Capítulo 15 Ezequiel Costa Júnior Levei algum tempo apenas observando Mariana. Cada pequeno gesto dela parecia dizer mais do que as palavras. A forma como me olhava, o esforço que fazia para não se afastar... ela estava tentando. E isso me atingia num lugar que eu nem sabia que ainda estava vivo. Queria poder fazer mais por ela. Puxei o celular e fiz uma ligação. — Yulssef, preciso que traga algumas roupas novas para a Mariana. Algo leve, confortável. Ela vai sair comigo hoje. — Claro, Don. Passo na boutique e levo até aí em menos de uma hora. Mais alguma coisa? — Só isso mesmo. Obrigado. Desliguei e um tempo depois fui até a sala, onde Mariana agora mexia em uma flor do vaso sobre a mesa. Era uma imagem quase surreal, como se ela não pertencesse àquele mundo — meu mundo. Mas ao mesmo tempo, algo em mim dizia que ela já era parte disso tudo. — Gosta das plantas? — seus dedos encostavam suavemente no verde. — Eu quase não vi raridades como essa durante minha vida. — Ela virou
Capítulo 16 Mariana Bazzi Ajeitei os cotovelos na cama, já estavam doloridos de tanto me apoiar neles para olhar para aquele fruto. Eu o vi tantas vezes no interior do cassino, mas nunca provei. Nunca deixaram. — Querida? — me distraí e me ajeitei ao ouvir a doutora Samira entrar. Sua voz me trazia calma, como uma brisa leve numa tarde abafada. — Estou aqui — respondi, olhando para ela com um pequeno sorriso. — Vim trazer as roupas pra você. A Luciana estava ocupada também. — Obrigada — acho que a doutora não gostou da Luciana. Ela colocou uma pequena pilha de roupas em cima da poltrona ao lado da cama e se sentou devagar, como se respeitasse meu espaço. — Está ansiosa, não é? Assenti com a cabeça. — Sim. Vamos tirar a Soraya e a Iris de lá. Meus dedos começaram a brincar com a colcha de linho. Cada dobra, cada textura, parecia uma forma de me manter conectada à realidade, de não deixar que o medo tomasse conta. — Então vamos nos arrumar — ela diss
Capítulo 17 Mariana Bazzi Ezequiel segurava um homem pela gola da camisa, quase o erguendo do chão, encostando-o contra a parede. Um dos seguranças — magro, nervoso, claramente despreparado — tentava falar algo entre gaguejos. — E-eu não sei... senhor... juro por Deus... — Não jure por Deus, jure pela sua vida — Ezequiel rosnou, os olhos apertados de raiva. — Elas estavam aqui ontem. Onde estão agora? — R-Roberto saiu com elas, Don! Eu... eu não sei pra onde! Só sei que levou um carro, com dois caras... e... e disse que voltava em meia hora... Só levou as melhores dançarinas. — Isso foi há quanto tempo? — D-duas horas... Ezequiel o soltou com força, e o homem caiu no chão, tossindo e puxando o ar. O Don se virou. Havia algo nele agora — um fogo silencioso, frio, letal. Ele sacou o telefone do bolso do terno e falou firme: — Ativem o rastreamento. Quero saber onde esse filho da puta está. Se ele mexeu um dedo nelas, quero a cabeça dele numa bandeja. Hoje.
