Capítulo Um

Quanto realmente dura um pensamento?

Esta era a pergunta. Quanto tempo decorre do momento em que se formula um pensamento até o instante em que ele vai embora?

Às vezes, quando mais jovem, eu olhava para o céu e me dava conta de que choveria, e então me atinha a isso, à concepção de que a chuva estava por vir, tentando estudá-la por todo o tempo em que ela estivesse comigo. Mas, de uma maneira ou de outra, como quando eu contava os minutos antes de dormir, era impraticável cronometrar a duração de uma ideia.

Sempre fui assim: perguntas não me agradavam, a menos que viessem acompanhadas de resposta — ou, minimamente, da possibilidade de existir uma resposta. Mas eu sabia desde criança que ninguém elucidaria essa dúvida pessoal, sobre a duração das coisas que não podemos medir. Ninguém se importava. Talvez ninguém houvesse, um dia sequer, ao menos refletido a respeito.

Isso continuou indecifrável durante boa parte da minha vida. E agora, tantos anos após eu ter me perguntado sobre isso pela primeira vez, já não esperava chegar a conclusão nenhuma. Meu velho dilema lógico veio à tona quando eu menos imaginava, no final gelado de um mês de junho.

Corria feito louco pela floresta que ladeava os fundos do quintal de casa, suando em bicas, embora o frio fosse de inverno. Quanto tempo até meu irmão esquecer que está irritado comigo?, perguntei a mim mesmo. Ele vinha em meu encalço e não me deixaria em paz.

Dessa vez, tive que me contentar apenas com a certeza de que pensamentos eram finitos, e que essa reflexão estaria morta no momento em que eu parasse de correr. Ela morreu, de fato, bem no instante em que escondi minha enciclopédia de capa dura no interior de um carvalho oco. Corri por mais alguns minutos a fim de garantir que despistava meu perseguidor, e então parei perto de outra árvore, apoiando-me no tronco enquanto tomava fôlego.

— Eu disse que se corresse seria pior! — ralhou Farid, avançando furiosamente na minha direção.

Esperei pelo golpe e ele não demorou a vir. Senti a palma aberta do meu irmão estalar contra minha nuca, o que me fez trincar os dentes.

Seu mal-apanhado! — xinguei, afastando-me.

Farid cutucou meu peito com o indicador e carranqueou.

— Simas, por que tu não veio quando chamei?

Respirei fundo, ainda arfante. O ar da floresta entrava frio e ardia nos meus pulmões.

Eu havia corrido para me livrar de algo comprometedor. Aquele livro, uma enciclopédia de páginas amareladas, tinha sido meu segundo maior achado do mês.

Frequentemente eu explorava a Escória, um terreno extenso e abandonado, que ficava a alguns quilômetros da minha casa, onde se jogava tudo o que não mais prestava; um purgatório de entulhos em que pilhas gigantescas se acumulavam, o destino de todas as coisas. Para muitos, a Escória era um antro de objetos velhos e sem serventia, mas alguns poucos encontravam valor em quinquilharias descartadas. Eu havia perambulado por entre os estofados rasgados e madeira desgastada aquela manhã, uma segunda vez na mesma semana. Aparentemente a enciclopédia grossa tinha estado lá desde o último sábado — quando os caminhões descartavam o lixo —, como se estivesse esperando que eu a encontrasse. Ao segurá-la, tinha sido difícil acreditar: havia inclusive figuras nos capítulos! Eu adorava admirar as ilustrações quase tanto quanto gostava de ler. Não tinha pensado duas vezes antes de colocá-la embaixo do braço e correr de volta para casa.

Porém Farid, meu irmão mais velho, vinha esperando por mim. Eu não sabia o que ele queria comigo, mas não poderia ter aparecido em pior hora. A enciclopédia era grande demais para que eu a escondesse debaixo da camisa — e esse era, aliás, o único motivo por que aquela verdadeira relíquia era a segunda melhor do mês em vez de primeira.

Se Farid me visse carregando o livro, os pescotapas seriam mais dolorosos. Além disso, meu pai acabaria ciente de que eu estivera mais uma vez me esgueirando pela terra-de-ninguém, como os mendigos faziam; obviamente, ele não queria que eu me comportasse feito mendigo e ficaria furioso se suspeitasse que eu vinha lendo de novo. Por muitos motivos, ninguém poderia saber! Portanto, eu havia disparado pela mata até encontrar meu esconderijo secreto, o carvalho seco perto do córrego do rio.

— Não lhe devo satisfação.

Eu não diria a verdade.

Seu semblante era azedo.

— É isso que quer que eu diga pro pai quando ele perguntar sobre tu?

