Quarto capítulo

Ponto de vista de Lívia

Meu coração estava em frangalhos.

Meu mundo parecia ter perdido a cor.

A garganta se fechou, as têmporas latejavam, e uma vontade absurda de chorar tomou conta de mim. Virei o rosto para o lado, apertando os olhos com força, tentando impedir as lágrimas de escaparem.

— Lívia... está tudo bem? — ele perguntou, com uma preocupação genuína na voz.

Forcei o mesmo sorriso leve de sempre, aquele que uso para esconder o caos por dentro, e respondi que estava apenas emocionada. Mas a dúvida me atravessou com força.

— O senhor disse que tinha algo a me pedir. Do que se trata, afinal?

Ele sorriu, sem perceber o turbilhão que me engolia por dentro.

— Preciso que você faça o serviço para nós hoje. — falou naturalmente. — Quero que nos sirva durante o jantar. Eu pagarei muito bem.

Por um instante, achei que tivesse ouvido errado. Me virei de costas, tentando processar o que ele acabara de dizer. Era sábado à noite e ele me chamara ali apenas para trabalhar.

Senti o peso da realidade me esmagar.

Será que era tão óbvio assim o quão patética e sem graça minha vida era? A ponto de ele pensar em mim primeiro quando precisava de alguém disponível num sábado à noite?

Senti suas mãos tocarem meus ombros, virando-me de volta para encará-lo.

A raiva subiu quente pelo meu peito, mas eu não podia deixar transparecer. No fundo, eu sabia. Sempre soube. Ele jamais me olharia da forma que eu tanto queria.

Engoli seco, juntei o que restava da minha dignidade e assenti.

— Tudo bem, Dr. Emanuel. Irei servi-los esta noite.

Sorrindo amplamente e obviamente aliviado, ele então vai caminhando à frente, guiando o caminho até uma cozinha adjacente ao quarto. Lá dentro, um chef e uma cozinheira trabalhavam com uma maestria admirável, preparando cada prato com precisão quase artística.

Fiquei parada, observando. As louças impecáveis, os talheres reluzentes, os guardanapos dobrados com perfeição, a mesa posta com uma elegância que me deixava sem ar. Tudo ali era belo, calculado, importante. E eu só era uma peça invisível naquele cenário.

Ele se aproximou novamente, segurando uma peça de roupa em mãos — um terninho feminino, elegante, profissional, limpo, sem uma única prega fora do lugar.

Peguei o conjunto, resignada.

Minha voz saiu baixa, quase sussurrada:

— Onde fica o banheiro para eu me trocar?

— Fica atrás daquela porta. — respondeu com gentileza. — Fique à vontade.

Vontade. O que eu realmente queria era desaparecer. Mas agora já estava ali — e não podia deixar que ele percebesse que eu havia vindo com outras intenções.

Atravessei a cozinha com passos apressados e entrei no banheiro. Assim que fechei a porta atrás de mim, a máscara caiu.

As lágrimas, que até então eu segurava com força, finalmente começaram a cair.

Como fui boba… me olhando no espelho, acabei dando um sorriso amargo, lembrando de toda a situação ridícula em que me coloquei.

Respirei fundo, limpei a maquiagem borrada do rosto e comecei a me trocar. Assim que fiquei pronta, ergui a cabeça e saí do banheiro. O Dr. Emanuel estava do lado de fora, me encarando com preocupação.

— Lívia, está mesmo tudo bem?

— Claro, tudo ótimo — respondi, forçando um sorriso.

Ele franziu o cenho, desconfiado, mas não teve tempo de insistir. Uma batida na porta desviou sua atenção, e de repente ele pareceu nervoso e animado. Foi até a porta com passos largos e, quando abriu, entendi tudo.

Uma mulher belíssima foi adentrando o quarto. E estava explicado o motivo do nervosismo.

Ela devia ter uns 1,80 de altura, corpo atlético e esbelto. A pele cor de oliva parecia brilhar sob a luz do quarto, e os cabelos — negros, altos e cheios de cachos — formavam quase uma coroa. Os olhos, escuros como a noite, completavam o conjunto. Não era à toa que ele jamais olharia para outra mulher tendo uma deusa ao seu lado.

