Victor Hugo
- Esther disse que os senhores adoraram as comidas enviadas por mim ontem, eu realmente fico muito feliz por isso. Eu mesma fiz questão de selecionar uma por uma. - Ana comenta de forma entusiasmada e não consigo segurar meu olhar que para automáticamente na mulher que se vira nesse mesmo momento com uma xícara de café nas mãos.
- Ah, ela disse isso? - Continuo com meus olhos focados na mulher que demonstra tamanho nervosismo pelas mãos que tremem fazendo com que um baixo tintilhar da xícara no pires soe, e parece só piorar quando sorrio ironicamente. - Esther, não é? - Ela apenas assente com um movimento de cabeça, sem sequer pronunciar uma única palavra. - Fico feliz que tenha dado nosso feedback para a Ana, realmente estava tudo ótimo. - Volto a desdenhar, mas Ana não parece perceber pois quando volto minha atenção para ela o seu sorriso convencido continua do mesmo jeito. - Meu café, por favor. - Aponto para a xícara nas mãos da mulher que parece estática no lugar.
- Esther, você está surda? O café do Sr Ferraz vai esfriar desse jeito. - Ana a chama de uma maneira que mostra reprensão e a mulher parece finalmente conseguir se mover um pouco para frente, apenas o suficiente para que eu consiga alcançar a xícara de sua mão.
Passo alguns minutos ali escutando todas as vezes em que Ana tenta puxar algum assunto e tentando lhe responder o mais educadamente possível, por mais que as vezes fosse bem difícil, ainda mais pela maneira que a mulher sempre tentava se jogar para qualquer um dos sócios que fosse. Enquanto isso a outra ainda parecia um pouco em choque por ter sido pega em sua pequena mentira, fingia fazer várias coisas e fugia do meu olhar a todo momento.
- Obrigado. - A agradeço quando termino de beber todo meu café e ela sorri. Me viro e antes de caminhar de volta para perto dos elevadores e voltar para meu escritório paro apenas para olhar novamente no balcão em que ambas estavam. - Passe no meu escritório antes do seu horário de almoço. - Digo e Ana me olha sem entender e sua expressão fica ainda mais confusa quando aponto para a outra, que parece engolir em seco e não lhe dou tempo de falar nada quando volto a virar as costas e entro no elevador.
Já se passam algumas horas e tenho meus olhos focados na tela do computador em minha frente enquanto analiso vários gráficos feitos pela nossa parte financeira do balanço dos últimos meses.
Definitivamente a vida glamurosa que todos achavam o máximo que um CEO vivia nem sempre era lá essas coisas, ainda mais quando esse fazia questão de realmente trabalhar e estar sempre presente em todos os projetos da empresa e ter uma participação direta em cada um deles. Era óbvio que eu não poderia ser medíocre a ponto de reclamar ou falar que não vivia uma ótima vida, regada de luxos do qual eu podia muito bem bancar pelo resto da minha vida sem nenhum tipo de esforço, mas era cansativo carregar a enorme responsabilidade de gerar milhares de empregos e estar sempre atento para não cometer nenhum tipo mínimo de erro quanto se tratava disso, pois um único erro poderia prejudicar as várias famílias que sobreviviam através da existência da minha empresa.
Escuto os toques dados na porta e desvio meus olhos rapidamente apenas para pegar algumas folhas espalhadas em cima da mesa de madeira moderna que compunha meu escritório.
- Entra. - Indago tentando me concentrar em ler as primeiras linhas do papel e ergo minha cabeça quando vejo Diego entrando enquanto carrega uma enorme caixa nas mãos. - O que é isso? - Pergunto curioso pela dificuldade do homem em carregá-la.
- Olha só essa fofurinha, adotei agora mesmo. - Diz enquanto olha para dentro da caixa e me levanto abandonando todas as folhas de volta na mesa e olho para o mesmo lugar que ele, me deparando com vários filhotes de gatos lá dentro que arranhavam a lateral tentando uma fuga, eram pelo menos cinco. - Não são lindos? - Pergunta todo bobo sem desviar os olhos dos bichos.
- Onde você arrumou isso, criatura? - Pergunto incrédulo.
