Meu erro

Tempos atuais...

Naquela noite Gabe e Olívia estavam dando uma festa beneficente na Clifford. Só havia a “nata da sociedade” no evento. E claro que Gabe se recusou a convidar meu namorado, sob a alegação de sempre: “Não gosto dele”. E eu sabia que nem adiantava perguntar o motivo, porque ele simplesmente diria “Porque não gosto e pronto.” Minha irmã, por sua vez, ficaria ao lado do marido, vindo com aquela história dela de que “Sou intuitiva e algo nele não me agrada”.

Caralho! Eles nunca deram uma chance ao garoto, nem mesmo com Jorel intercedendo a meu favor.

Falando em Jorel... Fiquei esperando-o ansiosamente, já que precisava de conselhos urgentes.

Já fazia três dias que eu tentava falar com ele. Quando ligava ele não atendia, quando mandava mensagens visualizava e simplesmente me ignorava.

Assim que o vi entrando no evento, com seu smoking preto e os cabelos ajeitados, o que raramente acontecia, fiquei surpresa. Parecia que enfim o irmão rejeitado estava tomando jeito. Enquanto eu, a caçula problemática, seguia sendo vista por todos como uma criança com superpoderes, mesmo depois de ter descoberto a porra toda que estava por trás das armações contra Gabe e Olívia.

Fui imediatamente até Jorel e perguntei discretamente, enquanto ele ainda pousava para as câmeras:

- Por que me ignorou por três dias? Sim, nem um, nem dois... Três dias!

- Estou posando para a imprensa, aprendiz de adolescente! – Sorriu discretamente, sussurrando para não ser ouvido por ninguém.

- Não pode simplesmente ignorar a minha existência.

- Sim, eu posso! Resolva sua carência afetiva com seu namorado. Sou seu sócio e não uma máquina de conselhos amorosos e sexuais. – Sorriu para as câmeras de forma discreta, em seguida pegando-me pelo braço e me levando para um lugar mais reservado, num canto – Não pode me ocupar 24 horas por dia. Não sou sua babá.

- Seu mal agradecido.

- O que houve, aprendiz de adolescente? – perguntou, sequer me olhando, enquanto pegava uma taça de espumante que o garçom levava na bandeja enquanto passava.

Antes que ele bebesse, peguei de sua mão e sorvi todo o líquido da taça:

- Você não pode beber, seu idiota.

- É só a porra de um espumante!

- Como uma garrafa de vinho para um alcóolatra.

- Eu não sou um alcóolatra.

- Óbvio que não! Assim como nunca jogou, usou drogas ou dormiu com vagabundas.

- Boca suja!

- Então, como eu estava dizendo, mandei alguns nudes para o Kay... E ele me ignorou.

- Queria que ele dissesse o que?

- Que... Gostou?

- São nudes. Todo mundo manda nudes, porra!

- Eu nunca mandei. Foi minha primeira vez!

- Para tudo tem uma primeira vez. Verá que a partir de agora mandará nudes o tempo todo. E vida que segue, bebê!

Suspirei:

 - Jorel, a última coisa que ele digitou foi... “Deixa eu pensar”. E depois disto desapareceu feito fumaça.

- Ligue para ele. É o seu namorado, porra!

- Estou tentando me segurar. E sabe o quanto isto é difícil para mim! Por favor, me ajuda.

- Quer que eu faça o que? Que mande fotos do meu pau para ele?

- Idiota! Eu só queria que você dissesse: “Claro que ele gostou das suas fotos. E não deve ter se comunicado com você depois disto porque algo muito horrível aconteceu. Tipo... Ele perdeu o avô, que era tão importante na sua vida”.

- Claro que ele gostou das suas fotos. E não deve ter se comunicado com você depois disto porque algo muito horrível aconteceu. Tipo... Ele perdeu o avô, que era tão importante na sua vida.

- Você... Repetiu o que eu disse?

- Foi o que você disse que gostaria que eu falasse.

- E... Se ele fizer alguma coisa com as minhas fotos?

- Ninguém vai saber que seus peitos ou boceta são seus, bebê.

- Como não?

- Porque certamente você não botou sua carinha linda na foto, não é mesmo?

Senti minhas bochechas queimarem imediatamente. Antes que eu respondesse, Jorel virou-se de costas para mim, olhando a mulher que entrava na festa. Como eu estava sempre na internet, eu a conhecia melhor que minha própria irmã, com quem eu morava e convivia diariamente. Isadora Fonseca, a socialite/blogueira/pistoleira mais conhecida que Wi-Fi público em aeroporto, e com a mesma taxa de vulnerabilidade.

