“José Miguel”
Desde aquele episódio em que eu havia dormido fora, eu passei a tomar o café da manhã na cafeteria perto do escritório. As manhãs com a Carmem me deixavam estressado, irritado, de modo que eu preferia evitar os encontros matinais.
Eu jantava com ela todas as noites e escutava a sua ladainha e as suas reclamações, geralmente cobranças por eu estar esquecendo a família e nunca ter tempo. Todos os dias havia algum tipo de reclamação, ela não se cansava. Eu apenas ouvia tudo o que ela tinha a dizer e depois me trancava no escritório de casa. Por mais que eu tivesse que aguentar, viver com a Carmem estava se tornando muito difícil!
E os dias iam passando do mesmo jeito, chatos, enfadonhos, estressantes. Já tinha se passado vários dias desde o meu deslize com a aquela estranha na boate e eu ainda me sentia mal por aquilo, eu queria esquecer aquela noite, mas o Matheus insistia que deveríamos voltar lá. Ele parecia não entender a minha situação.
- Vamos, cara, não faz isso comigo! Só mais uma vez, o lugar é ótimo. – O Matheus estava ao telefone e repetiu uma vez mais.
- Já disse que não, Matheus. Aquilo foi um erro e você sabe! Você sabe que eu não posso. – Eu repeti para convencê-lo, mas ele nunca se convenceria.
- Não seja antiquado, José Miguel! – Ele me recriminou, sabia exatamente do que eu estava falando e se fazia de sonso.
- Matheus, eu preciso ir, tenho muito trabalho. – Eu falei e ele riu.
- Quando a sua nova assessora começa? – Ele perguntou, estava sempre querendo saber de tudo.
- Hoje, já deve estar chegando. – Eu confirmei e ele riu.
- Você entrevistou mesmo a mulher por telefone? – Ele debochou.
- Cara, já te falei, foi indicação da assistente do Martinez, aquela mulher não erra, se ela me disse que essa serviria para o cargo é porque serve, não tinha muito o que perguntar. – Eu expliquei de novo.
- Sei e essa é mais uma senhora muito bem casada e que não vai dar em cima do chefe, o sério e respeitável diretor financeiro da Lince Mundi Tech? – Ele deu uma gargalhada debochada.
- Matheus, tudo pra você é piada? – Eu o repreendi e ele riu mais. – Não, ela é jovem e solteira, mas eu estou torcendo para que tenha um namorado, aliás, de preferência, uma namorada!
- Essa semana eu passo para conhecer a sua assessora! – Ele deu uma gargalhada e encerrou a chamada.
- É um palhaço! E eu aqui, cheio de trabalho e ainda perdendo o meu tempo com esse paspalho! – Eu falei para mim mesmo e olhei a minha mesa cheia de papéis, recados e lembretes. Por onde eu deveria começar?
Ser diretor financeiro de uma das maiores empresas de tecnologia do mercado era um trabalho estressante e eu andava bastante sobrecarregado, desde que demiti a minha última assessora meses atrás. Eu andava desesperado para encontrar alguém para substituí-la e então a Melissa, assistente do diretor executivo da empresa, me indicou alguém e pelas informações no currículo a candidata era boa, embora mudasse muito de emprego, então eu fiz uma entrevista rápida por telefone e contratei a moça. Eu tinha pressa! Mas agora, depois de falar com o Matheus, eu já não estava tão certo, talvez eu devesse ter feito uma entrevista presencial.
- Rossi, aqui estão as cópias que você pediu e a senhorita Eva Sanchez chegou. – Sara, a minha secretária, entrou em minha sala e colocou os papéis sobre a mesa. Eu gostava da Sara, uma mulher firme, bem casada e que não perdia tempo com bobagens.
- Mande-a entrar. – Eu pedi sem tirar os olhos dos papéis sobre a minha mesa.
A Sara demorou um segundo mais que o habitual me olhando, então, como se tivesse pensado em dizer alguma coisa e desistido, ela deu as costas e se retirou. Eu me virei para olhar para o computador, estava muito atrasado com meu trabalho.
- Com licença, Sr. Rossi! – A voz suave atravessou a sala e tirou a minha atenção do que eu estava fazendo.