- Isso não, não chame meus filhos de isso. - Faz aspas com a mão. - Abandonaram na rua de trás e acabei parando pra ver o que era quando estava vindo pra cá. - Conta. - Quer adotar um? Eu já amo eles, mas definitivamente meu apartamento não vai caber todos os sete. - Leva a mão no queixo enquanto continua olhando para dentro da caixa.
- Sete? - Me engasgo com minha própria saliva. - Puta que pariu, Diego, você é maluco?
- Queria que eu fizesse o quê? Os deixasse lá a beira da morte, do frio, de um atropelamento ou até mesmo da maldade humana? - Dramatiza.
- Claro que não, mas são sete gatos. - O olho novamente ainda sem acreditar se realmente estou vendo e escutando certo. - sete gatos, cara.
- Sim, e é um mais lindinho que o outro, olha só. - Se abaixa na altura da caixa e pega dois filhotes na mão. Cada um totalmente diferente do outro, era literalmente várias cores sortidas de gatos, uns misturados e outros não. - E aí, vai me deixar ser pai solo mesmo? - Pergunta enquanto leva o nariz até um dos gatinhos e cheira ele.
- Vou, nem vem me meter nessas suas enrascadas. - Nego e caminho de volta até minha mesa e me sento na confortável poltrona atrás dela, o vendo guardar os bichinhos de volta na caixa com a maior delicadeza.
- Porra, Victor Hugo, vai me abandonar nessa mesmo? Vou te processar por não assumir sua paternidade. - Leva as mãos na cintura.
- Desde quando viramos um casal? Pior ainda, desde quando tivemos filhos? - Digo de forma zombeteira e o homem ri divertido.
- Desde hoje, vamos assumir logo isso juntos. - Faz um biquinho e não consigo segurar a risada alta que escapa. - Isso é um sim? - Pergunta esperançoso. - Não quero jogar os bichinhos na rua de novo, e provavelmente ninguém vai querer adotar os coitados, são tudo vira lata. - Volta a dizer como se fizesse uma análise.
- Tá bom, caralho. - Me rendo por todo seu drama. - Não posso ficar com nenhum deles, sabe que Barão não se acostuma com nenhum bicho em casa. - Digo e ele bufa.
- Aquele seu cachorro é um folgado e egocêntrico. - Debocha. - Vai me ajudar como então? - Pergunta.
- Para de falar do meu cachorrro, seu filho da puta. - O repreendo divertido. - Te ajudo a bancar mensalmente eles, sete gatos definitivamente não vai sair barato, fora que quando tiverem tempo suficiente tem que mandar castrar todos eles, ou sua casa logo irá virar uma gatil. - Contasto e ele assente concordando.
- Realmente, não tinha pensando nisso. - Leva a mão na cabeça e coça o lugar. - Ainda bem que eles tem um dos pais responsável e que pensa. - Sorri satisfeito. - Ah, e claro, que vai pagar pensão. - Ri se abaixando para pegar a caixa do chão. - Obrigado pela ajuda, e esperamos suas visitas todos os finais de semana. - Avisa caminhando até a porta. - Dê tchau para o papai, filhinhos. - Zomba e lhe mostro o dedo do meio.
- Some logo daqui. - Mando o vendo rir e assim que vai tentar abrir a porta enquanto sustenta a caixa ela é empurrada e um corpo passa por ela em um vulto e cai diretamente no chão.
- Miséricordia, senhor. - Diego indaga vendo a menina se levantar e tentar se recompor enquanto arruma o uniforme. - Eu não sabia que estava ali, desculpa. - Pede a olhando.
- Não tem problema, foi desatenção minha também que acabei me escorando um pouco na hora de bater nela. - Sorri sem graça e ele assente murmurando outro pedido de desculpa antes de sair. - O que o senhor quer comigo? - A garota pergunta de forma direta assim que a porta é novamente fechada.
- Primeiramente saber se você se machucou. - Digo e por um momento posso jurar que vejo um olhar desconfiado dela.
- Não, não me machuquei. - Afirma. - Pode me adiantar logo do que se trata o assunto, sinceramente estou com muita fome e meu horário de almoço não é lá essas coisas de longo. - Volta a ser direta.
