O dia seguinte amanheceu promissor, o céu limpo e o ar carregado de um calor ameno que parecia convidar à estrada. Após o almoço, Duncan selou o cavalo sem dizer para onde ia e saiu montado com a tranquilidade meticulosa de quem carrega um plano completo na cabeça. Melody o observou partir da varanda, o vulto dele se afastando na trilha até sumir na poeira dourada que o sol projetava.Ida comentou, sem levantar os olhos do pano de prato que torcia:— Foi buscar Bill.Melody não sabia quem era Bill, mas pelo jeito de Ida, ele era importante. A mulher parecia mais aliviada por saber que o cozinheiro estava a caminho do que pela partida antecipada em si.Quando o sol já começava a tombar no horizonte, Duncan voltou. Exausto, empoeirado, com a barba por fazer e alguns embrulhos amarrados na cela. Desceu do cavalo sem pressa, mas com o corpo inteiro denunciando o cansaço. Jantou em silêncio, deu um beijo rápido em Rose e foi dormir cedo, sem mencionar o conteúdo dos pacotes.No final da ta
O sol ainda nem pensava em nascer quando a cozinha da casa grande já fervia de movimento. Ida, com a destreza de quem comandava batalhões famintos, preparava um bule de café do tamanho de um pequeno barril. O aroma forte preenchia cada canto, misturado ao cheiro de couro, poeira e expectativa.Doze homens se espremiam ao redor da mesa maciça: Bill, Billy, Cal e mais nove contratados vindos das redondezas. Homens duros, de fala pouca e olhos treinados para o trabalho pesado. As canecas de café, cheias quase até a borda, o bule passava de mão em mão, enquanto Duncan, em pé à cabeceira, dava as últimas ordens.Melody, escondida no próprio quarto, ouvia cada palavra através da porta entreaberta. O coração batia forte no peito, como se quisesse acompanhar o ritmo da partida.Duncan falava com a voz baixa, mas firme:— Cal e Tom vão na frente. Vocês abrem caminho e mantêm o gado alinhado. Nada de correr demais, não vamos perder cabeça por pressa.Dois homens assentiram. Cal, o de sempre, e
O sol recém-erguido dourava a terra seca, e a boiada já se movia em ritmo moroso, como um rio marrom de corpos vivos. Cada passo dos animais levantava uma poeira fina que flutuava no ar, turvando o horizonte como uma cortina de névoa dourada. Mesmo avançando devagar, o peso combinado do gado fazia a terra estremecer sob as rodas do carroção de apoio.Bill mantinha as rédeas frouxas nas mãos calejadas, os olhos semicerrados contra a poeira. Melody, sentada ao seu lado, puxava o lenço sobre o rosto, ainda tentando se acostumar com o cheiro forte de terra, couro e suor. Havia uma beleza brutal naquele cenário: a marcha constante, a paciência imposta pelo calor, o zumbido das moscas acompanhando o movimento como um coral desafinado.— Devagar, moça — disse Bill, num tom que soava mais como uma filosofia de vida do que um aviso prático. — Se apressa esse bicho, ele perde peso. Gado magro não vale nada em Belmonte.Melody assentiu, absorvendo a lição. A cidade ainda era uma promessa distant
O carroção gemeu sob o peso dos suprimentos enquanto Bill puxava as rédeas até o local indicado por Duncan. Uma pequena clareira de terra batida, com um fio de água lambendo as pedras a alguns metros de distância. O som tímido do arroio parecia zombar da sede que a poeira havia deixado nas gargantas.Bill esticou as costas, soltando um estalo alto.— Hora do batente, Srta. Thorne — disse, descendo com a agilidade de quem já carregara carroções a vida toda. — Esses pobres coitados vão chegar famintos como lobos.Sem esperar resposta, Bill começou a desamarrar os fardos no carroção. Melody hesitou apenas um segundo, então prendeu o cabelo em um coque desajeitado e arregaçou as mangas da blusa.Ela ajeitou a saia, ajustando também a calça que usava por baixo — peças que haviam pertencido a Esperanza. Não sentia mais qualquer escrúpulo quanto a isso. Tinha roupas boas agora, roupas que aguentavam a poeira, o sol e a marcha pesada. E isso era bom. Era prático. Era vida real.Puxou a barra
