(Ponto de Vista de Sarah)
Ao contrário dos contos de fadas, nos quais tudo parece ser arco-íris e purpurina, a vida real se mostrava repleta de nuances, já que a realidade apresentava não só luz, como também sombras.
Eu costumava acreditar que tudo teria sempre um final feliz. Talvez fosse porque, ao crescer, eu fosse ingênua demais, e de fato, sempre achei que minha vida se pareceria com uma história encantada, ou pelo menos, tinha esperança de que um dia melhoraria.
Minha mãe, Sophia, faleceu quando eu tinha apenas cinco anos. Consequentemente, alguns anos depois, meu pai, Neil Darrell, começou a namorar Lisa. Assim, Lisa e sua filha, Chloe, se mudaram para nossa casa.
A princípio, Lisa se mostrava amável, porém, após o casamento com meu pai, foi deixando transparecer facetas cada vez mais obscuras.
Mesmo que Chloe e eu tivéssemos a mesma idade, Lisa fazia questão de garantir que ela recebesse toda a atenção, tanto dela quanto do meu pai.
Após alguns meses, percebi como meu pai começou a me ignorar, mergulhado naquela nova família "perfeita". E com o tempo, tornei-me apenas um peso extra, uma presença indesejada naquela casa.
Meu único refúgio de felicidade ficava com meus avós maternos, que moravam na Itália. Portanto, sempre fazíamos de tudo para dar um jeito de estar juntos, com eles vindo me visitar ou eu indo até eles. Além deles, só amei duas outras pessoas no mundo como se fossem minha família: meus melhores amigos de infância, Jessica Martin e Adrian Parker. Nós três éramos inseparáveis até o dia em que Adrian se mudou para um internato em Londres.
Jessica e eu continuamos próximas e mantínhamos contato com Adrian todos os fins de semana. Contudo, assim que entrei no ensino médio, Jessica começou a me evitar, preferindo passar o tempo com Chloe. Pouco tempo depois, elas se tornaram melhores amigas, e até Adrian parou de responder às minhas mensagens e chamadas.
Com o passar do tempo, todos ao meu redor pareciam me comparar a Chloe ou a outras garotas. E Lisa, por algum motivo, vivia criticando minha aparência e minhas roupas, além de garantir que os outros me tratassem da mesma forma… Até meu pai começou a me enxergar como uma vergonha.
Embora eu tenha aguentado todos os insultos, os abusos e o desprezo, eventualmente percebi que continuar suportando tudo aquilo só os deixava mais fortes.
Desde pequenas, ouvimos histórias sobre donzelas indefesas à espera de resgate. No entanto, à medida que cresci, entendi que não precisava de um Príncipe Encantado para me salvar, pois a única pessoa capaz de me resgatar era eu mesma. Assim, percebi que precisava me tornar uma mulher forte e independente, lutando pelas minhas próprias batalhas.
Desse modo, assim que finalizei o ensino médio, minha mente já estava decidida quanto ao futuro e aos objetivos que desejava alcançar: Estudei com afinco para entrar em uma universidade de prestígio, e todo o esforço valeu a pena quando fui aceita em Harvard com uma bolsa integral.
Mudar-me de Nova York para Boston foi uma experiência completamente nova, já que pela primeira vez, eu estava escapando do inferno que era minha casa e minha vida anterior.
Diferente de tudo o que eu conhecia, em Boston ninguém se importava com minha aparência ou com as roupas que eu usava, e isso tornava claro que queriam estar perto de mim por quem eu realmente era.
Logo, a vida universitária me proporcionou vivências inéditas, ajudando-me a descobrir minha verdadeira essência. Durante o dia, me dedicava aos estudos e, à noite, trabalhava meio período para cobrir meus próprios gastos.
Assim, cinco anos se passaram, durante os quais conquistei dois mestrados: um em engenharia e outro em administração. E na manhã seguinte, partiria de Boston para retornar a Nova York, depois de quase meia década distante.
Ao longo desses anos, ninguém da minha família, nem mesmo Jessica ou Adrian, buscou qualquer contato comigo. Apenas meu avô ofereceu ajuda financeira, embora eu mal tivesse tocado naquele dinheiro.
Enquanto organizava meus pertences e me preparava para o aeroporto, prendi o cabelo em um rabo de cavalo e encarei meu reflexo no espelho.
Naquele momento, meus cabelos castanhos alcançavam a cintura, contrastando com os tempos do ensino médio, quando eu costumava deixá-los curtos.
Com traços suaves e praticamente sem maquiagem, meu rosto arredondado transmitia simplicidade, e os óculos, já deixados no passado, davam lugar aos meus olhos cor de avelã, que se destacavam sob os cílios espessos realçados por um rímel impecável.
Quando cheguei a Boston, mal sabia lidar com maquiagem, porém, com o tempo, aprendi a me cuidar, especialmente por causa de Ester Caswell, minha colega de quarto e verdadeiro pilar ao longo desses cinco anos, a irmã que eu jamais tivera.
Na época que adentrei no local, meu corpo se encontrava pálido e magro, resultado direto da escassez de comida em casa, onde as refeições consistiam apenas em sobras.
No entanto, durante o período universitário, voltei minha atenção para os estudos, a carreira e os cuidados com a saúde. Assim, com meus 1,68 m, alcancei uma forma física que não era nem magra demais nem robusta. E, apesar de algumas inseguranças persistirem, Ester nunca deixava de me lembrar que tudo em mim estava em equilíbrio, e que minhas curvas eram bem distribuídas.
No que dizia respeito a ela, estava passando aquela semana na casa dos pais, embora a mudança para Nova York também estivesse prestes a acontecer.
Depois de lançar um último olhar no espelho, peguei meus pertences e chamei um táxi. Logo, estava a caminho do aeroporto, torcendo para que tudo desse certo.
-
Mal sabia eu que essa viagem de volta para Nova York estava prestes a virar minha vida de cabeça para baixo.