O resto da noite, Sophie permaneceu no salão, câmera em mãos, mantendo o foco no trabalho para o qual havia sido contratada. Registrava sorrisos estudados, mãos que se encontravam rapidamente, olhares que se desviavam… e, entre tudo isso, detalhes que talvez não interessassem à agência, mas que poderiam importar a Matteo. O reflexo do homem de terno cinza num espelho antigo, o sutil desalinhamento do suporte da peça, a tensão em certos gestos.
Ela sabia que não podia se envolver oficialmente. Seu contrato era claro: imparcialidade. Qualquer deslize poderia custar sua credibilidade — e o cargo. Mas a lente era generosa com a verdade, e Sophie aproveitava cada clique para guardá-la, mesmo que a verdade não fosse publicada no jornal. Quando o evento terminou, os convidados saíram em ondas elegantes, e ela recolheu o equipamento com calma. O Grande Canal já refletia a luz das lanternas quando voltou ao hotel. O ar noturno estava mais frio, e o silêncio das ruas estreitas fazia cada passo ecoar. No lobby, Matteo estava sentado em um dos sofás de veludo, ainda de camisa social, as mangas dobradas. Segurava um copo de vinho e parecia distraído, mas, ao vê-la, ergueu o olhar e sorriu de um jeito contido — como quem não quer chamar atenção, mas também não quer que a pessoa passe direto. — Como foi o resto da noite? — perguntou ele, levantando-se devagar. — Intenso — respondeu Sophie, pousando a bolsa no balcão. — Consegui tudo o que precisava… e talvez um pouco mais. Houve um instante de silêncio. Matteo deu um passo na direção dela, mantendo a voz baixa: — Eu não vou pedir que se envolva. Mas… se algum dia decidir que quer mostrar o que viu, eu vou ouvir. Sophie sustentou o olhar dele por alguns segundos, sentindo a tensão leve, quase elétrica, que pairava entre eles. — Talvez eu te mostre… — disse, com um sorriso que não revelava muito. Matteo devolveu o sorriso, mas havia algo mais em seus olhos — gratidão misturada a um interesse silencioso. — Boa noite, Sophie. Ela respondeu com um aceno e subiu para o quarto. Só quando fechou a porta atrás de si, apoiando-se por um instante contra a madeira, percebeu que estava sorrindo sozinha. Matteo tinha um jeito de entrar em sua órbita sem forçar, mas deixando a presença dele impossível de ignorar. .... O sol da manhã entrava em tons dourados pelas cortinas do quarto. Sophie acordou mais cedo do que esperava — talvez pela ansiedade de organizar as fotos do evento, talvez pelo resquício de inquietação que a noite anterior deixara. No café do hotel, ela escolheu uma mesa próxima à janela, de onde podia ver um pequeno canal onde as gôndolas passavam lentamente. Enquanto revisava as imagens no laptop, fez anotações rápidas para a agência: enquadramentos, nomes de convidados, horários. Mas, em uma pasta separada, guardava discretamente as fotos que não iriam para o jornal — aquelas que Matteo poderia achar úteis. — Trabalhando tão cedo? — A voz grave e calma veio de trás dela. Sophie olhou por cima do ombro e viu Matteo, desta vez sem pressa, com um casaco leve e uma xícara de café na mão. Ele se sentou à frente dela, mas manteve o tom casual. — Prometo que não vou atrapalhar. — É o meu ritmo — disse ela, fechando parcialmente o laptop. — E você? Não deveria estar descansando depois de ontem? — Descansar… é algo que eu ainda não aprendi. — Ele sorriu de leve, mas havia um cansaço real em seu olhar. — Vim tomar café e… talvez fazer um convite. Sophie arqueou a sobrancelha, desconfiada. — Um convite? — Só um passeio. Nada de trabalho, nada de investigações. — Ele ergueu a mão, como se jurasse. — Conheço um lugar onde a luz da manhã transforma Veneza em outro mundo. Acho que você gostaria de fotografar… por você, não para a agência. Ela hesitou por alguns segundos. Estava em território seguro — um simples passeio. E, ainda assim, algo na voz dele a fazia sentir que seria mais do que isso. — Certo… — disse, fechando o laptop. — Mas só por uma hora. Matteo sorriu, satisfeito, e levantou-se. — Uma hora é mais do que suficiente para mostrar o que vale a pena ver. Enquanto seguiam pelas ruas estreitas, Sophie percebeu que a cidade parecia mais silenciosa de manhã, como se guardasse segredos que só os primeiros passos podiam ouvir. E, de alguma forma, Matteo caminhava ao lado dela como se já fizesse parte dessa paisagem. As ruas estreitas de Veneza se abriam e fechavam diante deles, como se a cidade brincasse de revelar e esconder seus segredos. A cada ponte, Matteo apontava pequenos detalhes que passariam despercebidos a qualquer turista — um entalhe quase apagado na pedra, um reflexo raro na água, o aroma de pão recém-assado vindo de uma padaria escondida. A conversa fluía leve, alternando entre arte, viagens e histórias engraçadas que ele contava com naturalidade. Até que, num momento de pausa, enquanto caminhavam lado a lado pelo parapeito de um canal mais estreito, Matteo perguntou, com a mesma simplicidade de quem comenta o clima: — Você tem alguém esperando por você em Paris? Sophie riu de leve, mas não havia alegria no som. — Não. Ele olhou para ela, intrigado. — Estranho… uma mulher tão simpática e bonita… como é que ainda está sozinha nesse mundo? Para Matteo, a pergunta era natural, quase inocente. Mas, para Sophie, as palavras abriram uma fresta perigosa. Um aperto silencioso no peito. Imagens que ela evitava, lembranças que preferia manter trancadas — conversas cortadas pela metade, promessas quebradas, uma dor que o tempo amenizou, mas não apagou. Ela baixou o olhar, encolhendo levemente os ombros, abraçando o próprio braço como quem se protege do frio, mesmo que o dia estivesse ameno. Matteo percebeu a mudança imediata. O olhar dele suavizou, e sua voz também. — Desculpe… — disse, sincero. — Não queria invadir nada. Sophie forçou um sorriso pequeno, tentando afastar o peso que caíra sobre ela. — Está tudo bem. Ele desviou a conversa para algo mais leve, apontando um barco carregado de flores que passava devagar, como se quisesse devolver a ela o conforto que havia tirado. E, embora a troca de palavras fosse agora mais suave, Matteo guardou mentalmente aquela reação — como se tivesse descoberto que Sophie carregava muito mais do que mostrava.