Gabriela colocou uma mochila cheia de coisas nas costas e foi embora.
Guilherme não foi atrás dela, e Gabriela também não esperava que ele fosse. Com Giovana ao lado, Guilherme nunca conseguia enxergar mais ninguém.
Quando Gabriela terminou de vender suas coisas, já era noite.
Naquele Dia de Reis, todas as casas estavam em festa, com muita alegria.
Gabriela não queria se sentir miserável, então resolveu ir a um bar que sempre ela teve vontade de conhecer, mas nunca tinha ido.
O lugar tinha um estilo bem artístico, algo que Gabriela já tinha comentado com Guilherme. Ele, por sua vez, sempre dizia que esse tipo de lugar era “coisa de gente estranha”.
Gabriela entrou no bar. Diferente de outros lugares barulhentos, ali o ambiente era intimista, com uma música suave criando um clima acolhedor.
Gabriela escolheu um canto discreto, se acomodou, e mal tinha sentado quando viu o apresentador subir ao palco, bater no microfone e pedir silêncio:
— Hoje, nesse dia tão especial, temos uma convidada especialíssima. Vamos receber com uma salva de palmas!
Sob aplausos calorosos, uma pessoa saiu de trás da cortina. Era um rosto que Gabriela conhecia muito bem.
Giovana, com um sorriso delicado, olhou ao redor. Ao ver Gabriela, ela se surpreendeu por um instante, mas logo abriu um sorriso ainda mais radiante, pegou o microfone e falou:
— Olá, gente, eu sou a Giovana. Um ano atrás, eu era cantora deste bar. E foi aqui que eu conheci o amor da minha vida.
Giovana olhou para Guilherme. A luz seguiu o olhar dela até ele.
Um no palco, outro na plateia, trocaram olhares como se fossem um casal apaixonado, predestinados um ao outro.
O público começou a gritar, animado, e o apresentador chamou Guilherme para subir ao palco.
Rafael bateu palmas, empurrando Guilherme para frente.
Guilherme, conhecido por ser sempre sério, dessa vez ficou até um pouco envergonhado, e suas bochechas coraram.
Gabriela ficou quieta num canto, de braços cruzados, observando a cena. Ela, que era a esposa legítima de Guilherme, naquele momento parecia apenas uma espectadora anônima testemunhando a felicidade dele.
— Guilherme, obrigada por ter me ajudado aquele dia. Meu coração nunca mudou desde então.
Os olhos de Giovana brilharam, como se estivesse prestes a chorar. Guilherme, tomado pela emoção, limpou as lágrimas do canto dos olhos dela.
— Beija! Beija!
— Beija! Beija!
O coro da plateia só aumentava.
Giovana lançou um olhar triunfante para Gabriela. Justo naquele dia especial, o marido de Gabriela e até o filho estavam ali, e, em público, ele não rejeitava nem desmentia o carinho de outra mulher.
Sem graça.
Gabriela abaixou os olhos e virou de uma vez o copo de bebida. Enquanto todos celebravam o amor no palco, ela se levantou discretamente.
No palco, Guilherme olhou para Giovana, idêntica à mulher idealizada em sua memória, mas, do nada, ele lembrou do olhar de desprezo que Gabriela lhe lançara naquela manhã. No momento em que ele ficou distraído, viu de relance uma silhueta conhecida.
“Gabriela? O que ela está fazendo aqui? Eu já disse mil vezes para ela não vir nesse tipo de lugar.” Pensou Guilherme.
Enquanto ele pensava nisso, Guilherme percebeu um homem suspeito seguindo Gabriela. Sem hesitar, ele desceu do palco e saiu correndo atrás dela.
Giovana ainda estava se deliciando com a sensação de vingança e com todos os olhares do salão. Ela tinha certeza de que, dessa vez, conquistaria Guilherme de vez. Mas ele não reagiu, não disse nada, nem um gesto, e ela percebeu que ele hesitava.
Quando Giovana tentou puxá-lo de volta, Guilherme já tinha descido do palco sem dizer uma palavra, correndo para fora.
Ele queria ir atrás de Gabriela? Por quê?
Tomada pela raiva, Giovana saiu correndo atrás dele.
O público ficou em choque, sem entender o que estava acontecendo.
A brisa da noite ainda estava um pouco fria. Gabriela apertou o colarinho do casaco, tentando se aquecer. O vinho que ela tinha acabado de tomar deixava o estômago queimando. Ela não sabia se era por nunca ter bebido antes, mas sua cabeça estava girando e, depois de poucos passos, tudo ao redor começou a rodar.
Ela parou e se encostou na parede para se recompor.
Um homem desconhecido se aproximou e disse:
— E aí, gata, sozinha por aqui?
Gabriela ficou imediatamente alerta e se afastou um pouco. O sujeito usava boné, o rosto escondido na sombra, e ele de repente tentou agarrá-la.
Ela lutou com todas as forças, mas o homem era incrivelmente forte.
— Gabriela!
Guilherme apareceu e gritou seu nome.
Naquele momento, Gabriela esqueceu qualquer orgulho ou ressentimento, e gritou desesperada:
— Guilherme! Me ajuda, por favor!
O agressor se assustou, hesitando por um momento.
Logo atrás de Guilherme, outra pessoa saiu correndo. De repente, um grito cortou o ar e alguém caiu no chão. Giovana segurava o tornozelo, chorando com dramaticidade:
— Guilherme, meu pé... Acho que torci!
— Pai! A tia Giovana se machucou! Leva ela pro hospital, rápido! — Rafael gritou aflito.
O agressor, percebendo a distração, voltou a apertar o braço de Gabriela com ainda mais força, lançando um olhar desafiador para Guilherme.
Qualquer pessoa com o mínimo de bom senso saberia qual situação deveria ser prioridade.
Gabriela olhou fixamente para Guilherme, esperando sua reação. Ele ficou visivelmente dividido, hesitou por alguns segundos, mas acabou voltando para pegar Giovana no colo. Antes de sair, ele ainda olhou para trás e gritou:
— Fica calma, Gabriela! Eu vou chamar a polícia pra você!
Rafael reclamou alto, cheio de raiva:
— Ela é mesmo uma bruxa, pai! Por que você ainda se preocupa com ela?
Os três desapareceram na escuridão da noite.
Gabriela ficou parada, completamente incrédula.