O tempo na fortaleza parecia ter se dobrado.Meses haviam se passado desde o casamento de Aurora e Darius, desde que a união das matilhas trouxe paz ao território. Mas aquela paz era apenas a superfície. Por baixo, algo novo germinava. E não era só a tensão crescente com os sinais da bruxa viva… Era Caelum.Aurora andava diferente. Seus olhos estavam mais profundos, os sentidos mais aguçados, os poderes à flor da pele — mas o que poucos sabiam é que dentro dela crescia uma vida marcada pela profecia antiga.Na noite do eclipse, quando a lua se pintou de vermelho e os lobos uivaram como se sentissem algo no ar, Aurora caiu de joelhos no centro do salão, com as mãos pressionando a barriga.Darius correu, os olhos arregalados, o lobo dele quase tomando o controle.— Está na hora — ela sussurrou, o suor escorrendo pela testa. — Ele… ele quer nascer agora.E ele não queria esperar.As anciãs das duas matilhas cercaram a alfa, preparando a câmara sagrada no coração da fortaleza. Era o antig
A noite caía como um véu prateado sobre a floresta. O céu, limpo, deixava a lua cheia brilhar com uma fúria silenciosa. Ela parecia maior naquela noite — quase viva, pulsando no alto como um coração de luz.Dentro da clareira sagrada, onde só os alfas e seus escolhidos pisavam, Aurora estava ajoelhada na grama, com Caelum nos braços. Darius estava ao lado, calado, os olhos fixos no pequeno corpo do filho, que se contorcia inquieto.— Ele sente — disse Aurora, baixinho, como se falasse para si mesma. — A lua o chama.Caelum, ainda bebê, soltava pequenos rosnados, o corpinho quente tremendo como se algo dentro dele tentasse romper a pele. A noite estava pesada, o ar vibrando de energia. Darius franziu o cenho, sentindo o cheiro metálico que só surgia quando a magia tocava o mundo físico.— Ele está se transformando… — murmurou o alfa, incrédulo.Aurora olhou para o filho, os olhos brilhando com lágrimas. Não de medo. Mas de reverência. Ela sabia. Sempre soube. O sangue dentro dele era o
A noite caiu serena sobre o território unificado das duas matilhas. A lua cheia brilhava como se estivesse mais próxima da terra, como se observasse, silenciosa, a história sendo escrita ali. Dentro da fortaleza, na ala mais protegida, onde o silêncio era quase sagrado, Caelum repousava nos braços da mãe, enroscado como um filhote que encontra seu refúgio no cheiro de casa.Aurora estava sentada sobre um tapete felpudo diante da lareira, penteando lentamente os fios castanhos escuros do filho. Seu toque era cuidadoso, mas o olhar… o olhar era distante. Ela o encarava com uma ternura melancólica, como quem carrega amor demais no peito e medo de não ser suficiente para tudo que o futuro promete.Caelum, com os olhos já semicerrados de sono, soltou um suspiro que soou como um sussurro da própria lua.— Mamãe… — chamou baixinho, a voz carregada de inocência e um mistério que ele ainda não compreendia — …quando você chora por dentro, eu sinto. Aqui — ele apontou o pequeno peito. — Dói em m
O dia amanhecia em tons cinzentos. A neblina rastejava sobre o território da nova fortaleza como dedos frios tateando a terra. Era como se o próprio tempo soubesse: algo importante estava prestes a acontecer.Caelum estava no pátio de treino, acompanhando Aurora e Darius, como fazia todas as manhãs. Mesmo com apenas alguns anos — ou meses, se contados do modo humano — o menino crescia rápido. Mais alto. Mais forte. Mais consciente. E, naquele dia, inquieto.Ele caminhava entre os guerreiros, com os olhos castanhos profundos demais para a idade, observando. Mas não com o olhar curioso de uma criança. Era mais… investigativo. Atento. Como se algo estivesse errado.Aurora, notando o comportamento do filho, se aproximou.— Caelum, o que foi, meu amor? Está tudo bem?Ele a olhou, os olhos brilhando com uma mistura de inocência e algo novo… algo que ela não sabia nomear.— Tem alguém que não quer estar aqui. Tem alguém que mente — ele disse baixinho, quase como se não quisesse que o vento e
