Aguenta Coração

Vi e eu tínhamos ficado muito sem graça, mas logo depois fomos jogar vídeo game e não tocamos mais no assunto. Ele não dormiu na minha casa naquele dia como eu gostaria.

- Posso entrar? - Me questiona Kim no dia seguinte.

- Claro. - Respondo  ao desligar a televisão.

Ela deita em minha cama, ao meu lado, e sem dizer nada, apenas me abraça, um abraço forte, acho que fazia tempo que Kim não me abraçava daquele jeito.

- Porque o papai nos odeia?

- Hey, ele não nos odeia. - Minto.

Que legal, olha eu aí mentindo de novo, e dessa vez pra minha irmãzinha, isso já estava ficando fora do controle. Mas como dizer pra uma garotinha de 6 anos que nosso pai nos odeia mesmo?

- Como não? Ele bate na mamãe e só briga com a gente. E ainda vive fedendo.

É, pela primeira vez, minha irmãzinha havia me deixado sem palavras. Mesmo sem poder admitir, eu sabia que ela estava certa, que nosso pai nos odiava mesmo ou ao menos fingia muito bem que não nos amava.

Era estupro, bullying na escola, uma mãe sendo agredida bem diante de meus olhos e eu sem poder fazer nada, e ainda ter que conviver numa selva cheia de leões lutando por sua sobrevivência, chamada escola, era muita coisa pra um garoto de 16 anos. Estava de saco cheio de tudo isso, queria poder pegar uma mochila e uma bike e sair por aí, sem rumo, só pedalar e pedalar, até ficar com bolhas nos pés.

Como eu gostaria de poder fazer isso, mas sabia que não poderia, no entanto, resolvo sair um pouco para pedalar apenas para refrescar minha mente. Ando por várias ruas de Porto Alegre, acabo me afastando bastante de minha casa, mas isso já não me importa, porque se não fosse pela minha irmã e a minha mãe, eu já teria me mandado de casa há muito tempo, aposto que meus tios, os pais de Vincenzo, ou então, os pais de Kika, não se importariam em me abrigar.

Logo começa a escurecer, e resolvo voltar pra casa, pois mamãe não gostava que eu chegasse tarde.

- De novo chegando tarde, Michael? - Me questiona mamãe assim que eu entro em casa.

- Desculpa, fui pedalar um pouco, e aí a senhora sabe que eu esqueço da vida. - Falo.

- Claro, vive com a cabeça no mundo da lua. - Fala Noah para me provocar.

- Deixa o seu irmão. - Pede mamãe.

- Cadê aquele indivíduo que mora aqui? - Pergunto rezando para ele não estar em casa.

- Saiu faz uma hora, não disse pra onde ia, só falou que não demoraria. - Diz mamãe.

E para minha surpresa, ele volta em seguida, pois como diz aquele ditado popular, ''alegria de pobre dura pouco'', mas ele estava com um semblante bom, parecia feliz.

- Filhão, eu acabei de comprar uns jogos muito legais. - Diz papai para Noah. - Quer jogar comigo?

- Claro. - Diz Noah dando um pulo do sofá e indo para seu quarto junto com nosso pai.

Como eu gostaria de entender porque papai gostava tanto de Noah, e da gente não. Afinal, também éramos de sua família, por mais que ele não gostasse, mas não era nossa culpa, Kim e eu não pedimos para ter ele como pai, até porque se pudéssemos escolher, gostaríamos de um pai amoroso, presente em nossas vidas, que quisesse o nosso bem, e não nos machucasse, queríamos um pai que apenas nos amasse. Será que é pedir muito?

Fazia tempo que Vi não dormia em minha casa, a última vez foi antes dele viajar, acho que uma ou duas semanas antes. E eu adorava quando ele dormia lá em casa, porque assim o Henrique não fazia nada pra gente, até nos tratava bem e podíamos ficar todos em paz, como era pra ser. Fora que nossas noites juntos eram sempre divertidas, víamos filmes, fazíamos pipocas, conversávamos, e jogávamos bastante video game.

- Lembra da Suzy? - Me questiona Vi.

- Nem me lembre dela. - Digo.

- Por quê? Afinal, ela foi a primeira garota que você ficou.

- Obrigada por me lembrar. - Digo irônico.

