas estranhamente calmo.  

Tríade… 

Vittorio Provenzano sentou-se ereto em seu banco, carregou sua arma e respirou fundo. 

- Querido… Não… – com lágrimas nos olhos minha avó implorava.

- Eu te amo, Simona. Jamais esqueça disso, diga à Enrico que me orgulho dele… Ele está sendo um Capo muito melhor do que jamais fui – suas mãos acariciavam o rosto dela. – E você é a mulher mais maravilhosa que eu poderia conhecer. – ela deu um sorriso triste e apaixonado ao mesmo tempo e senti o peso da injustiça, as coisas não deveriam acontecer assim. – E Paola… – o encarei, as lágrimas que eu tentava segurar escorrendo por minhas bochechas. – Eles vão levá-la. Seja forte, lembre-se do nome que carrega. – Seus olhos encararam os meus profundamente. – Tenha cuidado e seja esperta, seu pai não vai parar até encontrar você. Não bata de frente, isso só vai piorar sua situação. – Ele se inclinou até mim e beijou minha testa. 

Não tive tempo de dizer nada antes que ele abrisse a porta e descesse do carro, com uma única arma em mãos.

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