A refeição tinha sido farta e rápida, mas Melody não conseguia relaxar. Sentada na boleia do carroção, fingia observar o movimento dos vaqueiros ao redor da fogueira, quando, na verdade, mal conseguia se concentrar.A necessidade física começava a se tornar desesperadora.Mordeu o lábio inferior, torcendo as mãos no colo, tentando encontrar coragem para pedir a Bill que a acompanhasse para longe da luz. Não era seguro sair sozinha no escuro, e era ainda menos seguro aguentar por muito mais tempo.Ela ajeitou a saia inquieta, olhou para os lados, medindo a distância até a margem das árvores.Foi quando ouviu passos firmes.Duncan surgiu do nada, como se a tivesse lido de longe. Não disse nada de imediato. Apenas parou ao lado dela, os olhos verdes piscando à luz fraca da fogueira.— Me acompanhe — disse ele, seco como sempre.Antes mesmo que o cérebro de Melody processasse o pedido, o corpo já estava obedecendo. Desceu do carroção, tropeçando um pouco no próprio pé, mas recuperando o e
O clima havia virado durante a madrugada.Antes de se deitar, Melody havia encontrado um cobertor de algodão grosso cuidadosamente dobrado no carroção — um presente silencioso de Ida, pensado para o conforto dela naquelas noites duras.A lã áspera dos vaqueiros ficara para os homens; para a moça, havia algodão: mais leve, mais quente contra a pele cansada.Dormira encolhida sob o cobertor, abraçada a si mesma, enquanto Bill dormia sob o veículo, abrigado apenas pela madeira e pelo próprio corpo endurecido pelo tempo.O vento soprava cortante, trazendo o cheiro de mato gelado e de terra molhada. O fogo da fogueira havia minguado até virar um círculo pálido de brasas, lançando mais sombras do que luz.Meio acordada, meio adormecida, ela ouviu passos pesados e o ranger baixo da carroceria. Depois, a voz rouca de Bill, ainda embargada pelo frio:— Durma mais um pouco, senhorita... — resmungou do lado de fora. — Posso perfeitamente fazer um punhado de café sem a sua ajuda... Está um frio d
A noite caíra com uma lentidão doce sobre a marcha. O acampamento estava montado, o fogo crepitava no centro da clareira e o cheiro de carne assada se misturava à poeira quente da estrada. O ar era pesado de cansaço, mas também, de um modo raro, leve de tensão.Melody, encolhida no xale, estava sentada próxima ao carroção, observando o movimento dos homens com olhos atentos. Não de medo, nem de desconfiança — mas de uma cautela educada, daquelas que a vida impõe a quem sabe que o mundo é feito de surpresas nem sempre boas.Bill mexia no caldeirão, resmungando baixinho sobre "homem que reclama de carne macia". Billy, ansioso como sempre, equilibrava duas canecas de café preto como breu nas mãos e olhava na direção dela. A chama da fogueira dançava nos olhos dos homens, criando sombras compridas nas feições marcadas pelo sol e pela poeira.— Quer um pouco, senhorita? — ofereceu, corando até as orelhas, estendendo uma das canecas com um gesto meio desajeitado.Melody sorriu, aceitando co
O dia começara como tantos outros: o sol nascendo preguiçoso sobre a planície, o cheiro de poeira quente e gado no ar, a marcha ritmada dos cascos sobre a terra seca. Melody cavalgava um pouco atrás de Cal, o cavalo manso que Duncan lhe arranjara se movendo com paciência sob seu comando.Bill seguia ao lado do carroção, Billy e Peter guardavam as laterais da boiada. Duncan, como sempre, circulava, atento a cada movimento.O calor subia devagar, trazendo junto as moscas insistentes e o zunido abafado de um mundo inteiro feito de cansaço.Foi perto do meio da manhã que aconteceu.Um estalo surdo cortou o ar.O boi caiu de lado, urrando em dor. O som — agudo e desesperado — reverberou pela coluna.Instantaneamente, os peões se espalharam.Cal e Peter, com gestos largos e assobios firmes, começaram a afastar os animais mais próximos, conduzindo-os adiante com movimentos lentos, quase hipnóticos. Conor e Ralf fecharam as laterais, cantando baixinho, uma música arrastada e monótona que acal