Capítulo 55 – Isaac Aubinngétorix Foi como correr em direção ao desconhecido com o coração preso na garganta. A porta do banheiro feminino estava entreaberta. Havia algo de errado em tudo — no silêncio repentino que substituíra o som dos saltos de Maeve, no modo como ela levou a mão à boca, no branco que se instalou no rosto onde, até então, havia rubor e firmeza. — Maeve? — chamei, mesmo sabendo que era uma imprudência estar ali. Nenhuma resposta. Empurrei a porta devagar. O som da torneira aberta e um leve soluço abafado me guiaram até o fundo. Ela estava ajoelhada, apoiada na cerâmica fria, com os cabelos caindo pelos ombros como véus escuros de fragilidade. As mãos apertavam as bordas do sanitário com força, e seus olhos, quando me encontraram, estavam marejados — não de dor, mas de um susto maior que ambos queríamos admitir. — Estou bem — ela disse, a voz fraca, quase infantil. — Foi só... um enjoo. Me ajoelhei ao lado dela, ignorando o chão, o terno amassado, o mundo. —
Capítulo 56 Maeve Jhosef Acordei com a sensação de ser observada. Mas não com medo. Com ternura. Com aquele tipo de silêncio que pesa no ar quando há algo que ainda não foi dito, mas já se faz presente entre dois corpos debaixo do mesmo lençol. Isaac estava ali. Sentado à beira da cama, os cotovelos apoiados nos joelhos, o rosto voltado para mim — olhos tão claros quanto vazios de sono. Como se a madrugada tivesse se recusado a lhe emprestar descanso. Por um segundo, fiquei imóvel. Fingindo dormir. Fingindo não sentir a gravidade daquele momento. Mas então ele falou. — Está se sentindo melhor? Sua voz era baixa, mas carregava o peso de alguém que havia pensado demais. Engolido demais. Temido demais. Assenti vagamente, tentando me erguer sobre o travesseiro, mas o enjoo me lembrou que ainda não havia ido embora. Isaac esticou a mão, me oferecendo apoio, e seus dedos envolveram os meus com cuidado demais. Como se estivesse com medo de me tocar. — É só enjoo matinal... — mur
Capítulo 57 – Maeve Jhosef “A vida tem um talento cruel para florescer onde menos esperamos. E mesmo assim... floresce.” Era para eu estar em paz. Era para o fim daquela noite ser apenas mais um fim. Mais um descanso ao lado dele, um lugar onde o mundo não gritasse, onde o tempo não acelerasse. Mas desde aquele banheiro, desde os três testes que sorriram para mim sem que eu estivesse pronta para sorrir de volta, tudo dentro de mim se tornou ruído. Isaac tentou esconder o medo por trás da firmeza. Eu tentei esconder o desespero por trás da negação. E juntos, passamos os dois dias seguintes como quem caminha sobre o gelo: medindo cada palavra, temendo cada passo. — Você ainda acha que pode ser só estresse? — ele perguntou baixinho, no segundo dia, quando me encontrou sentada na varanda do escritório com os olhos perdidos no céu nublado. — Eu não sei o que acho — respondi. Era verdade. A verdade é que nada estava em seu lugar. O meu corpo parecia não ser mais meu. A empresa
Capítulo 58 – Isaac Aubinngétorix “Há dores que o tempo não desfaz. Apenas ensina a respirar por entre elas.” A casa dos meus pais nunca pareceu tão sufocante. As palavras malditas, cuspidas como veneno na mesa de jantar, ainda ardiam na pele. Minha mãe, de olhos duros, exigia explicações. Meu pai, com o cenho pesado, cobrava escolhas. E tudo o que eu conseguia pensar era em como, mesmo depois de tudo, eles ainda tentavam controlar minha vida como se fosse uma empresa mal administrada. — Isso é um absurdo, Isaac — meu pai disse. — Você se deu conta do que está fazendo com a sua reputação? Com o nome da nossa família? — Eu estou construindo a minha família agora — respondi. — Com ou sem a bênção de vocês. — E a Arlene? — minha mãe gritou. — Ela é sua noiva! — Ela nunca foi nada além de uma estratégia — cuspi com a voz firme. — E não vai mais se aproximar de mim. De nenhum de nós. Se insistir, terá que lidar com os advogados. O silêncio caiu com peso. Um silêncio que não era