— Oi, amor! — ela exclamou, abraçando-o. Eles se beijaram com um leve selinho.

— Boa noite, amor — ele respondeu, segurando a mão dela e guiando-a até a mesa junto à janela, onde poderiam admirar a vista da cidade enquanto jantavam.

— Diana, essa é a Lívia, uma funcionária do escritório — apresentou-me a ela.

Ela se virou para mim com um sorriso gentil.

— Boa noite, Lívia! É um prazer te conhecer.

Retribuí o sorriso, tentando parecer simpática, mas por dentro estava entorpecida pela indignação.

Além de linda, ela ainda tinha que ser simpática? Eu não tinha o direito de sentir raiva dela — afinal, a errada era eu, por desejar o que nunca me pertenceu.

Enquanto ele puxava a cadeira para ela, completou a apresentação:

— Ela vai nos servir esta noite. Espero que tudo esteja do seu agrado.

Assenti em silêncio e me retirei para a cozinha, resignada ao meu papel.

A noite seguiu melhor do que eu esperava.

Diana foi educada e doce, sempre com um “por favor” e um “obrigada” em tom calmo e respeitoso.

Depois de comerem, beberem e conversarem sobre trivialidades, ele se levantou, caminhou até ela e se ajoelhou.

O coração me gelou.

Com um sorriso terno e um discurso cheio de elogios, ele a pediu em casamento.

As palavras eram lindas, sinceras e cada uma delas rasgava um pedacinho do meu peito.

As lágrimas escorriam, e talvez eles tenham pensado que eu estava emocionada por eles — mas, na verdade, eu estava despedaçada.

Assim que saí do hotel, fui direto a uma distribuidora de bebidas.

Comprei algumas garrafas de vinho — e umas cervejas também, por via das dúvidas. Normalmente não bebo, não gosto nem do cheiro, mas precisava de algo que anestesiasse essa sensação sufocante no peito.

Em casa, coloquei uma música bem dọr de cotovelo, dessas que parecem cantar exatamente o que você sente, e abri uma garrafa de vinho — daquelas com tampa de rosca, ainda bem, porque eu nem sei usar um saca-rolhas e nem mesmo tenho um.

Peguei um copo, mas logo desisti e bebi direto no gargalo. Se é pra afogar as mágoas, que seja direito.

Depois da primeira garrafa, já estava tonta.

Comecei a me perguntar por que minha vida tinha que ser tão solitária e difícil.

Eu não sou feia.

Com esse pensamento teimoso, tirei a roupa e fiquei só de lingerie — a especial, que eu tinha colocado acreditando que seria uma noite diferente.

Fiquei diante do espelho, observando meu corpo: seios fartos, bụnda redonda, quadris largos, cintura fina.

Não sou alta — maļ passo de 1,58 —, mas meus cabelos longos e cacheados são bonitos, e meus olhos verdes sempre me renderam elogios.

Foi então que, ao olhar nos meus próprios olhos refletidos no espelho, me lembrei do anel que havia pego naquele dia, na casa sombria.

“Deve estar no bolso do avental ainda…”

Fui até o banheiro, revirei o cesto de roupas sujas e encontrei o avental. Lá estava o anel. Coloquei-o no dedo — até parecia uma aliança. Por um instante, chorei ainda mais ao lembrar daquele pedido de casamento.

Fui até a cozinha, peguei outra garrafa de vinho e bebi quase tudo de uma vez.

Fiquei ali, pensando em alianças e nos nomes gravados nelas, quando notei algo no anel.

Havia inscrições minúsculas. Letras estranhas.

Per… fi… filum… f… fa… fatī.

No momento em que pronunciei as palavras, a pedra do anel começou a brilhar com uma luz verde intensa.

Um calor tomou conta do meu peito — tão forte que perdi o equilíbrio e caí no chão.

Deitada ali, zonza e tonta de vinho, só consegui pensar:

Mas o que diabos eu fui me meter agora?

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