Capítulo 2 – Os desejos que adormecem

Feche os olhos e ouça o clamor de sua alma.”

Cada vez que minha pele sente o gélido toque da noite, simultaneamente minha mente é invadida por um tsunami de lembranças. Momentos passados, tão claros, tão vívidos que chegam a parecer com instantes pessoais e atuais. Mas de quem são essas memórias?

Hélio estava curioso do porque tinha de urinar de pé enquanto sua mãe o fazia sentada. A explicação era categoricamente fria e vazia; porque você é menino. As perguntas giravam em sua mente o tempo todo, e as mais fortes e em maior constância eram: e se ele fosse menina, e o que tinha depois do céu? Obviamente as perguntas não estavam relacionadas, não ainda. Mas tanto fazia, pois, inexoravelmente suas questões ficariam sem respostas mesmo.

Hélio nunca teve problemas em aceitar outras crianças em seu círculo social. O que não se repetia quando ele tentava entrar em outros círculos. Mesmo sendo criança, ele detinha para si um código valioso de ética e moral, que até então nem mesmo ele sequer sabia que existiam. Esses valores eram inatos a ele, e para uma criança, ele os colocava em prática de maneira muito eficaz. Se tenho algum exemplo? Claro!

As imagens são borradas, distantes e um pouco enevoadas. As falas são imprecisas e contam com um pouco de interpretação e imaginação, mas a essência do evento é indelével. A garota, prima de segundo grau dele, estava sobre uma mureta. Ele segurava sua mão, ajudando-a se equilibrar enquanto ela caminhava até o final da trilha, que imaginava ser uma corda bamba sobre um rio perigoso. O primo legitimo, estava por perto, mas não lhe estendia a mão e sim gritava a cor da calcinha da menina. Envergonhada, ela tenta descer da mureta e rala o pé. Hélio a abraça e pede que deixe “o banana” — sendo essa a maior ofensa que conhecia no momento — do primo para lá.

O episódio foi tão impactante para Hélio, que ele contou para sua mãe e pediu que ela brigasse com o primo, mas isso não aconteceu, por conta de vários motivos óbvios.

Hélio dizia à sua prima que sempre a protegeria, fosse o que fosse, poderia contar para ele, que o problema seria resolvido. O mundo mágico infantil não possui limitações, estas são inseridas mais tarde, conforme as crianças dão ouvido aos adultos. Ele cresceu com sua prima, sempre preocupado e sempre curioso sobre sua situação e seus sentimentos, mas acabaram se afastando na adolescência de maneira permanente.

Ah sim! O vento sopra um pouco mais forte agora, posso sentir meus cabelos chicoteando em suas asas e varrer a minha face. Cabelos… madeixas… longa guedelha.

Hélio tinha uma grande admiração por cabelos longos, mas os seus eram enrolados demais para crescer, sobretudo na fase dos piolhos. Ao invés de tratar do problema com algum produto químico, sua mãe raspara sua cabeça, arrancando o mal pela raiz, literalmente. Hélio sentia-se despido, desprotegido, incompleto, mas sabia que fios negros voltariam a crescer, no entanto, nunca seriam compridos e então passou a desejar que seus cabelos mudassem para ficarem iguais aos da She-Ra. Mesmo pedindo ao papai do céu e papai Noel, isso não aconteceu. Ele acabou adormecendo esse desejo.

Sim, pois, nenhum desejo desaparece por completo.

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