Capítulo 18 Ezequiel Costa Júnior Ainda parado na porta, sem saber ao certo o que fazer, fiquei olhando pro corredor por onde ela sumiu. Aquele abraço... foi real. Foi dela. Pela primeira vez ela me tocou sem medo, sem obrigação, sem ser empurrada pelas circunstâncias. Só... veio. E aquilo me desmontou por dentro. A Mariana que vi ali não era a menina assustada que se escondia atrás da doutora, nem a mulher teimosa que tentou fugir de mim. Era alguém que queria me alcançar, mesmo que ainda com medo. Fechei a porta devagar, como se o barulho pudesse quebrar aquele momento que ainda vibrava no meu peito. Ela aceitou almoçar comigo. Deitei, mas o sono não veio. Fiquei encarando o teto, revirando tudo na cabeça. Como um simples toque, uma simples aproximação, podia mexer tanto comigo? Eu, Ezequiel, Don de uma das famílias mais temidas, rendido por um gesto frágil de confiança. Sorri sozinho. Mal sabia ela que aquele toque valia mais que qualquer jura de lealdade que já receb
Capítulo 19 Ezequiel Costa Júnior Ela segurava a sacolinha como se fosse um tesouro. Seus olhos brilhavam com uma mistura de nostalgia e ternura, e eu já conseguia sentir o gosto da vitória. Aquilo tinha que ser o sinal. O sinal de que ela estava começando a me enxergar. De que podia, finalmente, me amar. — Você conhece quem me deu esse presente? — ela perguntou com a voz suave, quase infantil. — E se eu disser que sim? — provoquei, encostando o cotovelo na mesa, sorrindo. Ela riu, e aquilo foi como um raio de sol em meio a uma tempestade. — Nossa! Jura? Eu não acredito! Você conhece o Papai Noel? Sorri de canto, esperando mais, esperando que ela dissesse algo como “eu sabia que era você” ou “sempre desconfiei”. Mas não. Mariana respirou fundo e continuou: — Sabe, Ezequiel... aquele homem... aquele Papai Noel... ele olhava pra mim de um jeito diferente. Não era com malícia, nem com pena. Não sei explicar, mas aqueles olhos me davam paz. Uma paz que eu nunca tive
Capítulo 20 Mariana Bazzi A sacolinha estava no meu colo, como um amuleto. Eu a segurava com tanto cuidado que parecia feita de vidro, enquanto a caixa bonita deixei no chão. Dentro dela, um pedaço do que eu nunca tive direito de viver. Nunca usei o vestido, e na agenda haviam sonhos que talvez nunca conseguisse realizar. Ezequiel me olhava com seus olhos pacientes, protetores, e ao mesmo tempo... tão intensos. Era confuso. Era tudo muito confuso. Ele disse que conhecia o Papai Noel. Meu coração deu um salto. Parte de mim queria acreditar que era só uma coincidência — que o homem gentil de olhar calmo e abraço acolhedor existia mesmo. Que ele poderia aparecer diante de mim e me dar mais um presente. Um olhar. Um afeto. A figura de um pai. De um herói. O jeito como Ezequiel me tocava, como me olhava, como dizia meu nome... não era nada paterno. Era diferente. E por mais que meu corpo começasse a reconhecer isso — a desejar isso —, minha mente ainda gritava de medo.
Capítulo 21 Ezequiel Costa Júnior O sorriso dela ainda estava impresso na minha memória quando saí do restaurante. Leve, doce, e também assustado, mas cheio de esperança. Era como ver uma flor brotar no concreto depois de anos de abandono. Mariana me deu uma chance — pequena, tímida, frágil — mas era uma chance. Ajudei minha bonequinha a se levantar com todo o cuidado do mundo, como se fosse feita de vidro fino. Caminhamos até o carro, e ela segurava a sacolinha como quem segura o passado e o futuro ao mesmo tempo. A cada vez que olhava pra ela sentia uma vontade louca de agarrar, beijar e fazê-la minha, mas eu controlei casa maldito impulso, não entendo como. Quando paramos na porta de casa, eu apenas beijei sua mão. Nada mais. Nada que a pressionasse. Nada que a fizesse recuar, embora meu corpo gritasse de desejo. Só dei aquele beijo leve, carregado de tudo que eu sentia e ainda não podia dizer em voz alta. — Até mais tarde, bonequinha — murmurei, e vi um bri
Capítulo 22 Mariana Bazzi A água quente escorria pelas minhas costas, como se pudesse limpar os medos, as vozes do passado, as memórias partidas que sempre me impediam de seguir. Pedi ajuda à doutora Samira, porque precisava disso. Precisava me libertar. — Como superar esse medo, doutora? — Androfobia não é uma simples aversão, é uma ferida muito dolorida. Um trauma que se instala na alma, te trava e molda seus sentimentos, os pensamentos, até o modo de respirar, instaurando esse medo irracional que você sente. Mas felizmente existe tratamento minha querida. Vamos reconstruir a Mariana aos poucos. Essa escolha de confiar em Ezequiel, ainda que incerta, é um passo enorme. — Eu confio, doutora. Estava com o cabelo molhado e o roupão amarrado quando ouvi barulho de pneus. Muitos. Um som fora de lugar para o final da tarde. Fui até a janela, puxei levemente a cortina. E o que vi me fez perder o ar. Haviam carros chegando de todos os lados, como um enxame de abelhas