A lua cheia pairava no céu como um olho aberto, vigiando tudo. O território da aliança entre as duas matilhas começava a florescer com a união… mas a verdadeira mudança não estava nos adultos. Estava em Caelum.Naquela noite, ele não conseguia dormir.Sentado à beira da cama, com os olhos fixos no luar que entrava pela janela, sentia o peito apertado. Era como se algo o puxasse. Algo invisível. Algo urgente.Sem fazer barulho, desceu da cama e andou pelos corredores da fortaleza. Os guardas o deixaram passar sem questionar. Ele era Caelum. Filho da Alfa. Do Rei. Do sangue proibido.Ele caminhou até o salão dos conselhos, onde os anciões das duas matilhas discutiam acordos. Um deles, Morgra, havia insistido em reabrir negociações com antigos aliados… algo que Aurora havia negado com firmeza.Caelum se escondeu nas sombras e escutou.Morgra falava calmo. Palavras medidas. Voz respeitosa.Mas algo estava errado.As palavras dele chegavam aos ouvidos de Caelum como cacos distorcidos. Os s
O poder de Caelum já não podia ser ignorado.Desde a noite em que revelou a traição de Morgra, as matilhas olhavam para ele com um misto de reverência e medo. Era pequeno demais para tanto fardo. Jovem demais para carregar o peso de ver a verdade nua e crua nas pessoas.E ele sentia isso.A cada passo no corredor, a cada olhar que durava mais de um segundo… sentia os sussurros nas cabeças dos outros como se fossem gritos."Será que ele me ouve?""Será que sabe o que escondo?""E se ele me denunciar também?"Caelum se encolhia. Cada vez mais perto dos pais. Cada vez mais calado.Até que ela chegou.Chamava-se Ylva. Uma loba antiga, que vivia isolada nas montanhas ao norte, chamada por Aurora após sonhar com o antigo símbolo da Lua Sangrenta — uma marca que, no passado, representava os dons mentais dos mais raros lobos.Ylva surgiu na fortaleza como uma sombra leve. Pele marcada pelo tempo, olhos claros como vidro quebrado. Falava pouco. Observava muito.Na primeira vez que olhou para C
A fortaleza parecia respirar naquela noite.Caelum, pequeno demais para as armaduras pesadas dos guardas, leve demais para fazer barulho, esgueirava-se pelos corredores como uma sombra viva.Ele sentia a mentira como uma mancha no ar, uma vibração errada no tecido da noite."Mamãe e papai diriam para eu não fazer isso..." pensou."Mas se eu não fizer, quem fará?"A presença falsa, detectada horas antes, ainda estava lá. Um cheiro doce demais, um sorriso muito branco, um pensamento muito limpo na superfície... e uma podridão escondida logo abaixo.Caelum usava tudo o que Ylva ensinara: andava com o vento, sentia o chão, mantinha seus sentidos como uma lâmina fina e afiada. Não precisava ver. Sabia.Passou por corredores, cozinhas, salas vazias. Subiu as escadas antigas que davam para as alas superiores da fortaleza. Ali, onde ficavam os convidados... os mais recentes.A mentira vinha dali.Caelum se escondeu atrás de uma tapeçaria quando ouviu passos. Dois guerreiros da antiga guarda d
Caelum acordou antes do sol.O céu lá fora ainda era um mar de breu, mas seu coração já batia como um tambor de guerra."Hoje eu começo."Vestiu uma túnica leve, puxou a capa escura que Ylva havia lhe dado — feita de lã de sombra e galhos antigos — e saiu do quarto pé ante pé, sem acordar Aurora e Darius.Era hora de investigar mais.Não bastava saber quem era o inimigo. Ele precisava saber o que pretendiam, quando agiriam... e como derrubá-los antes que sequer tivessem chance.Caminhou até os limites da fortaleza, onde o velho pomar de árvores retorcidas escondia trilhas secretas. Ali, Ylva o esperava.— Você veio. — disse a loba anciã, com um sorriso torto.Caelum assentiu, os olhos sérios.— Preciso aprender mais, rápido. Tem gente fingindo ser leal. Vão machucar minha família.Ylva cruzou os braços, avaliando-o. Ali estava o filhote... mas havia um fogo nele que a maioria dos adultos perdera há muito.— Então você vai aprender a ouvir com o corpo. — ela disse. — Não com as orelhas