Sério que Jorel chegou a suspirar quando ela deslizou pelo piso como se fosse uma passarela?

A desgraçada era tão bonita e brilhava mais que um LED RGB... pena que era só estética e não processava nada além de likes.

- Irei casar com esta mulher! – Jorel suspirou – Se anjos existem, ela é a prova viva disto!

- Ela é tão deslumbrante quanto um blue screen... E igualmente útil. – Não contive um sorrisinho irônico.

- Isto se chama “inveja”.

- O valor dos sapatos que ela usa dá para alimentar uma vila inteira da África.

Ele olhou para os meus pés:

- Pelo menos ela não usa um All Star numa festa onde as pessoas mais ricas do país foram convidadas, com o intuito de provar que “não é do mesmo nível”, sendo que come caviar e dorme em lençóis de seda.

Estreitei os olhos, confusa. De onde ele tirou aquele humor sarcástico?

- Seu cérebro virou um chat GPT?

- Por quê?

- Treinado para fingir que tem opinião.

- Recalcada.

- Sabe a fama da sua “futura esposa”? Tá no ranking Top 10 de sistemas que eu poderia invadir de olhos fechados... mas nem perderia meu tempo, porque os dados já vazam sozinhos.

Ele me encarou:

- Comeu cobra no almoço?

- Por quê?

- Está vomitando veneno! – Piscou e riu, saindo, indo diretamente para onde estava Isadora Fonseca.

- Caralho, eu precisava de você, Jorel! Bastava me dizer... Que Kay gostou dos nudes... E... Não vai usá-los contra mim! – Falei para mim mesma, como se ele ainda estivesse ali.

Suspirei, lembrando da parte que Jorel falou que nudes era algo bem comum. Então tentei pensar que eu não era a primeira que mandava. E... Nem seria a última.

Eram nudes... Simples nudes!

- Precisava vir de tênis? – Ouvi a voz de Gabe ao meu lado, de forma discreta, olhando para as pessoas como se eu fosse uma parede.

- Eu não sei andar de salto, porra!

- Deve haver solução para isto! Por que não pediu ajuda de Chuchu?

- Talvez ela me convencesse a usar um All Star rosa de glitter. – Pisquei.

- Como eu já disse, não há sentido em você, uma garota tão inteligente, bancar a “rebelde sem causa”.

- Em vez de falar de mim, deveria ficar ligado no seu irmão, que está dizendo por aí que vai casar com Isadora Fonseca.

- E ela difere de que do seu namoradinho?

- Você não tem direito de julgar Kay só porque ele não pertence ao nosso mesmo nível social.

- Nunca o julguei por isto.

- Qual o problema com ele então, Gabe?

- Um garoto de 19 anos que quer casar a todo custo tem sérios problemas.

- E quem não tem? E eu estou casada, por acaso?

- Só não está casada porque tem uma cabecinha pensante, minha superdotada. – Ele tocou minha cabeça e sorriu – Divirta-se e cuide para Jorel não beber.

- Não sou babá dele.

- Engraçado é que ele diz isto de você. – Ele estreitou os olhos e saiu rindo.

Caralho, Isadora Fonseca estava rindo com Jorel. E parecia estar se divertindo! Quem, em sã consciência, se divertia ao lado de Jorel?

Eu... Eu me divertia ao lado dele. Poderia chamar Jorel de tudo, menos de sem graça. Porque ele era sim engraçado... E divertido. E um “abandonador” de garotas superdotadas que usavam All Star e enviavam nudes para os namorados.

Eu era invisível aos olhos dos outros. Sim, eu era aquela pessoa que conserta o que você nem sabe que está quebrado. A que decifra os segredos do universo digital entre uma xícara de café e um ataque existencial. Meu habitat natural? O limbo entre o online e o offline, onde a maioria das pessoas só entra para postar fotos de como foi seu dia.

Ninguém esperava de mim sorrisinhos ou modinhas fofas. Minha linguagem de programação favorita era o sarcasmo e meu runtime emocional tinha mais bugs do que um Windows 98.

Enquanto as garotas da minha idade iam a festas e se divertiam, eu fazia conceitos e designs, programação, arte e assets, designs e balanceamento, testes e bugs de jogos de videogame. Jorel ficava com a parte de lançamento e Marketing, o “drama final”.

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