Suzy e eu começamos a ficar quando eu tinha treze pra catorze anos. Éramos da mesma turma, e nos conhecíamos a uns dois anos e ela era superlegal, conversávamos muito, os professores tinham que nos m****r ficar em silêncio, ela era minha melhor amiga, depois da Kika, claro. Mas aí, eu fiz a grande burrada de tentar esconder o que eu sentia por Vi, e tentar gostar de garotas, foi quando eu pedi pra ficar com Suzy, e ela aceitou, dizendo que sempre foi apaixonada por mim. Começamos a ficar, e nossas ficadas duraram longos 11 meses, os primeiros meses até que foram tranquilos, mas depois eu conheci uma outra Suzy, uma garota arrogante, esnobe, e muito ciumenta, ela passou a se achar demais só porque ficávamos, e tinha algumas garotas de nosso colégio que queriam me namorar. Eu não podia olhar pro lado, que ela já pensava que eu estava cuidando alguma garota, ah, se ela soubesse que eu nunca gostei de garotas, mas era terrível, e todos os dias eu tinha que elogiá-la umas três vezes, pois senão, ela já começava a dizer que estava feia. Mas depois de quase um ano aguentando-a, eu acabei terminando, ela ficou furiosa, disse que não podíamos terminar e tal, e eu lhe disse que não sentia mais nada por ela, acabou que eu perdi a namorada e a amiga.

- Você nunca mais falou com ela? - Me questiona Vi.

- Não. Ela acabou saindo do colégio, até tentei ligar, m****r mensagem, mas ela nunca retornou minhas ligações, nem me respondeu. - Falo.

Henrique entrou no quarto todo simpático, oferendo algo pra gente comer. Odiava o cinismo dele. Homem falso, dissimulado, que se fazia de bonzinho na frente dos outros, mas pra família ele não estava nem aí, a não ser pro Noah, que era o preferido dele.

- Obrigado, tio, mas eu estou bem. - Diz Vi.

- Eu também, papai. - Falo soando tão falso quanto a cara dele.

Henrique me olhou como se não tivesse gostado do que eu falara, e se pôs a sair de meu quarto para minha alegria, pois a presença dele me trazia más vibrações, e só o fato da gente respirar o mesmo ar já me irritava.

Vincenzo achava que meu pai havia mudado, pelo menos, foi o que eu havia dito pra ele, um pouco por medo dele contar a verdade, e um pouco por vergonha, e acho que ele havia acreditado em mim, mas Vi ainda tinha um pé atrás com meu pai.

Nos arrumamos para dormir e para minha surpresa, Vi tranca a porta.

- Por que você fez isso? - Lhe questiono sem entender.

- Ah, só pra não ter risco de vir alguém nos incomodar.

Vi, no entanto, se deita em minha cama ao meu lado. Ficamos nos olhando por alguns segundos em silêncio, eis que ele fala:

- Sabe, as vezes eu lembro de quando éramos crianças e bate uma saudade daquele tempo.

- Também sinto saudade. - Falo meio sem jeito.

- Não conta pros seus irmãos, mas você sempre foi o meu primo preferido. - Ele diz fazendo meu coração acelerar.

Olho para ele, Vi está a me olhar também, meu coração começa a bater mais forte do que tambor de escola de samba, e torço para que Vi não escute. A gente fica flertando por alguns segundos, não entendo direito o que está se passando, penso que talvez Vi também não tenha me esquecido, e ainda guarde algum sentimento por mim, mas acho que não é bem isso o que acontece com ele, ou vai saber...

- Você também sempre foi meu primo preferido. - Falo.

- Mike, eu sou seu único primo. - Ele diz meio irônico.

Rio apenas e voltamos a ficar em silêncio. Ele me olha e não diz nada, eu faço o mesmo. Estou nervoso demais, para pensar em qualquer outra coisa. Eis, que Vincenzo me dá um beijo no rosto fazendo meu corpo todo estremecer.

- Vi...

- Quê? - Ele pergunta ao se aproximar de mim.

Nos olhamos e eu não digo nada, tampouco ele. Vincenzo começa a acariciar lentamente o meu rosto e eu faço o mesmo nele. Desejo muito beijá-lo, olho para aqueles lábios carnudos, e quero eles colados nos meus, mas fico ali imóvel, com medo de fazer algo e Vi acabar ficando chateado comigo.

Vincenzo se aproxima mais de mim, sinto como se meu coração fosse sair pela boca, mas torço para ele ficar quietinho em meu peito. Então, Vi me dá um selinho. Não recuso, nem me afasto, tampouco o evito.

- Vi... - Digo o repreendendo.

- Você quer ou não? - Ele me pergunta.

Penso em dizer que não por medo que alguém descobrisse, que meus pais ficassem sabendo, mas minha mãe sempre me disse que temos que seguir o nosso coração, que temos que fazer o que é melhor pra gente, aquilo que nos faz feliz.

- Quero. - Respondo por fim.

Ele me beija e eu retribuo o beijo. Nossa, quatro anos esperando para beijar Vi novamente, e querem saber? Valeu a pena esperar tanto tempo, e se desse, eu esperaria mais quatro, oito, doze anos, pois valeu a pena, e como valeu... Morro de medo de alguém bater à porta, mas a sensação de beijar Vincenzo é maior do que o medo, e eu apenas me entrego àquele beijo.

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