Farid conseguia me provocar raiva às vezes. Não era muito inteligente, mas dominava perfeitamente a arte do cinismo.

— Eu corri porque... — entabulei — porque achei que você quisesse se vingar.

— Me vingar pelo quê?

— Por eu ter descoberto as garrafas embaixo do assoalho do quarto. — Era mentira, é claro; mas as garrafas realmente estavam lá, escondidas.

Farid perdeu a cor.

Meu pai gastava quase todo seu dinheiro em gim. Costumava beber na taverna do velho Omir, até que o exagero o fizera perder o controle e arranjar confusão com os frequentadores locais; agora arranjava álcool barato por meio de um de seus poucos amigos; bebia toda noite no jantar e toda manhã antes do café da manhã. Às vezes passava dias sem se alimentar propriamente. Transformava todo fim de semana num calvário para mim e minha irmã mais nova, mas não se deixava ser visto bêbado sob a luz do dia por receio do que os vizinhos pensariam. Farid não repreendia meu pai, conquanto também se incomodasse com seu passatempo insalubre; ele, por sua vez, apreciava alguns goles esporádicos e, portanto, mantinha ocultas ao menos três garrafas sob o assoalho.

— Não sei do que tu tá falando. — Mas ele sabia. Eu sabia que ele sabia.

— Então não vai se importar quando eu sugerir ao pai que vasculhe o quarto hoje à noite — insinuei.

Farid rosnou, derrotado.

Eu havia descoberto seu esconderijo ano passado, numa noite fria demais para que Farid realmente quisesse se levantar da cama. Ele caminhara na ponta dos pés até suas preciosas garrafas, achando que eu estava dormindo, mas o barulho do assoalho tinha me acordado. Na manhã seguinte, enquanto Farid estava fora, eu havia achado o compartimento repleto de gim caro. Não sabia como meu irmão tinha adquirido aquilo, mas, de qualquer forma, preferira guardar segredo a fim de usar a informação no momento certo. Esse era o momento certo.

Farid semicerrou os olhos.

— Ora, seu filhote de porco-do-mar! Tu não vai dizer nada se tiver amor à vida.

Soltei uma gargalhada vitoriosa.

— É melhor maneirar nesses tapas, então, cara.

Comecei a trilhar o caminho de volta, certificando-me de passar bem longe do carvalho onde meu novo projeto permanecia seguro. Farid não discutiria mais comigo, não gostaria que eu levasse adiante a ideia de revelar seu segredo.

— Ei, o pai me mandou perguntar se tu não vai pra madeireira hoje. — Ele corria para me acompanhar, pisando ruidosamente no tapete de folhas mortas.

Era isso que ele queria, é claro...

Revirei os olhos e respondi que começaria o serviço um pouco mais tarde hoje, por ordem do chefe, de modo que meu pai não precisava se preocupar, pois que seu "jantar" estaria à mesa.

Farid meneou a cabeça e ponderou, e então me lançou um olhar vacilante.

— Está bem. Mas, por favor, não conte aquele negócio — pediu uma última vez.

Ele sabia fazer cara de criança abandonada quando precisava, o que quase me fazia sentir dó. Mas não havia misericórdia entre mim e meu irmão, as negociações que fazíamos eram sempre pautadas no que nos beneficiasse mutuamente. Eu sempre estava à procura de algo que pudesse usar contra ele. Esse era nosso jogo, brincadeiras que trazíamos da infância: Farid e seus safanões; eu e minha coercitividade.

Farid não se parecia muito comigo. Tínhamos a mesma pele grossa e bronzeada, os mesmos olhos castanhos, mas ele era relativamente mais alto e mais magro, além de cultivar a barba cerrada e uma cabeleira cacheada. A aparência de Farid não era das melhores, mas, por um motivo indiscutível, isso não o incomodava: era um desempregado. Ele, de todo modo, continuaria ocioso pelo resto da vida, porquanto tinha apenas um dos braços — a razão pela qual o perdera era uma longa história que preferíamos não mencionar.

Assenti ao seu pedido. Uma hora ou outra eu usaria a mesma cartada contra ele novamente.

Farid se preparou para se despedir de uma vez, pois nossos caminhos se separavam, já que eu rumava para fora da floresta, em direção ao Centro. Movido pelo costume, ele levantou sua única mão, preparando-se para acertar minha nuca com mais um de seus tapas. Quando o fuzilei com os olhos, ele interrompeu a ação, lembrando-se de que deveria ser gentil comigo a fim de garantir meu silêncio.

Agora eu me perguntava por quanto tempo poderia recorrer àquela ameaça até que ela começasse a soar vazia e sem valor. Quanto duraria? Bem, talvez ao menos isso eu conseguisse estimar.

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