Do outro lado da cidade, no bairro do Brooklyn, longe dos arranha-céus corporativos e da movimentação frenética da Quinta Avenida, Leslie Gallardo encarava a tela do notebook com olhos cansados e a expressão carregada de frustração. Sentada no pequeno sofá bege da sala que dividia com a melhor amiga, Harper Mitchell, ela apertava com força uma caneca de café quase frio entre as mãos. Ao fundo, a luz dourada do fim da tarde pintava as cortinas com tons quentes, contrastando com a tensão silenciosa que pairava no ar.
Leslie viera para Nova York há pouco mais de quatro anos. Deixara sua cidade natal no interior do México cheia de sonhos, impulsionada pelo desejo ardente de estudar Direito e, com isso, mudar o destino de sua família. Sempre fora determinada, uma mulher de coragem e foco, mas naquele momento... tudo parecia ameaçado.
— Harper, meus pais não estão conseguindo mais me ajudar com as despesas — confessou ela, a voz embargada, porém firme. — O dinheiro que mandavam já mal dava para pagar a faculdade. Agora... nem isso.
Harper, que terminava de amarrar os cabelos loiros em um coque bagunçado, se virou para encará-la com os olhos castanhos preocupados.
— E se... — começou, hesitando.
— Nada disso, Harper — cortou Leslie imediatamente. — Se eu desistir da faculdade agora e voltar para a casa dos meus pais, é o mesmo que colocar um ponto final no meu maior sonho.
— Eu sei, amiga — respondeu Harper, sentando-se ao lado dela. — Eu sei o quanto isso é importante para você.
— Desistir não é uma opção. Eu lutei muito para chegar até aqui. Não vou abrir mão de tudo agora.
— E o que você pretende fazer?
— Decidi arrumar um emprego. Preciso me sustentar sozinha, dar um jeito.
— Em que você pensou?
— Bom... nesse momento não posso escolher muito. Mas algo que pague bem, pelo menos o suficiente para me manter aqui.
Harper coçou a nuca e lançou um olhar hesitante.
— Se você quiser... posso arranjar um bico para você no clube onde eu trabalho. Não é glamouroso, mas os clientes pagam bem e as gorjetas ajudam bastante.
Leslie riu, balançando a cabeça com um humor resignado.
— Ah, não, amiga... agradeço de verdade, mas não acho que eu daria certo num clube como o seu.
— Ah, qual é! Você nem viu como é lá! Tem garçonetes que tiram uma grana absurda em uma noite.
— Eu não duvido. Mas você me conhece. Não é o meu estilo. Vou tentar alguma coisa mais... normal primeiro, sabe?
— Você que sabe — disse Harper, levantando-se do sofá e esticando os braços. — Mas se mudar de ideia, me avisa. Posso falar com o chefe.
— Obrigada.
Harper desapareceu no corredor, indo em direção ao banheiro, e gritou por cima do ombro:
— Vou tomar um banho. Meu turno começa em uma hora!
Agora sozinha, Leslie suspirou profundamente e voltou a encarar a tela do notebook. Uma aba com diversas vagas de emprego abertas piscava diante dela, mas todas pareciam prometer mais frustração do que solução.
— Meu Deus... me dá uma luz. Preciso arranjar um emprego urgente — murmurou, bebendo um gole do café amargo.
Ela passou horas navegando por sites, preenchendo formulários, enviando currículos e lendo requisitos inalcançáveis para cargos que mal pagavam o salário mínimo. O dia passou como uma névoa, até que o relógio marcou 17h. A luz natural já começava a desaparecer, e a sala era agora iluminada apenas pela tela do computador.
Nada. Nenhuma resposta. Nenhuma chance.
°
°
°
Enquanto isso, a poucos quilômetros dali, no centro financeiro de Manhattan, no andar mais alto de um dos prédios mais imponentes da cidade, Dominic esfregava as têmporas com força, tentando conter a dor de cabeça que se instalava rapidamente. O escritório cheirava a couro caro e perfume amadeirado. Sua expressão era um misto de raiva, negação e incredulidade.
Sentada do outro lado da mesa, a assistente social, Sra. Foster, folheava um documento com calma irritante.
— De acordo com esta carta e com a certidão de nascimento anexada, o senhor é o pai legal do bebê — afirmou ela, sem pestanejar. — Seu nome está aqui. E, até que possa ser provado o contrário, o senhor é legalmente responsável por Noah.
Dominic bufou, jogando o corpo contra a cadeira de couro.
— Isso é um absurdo! Eu nem sabia que essa criança existia até horas atrás!
— Eu entendo — respondeu ela, impassível. — Mas, considerando o nome da empresa estampado nas paredes deste edifício e esse terno de dois mil dólares que o senhor está usando, sei que pode muito bem contratar alguém para ajudar com isso.
— Esse não é o ponto! — ele explodiu. — Eu não quero cuidar dessa criança! Eu não pedi por isso! Vocês não deveriam proteger crianças? Isso não é colocar um bebê em perigo?
— Não acredito que Noah esteja em perigo com você. Ao menos, não até o momento.
Ela se levantou, organizando os papéis com calma antes de se dirigir à porta.
— Visitarei sua casa em uma semana. Farei uma avaliação e poderemos discutir a situação depois disso. Por enquanto, leve seu filho para casa e dê a ele o que ele merece: cuidado e atenção.
— Eu não sei nada sobre como cuidar de um bebê!
Ela sorriu de lado, a mão já na maçaneta.
— Vai ser natural para você, Sr. De Santis. Eu entro em contato — disse, antes de sair e deixar Dominic sozinho no silêncio pesado do escritório.
Por alguns segundos, ele apenas encarou a porta fechada, sem se mover. Depois, bateu o punho contra a mesa e interfonou.
— Nina! Preciso de você aqui. Agora.
A porta se abriu com um clique sutil e sua assistente entrou com passos firmes.
— Sim, senhor?
— Ligue para uma agência de empregos temporários. Encontre alguém que possa cuidar de... — ele hesitou — da criança. Urgente.
— Imediatamente, senhor.
Nina desapareceu tão rápido quanto entrou. Dominic se jogou de volta na cadeira, esfregando os olhos. Em questão de horas, sua vida se tornara um completo caos. Ele era CEO de uma das maiores corporações de investimentos da cidade, não uma babá. Crianças não faziam parte de seus planos — especialmente uma que apareceu do nada com um bilhete e uma certidão de nascimento.
Cerca de meia hora depois, Nina retornou.
— Conseguiu? — perguntou Dominic, sem levantar os olhos dos documentos que fingia ler.
— Sim, senhor. Eles vão enviar alguém amanhã cedo. Assim que o escritório abrir.
— Ótimo. Ela vai cuidar daquela criança. Esse é o trabalho dela, nada mais.
Nina hesitou antes de sair, lançando-lhe um olhar carregado de julgamento.
Dominic levantou os olhos e a encarou.
— Não ouse me olhar assim de novo — disparou ele.
A porta se fechou atrás dela com um leve clique.
E do lado de fora, a cidade continuava girando como se nada tivesse mudado. Mas para Dominic De Santis... tudo estava prestes a sair do controle.