Eu olhei para a mulher que acabava de fechar a porta e se virava, leve e confiante, sapatos de salto pretos, tornozelos finos, pernas longas, uma saia quase vinho sobre os joelhos e uma camisa de seda pérola, que mostravam a ondulação do seu corpo atlético. O cabelo meio preso caía até o meio das costas, negro como a noite. Era uma mulher linda!
E meus olhos chegaram ao seu rosto marcante, com o nariz reto e delicado, um maxilar bem definido e com aqueles olhos grandes e expressivos, castanhos como grãos de café, combinando tão bem com a sua pele clara, mas foi a sua boca de lábios cheios que prendeu a minha atenção. Aquela boca! Era a boca na qual eu tinha me perdido na boate, que me fez esquecer os meus compromissos e as minhas promessas, era aquela mulher, a estranha que passou a noite comigo! E eu só consegui pensar: mas que grande merda!
- O que você pensa que está fazendo aqui? – Eu me levantei completamente irritado, bati os meus punhos na mesa e tive que me controlar para não elevar mais o tom da minha voz. – Você está louca? Resolveu me perseguir?
- Não acredito! - Ela estava estacada perto da porta, sem se mover.
- Quem não acredita sou eu! – Eu dei a volta na mesa e fui em direção a ela. – Que tipo de louca você é que resolve aparecer do nada para infernizar a minha vida? Como você conseguiu me encontrar? Não, melhor ainda, como você conseguiu encontrar a Melissa e convencê-la a me entregar o seu currículo?
- Ah, pode parar por aí! – Ela se moveu e veio em minha direção, parando bem na minha frente, no meio da minha sala. – Você pensa que é o quê? O último copo de água gelada do deserto? Menos, queridinho, bem menos, quase nada! Você não é tudo isso que pensa que é!
- Ah, não?! – Eu dei uma risada seca. – Então me diz, queridinha, o que você está fazendo aqui? Se não está me perseguindo como uma lunática, o que você está fazendo aqui?
- Me diz você! É bem provável que foi você quem resolveu me perseguir, afinal, foi você quem me ligou e me contratou. Ou você não é o Sr. Rossi? – Ela empinou o nariz em desafio para mim.
- Ô garota, eu te contratei porque você foi indicada por uma pessoa que eu considero muito competente! Eu só quero saber como você chegou até a Melissa, logo ela que é tão criteriosa, me diz, como você a convenceu a me entregar o seu currículo? – Eu reclamei e ela bufou.
- Eu não cheguei até a Melissa, foi ela quem chegou a mim! – Ela falou de repente, sem se intimidar.
- O que você quer dizer com isso? – Eu perguntei e ela deu uma risada sarcástica.
- Pergunta pra ela! – Ela me respondeu, seus olhos me encarando com pura irritação. – Ah, quer saber, eu estou aqui porque um idiota, chamado José Miguel Rossi, resolveu me entrevistar por telefone e me contratou! Eu nunca vi ninguém ser entrevistado por telefone! – Ela me respondeu toda cheia de si.
- Ah, claro, porque a senhorita entende muito de entrevistas de emprego, já que teve cinco empregos diferentes no último ano! – Eu a encarei e ela ficou muda em minha frente, mas os seus olhos diziam tudo, ela estava com raiva.
- É, e pelo visto esse não vai ser o sexto! – Ela se virou irritada, foi em direção a porta com passos firmes e saiu sem hesitar, batendo a porta atrás de si.
Eu a observei me dar as costas e sair, estupefato, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer. E se tivesse tudo sido mero acaso? E se eu estivesse sendo mesmo um idiota? Ela pareceu mesmo ofendida.
E quando eu consegui reagir eu levei as mãos ao rosto, tentando limpar os meus pensamentos e ter uma solução para a situação desconfortável e difícil de resolver que eu tinha em minhas mãos, mas qualquer coisa que eu pensava só me mostrava um cenário em que poderia piorar o problema e aquilo seria uma grande catástrofe de qualquer jeito. E aí eu já não sabia se deveria ir atrás daquela maníaca perseguidora.