Capítulo 59 – Maeve Jhosef “Antes do silêncio… vem a dor. E ela grita.” Eu não sabia quanto tempo fiquei ali parada. Talvez um minuto. Talvez uma vida inteira. O chão sob meus pés parecia frio demais. O vento, denso demais. Meu corpo, pesado demais para se manter ereto diante daquela verdade que, sem aviso, partiu tudo o que eu conhecia ao meio. Ezra escolheu morrer. Essas três palavras rasgaram meu peito com a ferocidade de mil navalhas silenciosas. Ele escolheu. E Isaac... Isaac sabia. O amor que me sustentava até então se dissolveu em névoa. Não porque deixou de existir. Mas porque agora ele ardia. E ardiam as perguntas que se amontoavam como destroços atrás dos olhos. Por que ele nunca me contou? Por que ele carregou sozinho esse fardo tão monstruoso? Por que me deixou mergulhar na culpa de acreditar que eu não fiz o suficiente, que não corri o bastante, que não o salvei? Minhas pernas cederam antes mesmo de eu perceber. Sentei na grama úmida ao lado da lápide, se
Capítulo 60 – Isaac Aubinngétorix “Algumas guerras só terminam quando se decide parar de sangrar.” Era estranho. Estranho acordar e não carregar mais sozinho o segredo que me consumia por dentro. Estranho ver Maeve ali, inteira… e ainda assim quebrada pelo peso da verdade que mantive escondida por tempo demais. Ela não me odiava. Mas a mágoa… era uma presença densa, constante, ocupando o espaço entre nossos corpos mesmo quando dividíamos o mesmo lençol. Eu a entendia. Porque, de todas as pessoas no mundo, ela foi a que mais amou Ezra. E ele… decidiu partir sem permitir que ela lutasse por ele. Agora estávamos aqui — eu, ela e o filho que crescerá dentro dela — tentando dar um nome novo para tudo o que restou. A gravidez trouxe uma urgência silenciosa para nossa realidade. Mudamos pequenas rotinas. Ela passou a comer em horários mais regrados. Eu passei a verificar três vezes se a escada tinha o corrimão firme. Mas mesmo nas pequenas coisas, havia um cuidado assustado,
Capítulo 61 Maeve Jhosef “Antes do sim, há o silêncio que antecede a coragem.” Eu não respondi naquele momento. Não com palavras. Mas com o peso do olhar que repousou no dele, dizendo: “Talvez... sim.” Ou talvez fosse só o medo dizendo que eu ainda não sabia como amar alguém depois da morte. Mas a vida — a nova vida — não esperava nossas hesitações. Era madrugada quando me sentei no chão do quarto, com a agenda de anotações aberta no colo e o coração descompassado. Não era um casamento qualquer. Era o início de uma história que ninguém imaginou que existiria. Eu e Isaac... E o filho que vinha como um novo elo entre dois mundos partidos. ** Contei primeiro para os meus pais. A notícia da gravidez já havia os transformado em guardiões discretos de mim. Mas quando pronunciei a palavra casamento, algo brilhou nos olhos deles — como se, enfim, vissem futuro onde antes só havia ruína. — Vocês vão se casar? — minha mãe, Helena, repetiu, como se quisesse ter certeza de que o
Maeve Jhosef Quando decidimos passar o resto da vida ao lado de alguém, não imaginamos que o “para sempre” venha carregado de reticências, silêncios e medos. Ainda mais quando essa escolha acontece depois da dor. Depois da morte. Eu e Isaac somos dois sobreviventes — do luto, da culpa, daquilo que nunca dissemos. Mas, de alguma forma, entre as ruínas de tudo o que perdemos, encontramos algo novo. Algo pequeno… que agora cresce dentro de mim. Olho meu reflexo no espelho. Minha mão repousa sobre a curva sutil que desponta em meu ventre. Ainda não é visível aos olhos apressados, mas eu a vejo. Eu o sinto. É nosso filho. O primeiro traço visível do amor que resistiu ao caos. Hoje será a primeira vez que o veremos. O som do seu coração, suas pequenas pernas talvez chutando de leve, sua existência pulsando em preto e branco na tela de um consultório. Um grão de esperança que já virou universo inteiro dentro de mim. Respiro fundo. Tento conter a emoção, mas ela me transborda mesmo quand