O relógio da pequena cidade de Windale marcava onze e quarenta e cinco quando um vento estranho soprou pelas ruas vazias. As janelas tilintaram, e as árvores pareciam se curvar como se cumprimentassem alguém invisível.
Na casa de número 17 da Rua Elmswood, uma menina dormia profundamente. Seu nome era Lyanna. Ela tinha cabelos negros como a noite sem lua e olhos verdes esmeralda que, vez ou outra, brilhavam como se capturassem pedaços de estrelas. Lyanna fora encontrada ainda bebê, há dezesseis anos, na soleira daquela mesma casa. O casal de humanos que a encontrou nunca entendeu quem a deixara ali. Mas criaram a menina como se fosse sua, embora soubessem, no fundo, que ela era diferente. Lyanna tinha sonhos que não sabia explicar. Sonhos de batalhas, de um castelo envolto em chamas, e de uma mulher de cabelos dourados que sussurrava: "Seja forte, minha pequena." E sempre, antes de adormecer, uma voz grave e reconfortante dizia: "Boa noite, meu anjo." Ela nunca contou isso a ninguém. Como poderia? Quem acreditaria que uma sombra a vigiava e que uma voz desconhecida embalava seu sono todas as noites? Mas naquela noite, algo mudaria. No instante em que o relógio marcasse meia-noite, o selo que a protegia começaria a enfraquecer. E do outro lado do véu entre os mundos, olhos famintos a procuravam. O relógio marcou meia-noite. Lyanna começou a se remexer na cama. As mãos apertaram o lençol enquanto seus olhos se moviam rápido sob as pálpebras. No sonho, ela corria por corredores de pedra, iluminados pelo fogo. O ar era denso, cheiro de fumaça, e ao fundo, uma voz feminina gritava seu nome. — Lyanna… não…! Uma figura de cabelos dourados estendia as mãos para ela, mas antes que pudesse alcançá-la, uma sombra colossal caiu sobre ambas. Lyanna gritou. — Mãe?! Acordou ofegante, sentindo o quarto mais frio do que o normal. O relógio no criado-mudo marcava exatamente 00:01. Ela se sentou na cama, passando a mão pelo rosto suado. O coração disparado batia tão forte que ela conseguia ouvir. Um calafrio percorreu sua espinha. Foi então que sentiu. Algo… alguém… a observava. Virou lentamente o rosto para a janela, onde a cortina dançava suavemente com um vento que ela não lembrava de ter ouvido antes. E ali, do lado de fora, na escuridão do jardim, dois olhos dourados a fitavam, imóveis, como se fizessem parte da própria noite. Os olhos não eram humanos. Eram profundos, antigos, e em vez de medo, Lyanna sentiu uma estranha segurança. Ela se aproximou devagar da janela, o coração ainda acelerado, mas os olhos misteriosos se afastaram como uma sombra que se dissolve no escuro. E junto com eles, o vento cessou. Por um instante, ela achou ter ouvido, no mais profundo silêncio da noite: — Boa noite, meu anjo. Mas não havia ninguém ali. A manhã chegou radiante em Windale. O sol iluminava as ruas e lançava reflexos dourados pela janela do quarto de Lyanna, agora cuidadosamente arrumado com pôsteres de bandas, prateleiras cheias de livros de poesia e medalhas escolares. No espelho do banheiro, ela ajeitou a fita vermelha no cabelo, parte do uniforme da equipe de líderes de torcida da escola. Com um sorriso largo e brilho no olhar, desceu as escadas para o café da manhã, onde seus pais adotivos já a esperavam. Na escola, Lyanna era conhecida por sua alegria contagiante. Sempre pronta para animar a torcida, sua voz era forte e cheia de energia, e suas notas — impecáveis. Ela adorava poemas, especialmente aqueles que falavam sobre coragem e esperança, e às vezes escrevia seus próprios versos escondida no caderno de anotações. Apesar da popularidade, era uma garota doce e amiga de todos, que sabia ouvir e espalhar sorrisos. Mas, naquele dia, enquanto caminhava pelo corredor lotado, uma sensação estranha lhe percorreu a espinha — como se tudo estivesse prestes a mudar em um piscar de olhos. Lyanna sorriu para as amigas, sentindo que algo maior estava começando, mesmo que ela ainda não soubesse exatamente o quê.