- Percebi que já é bem esperta em todas suas respostas. - Digo enquanto me levanto e dou a volta na mesa me escorando levemente nela enquanto tenho os olhos focados na mulher em minha frente, que em nenhum momento tira os seus dos meus.
- É, que bom que já percebeu. - Sorri sem vontade.
- Então se é tão esperta já deve saber que o assunto pelo qual a chamei aqui se trata. - Digo e ela nega. - Não é esperta para saber as coisas, mas é esperta para mentir? - Sorrio desdenhoso. - Aqui na minha empresa não admito funcionários que mentem, omitem, seja quaisquer a coisa, por mais simples que seja. E você pelo visto é uma funcionária que age dessa forma.
- Não tire conclusões precipitadas sobre mim. - Diz de forma baixa, mas que mostrava o quão irritada estava. - Tudo bem, eu realmente menti sobre vocês terem elogiado a comida que levei para a reunião, apenas pensei que isso não chegaria ao seu ouvido, e nem sequer é por esse motivo, eu só não queria achar uma justificativa para ser mandada embora no meu primeiro dia de trabalho. - Se explica.
- Não queria, mas achou. - Dou de ombros.
- O senhor está me demitindo? - Pergunta com a voz quase que falhando e aceno positivamente vendo a expressão que antes era de raiva e irritação ser substituída pela de susto, preocupação. - O senhor não pode fazer isso, quero dizer..- Interrompe limpando a garganta e vejo seus olhos brilharem pelas lágrimas que ameaçam sair. - Eu realmente preciso desse emprego e...
- Se realmente precisasse não iria sair mentindo logo no primeiro dia. - A interrompo e ela me fuzila com o olhar. - Já estamos conversados, não é? Saindo daqui já pode passar no RH. - Aconselho e me viro para voltar a me sentar quando sinto sua mão agarrar meu braço.
- Victor Hugo eu..- Me viro para olhar e agora de perto consigo ver cada detalhe do rosto da mulher, que poderia ser uma megera, mas definitivamente era bonita. - Sr Ferraz. - Corrige em um tom de desculpa. - Por favor, peço que tente reconsiderar minha falha, eu realmente fui totalmente errada quando falei aquilo para Ana, mas juro que foi apenas na intenção de tentar não perder o emprego que tanto preciso. - Pede de forma que parece sincera e por um momento quase me perco em seus olhos, os olhos que nunca havia visto de perto, mas que pareciam já tão conhecidos para mim.
- Você mora aqui há muito tempo? Em São Paulo. - Esclareço minha pergunta vendo confusão em seu rosto.
- Não, cheguei há poucos tempo. - Diz de forma rápida. - Por que?
- Nada. - Me afasto de sua mão que ainda tocava meu braço sentindo a sensação estranha de já tê-la visto em algum lugar, não há pouco tempo, mas há muito tempo atrás. - Tudo bem, é sua segunda e última chance, saiba que qualquer mínima falha que você cometer não voltarei atrás da minha decisão. - Aviso e a vejo forçar um sorriso.
- Muito obrigada, prometo que não irei cometer mais nenhuma falha. - Garante e se vira novamente para sair e para estática com a mão ainda na maçaneta da porta, ela fica naquela mesma posição por alguns minutos e estranho quando não vejo a mulher se mover, parece que paralisou ali no mesmo lugar e caminho para perto vendo os seus olhos fixos na parede em sua lateral que exibia uma estante planejada repleta de livros, troféus, medalhas de honra e reconhecimentos, mas seu olhar está preso específicamente em uma moldura de foto.
- Qual o problema? - Pergunto estranhando seu jeito e me aproximo mais um pouco quase que ficando colado na mulher, mas me certificando de sequer me encostar nela. - Esther? - A chamo ainda na tentativa falha de conseguir sua atenção. - Porra, mulher, você está bem? - Pergunto já preocupado de vê-la quase que em um estado de choque bem ali parada ao meu lado, os olhos sem nem piscarem direito.
- Cecília. - Sua voz sai em quase murmuro quando pronuncia o nome da minha falecida namorada e só então parece acordar do seu estado inerte, me olhando de forma totalmente assustada.