Espiar é minha especialidade

— Está liberada, vá ao hospital, não esqueça de pegar atestado para a tarde de hoje — eu ranjo os dentes, mas fico calada, não tem como ele manipular quantos dias de atestado eu vou pegar, afinal só um médico pode avaliar quantos dias é que eu preciso. 

Antes que eu posso sair de fininho meu gerente  diz o que eu temia:

— Acho que terei que repensar sua promoção Maria. 

Não pude impedir o tique nervoso nos meus olhos, ele seriamente estava me dispensando? Eu aguentei anos de abuso dos clientes, um funcionário idiota sempre comia meu lanche, se espreitando na copa, e ele me fazia trabalhar na reposição de produtos, pegando caixas pesadas, na zeladoria, no caixa, eu fui contratada para ficar no guarda volumes de merda, sentada! pelo amor de Deus! 

Meu gerente  me olha com pena, eu sei que esse desgraçado só  está só fingindo, é a mesma cara que ele faz para os clientes. Seguro minha mão dolorida e rosno de dor. A única coisa que desejo é arrastar a cara dele no asfalto, mas infelizmente seria demitida por justa causa.

— Eu trabalhei muito por essa promoção... até estou finalizando minha graduação... 

— Não é só você concorrendo à vaga, e os demais não destratam os clientes que pagam nosso salário — Ele caminha até a porta e abre para que eu saia — vá ao médico e resolva seu problema — ele acena para minha mão machucada — tire o resto do dia de folga. 

É preciso tudo de mim para não sair batendo o pé, meus olhos estão com olheiras, e ficam ainda mais feios marejados, caminho rapidamente pela saído dos fundos, minha barriga ronca eu resolvo passar refeitório, alguém passa pela porta  e eu ouço o que não deveria. 

 — Você filmou tudo e postou? Mia você é louca, tudo isso só para pegar a promoção, ela não sua amiga ? — eu paro e escuto atrás da porta entreaberta, quem fala é o novato da reposição, eu só não entendo, como Mia pôde? Ela era a coisa mais próxima que tinha de uma colega nesse lugar, Mia que conseguiu esse trabalho para nós.

— Nah, não é pra tanto, só boas colegas de trabalho, até que se candidatou à minha vaga, eu estava aqui primeiro, fora que nem imaginei que iam contratar alguém cheia de doenças igual á ela, e ainda espalha por aí  que está noiva de um cara cheio da grana. Se ela pode inventar mentiras eu também posso   — Mia fala com tanta naturalidade em um tom de nojinho e eu puxo a manga longa da minha camisa tentando cobrir minhas veias pretas. 

— Você é um monstro Mia! Gosto ainda mais de você — o novato responde com uma vozinha estridente, se ele tentava esconder que era gay, agora não está mais.

— E a história fica melhor, o cliente que fez um escândalo é meu tio, pagou cinquentinha para ele fazer uma cena — Mia se gaba. 

Sinceramente eu tô muito puta para ficar triste, eu só continuo andando, só quero abraçar meu noivo e comer um pote bem grande de sorvete.  Perdi anos da minha vida nessa rede de supermercados para nada, e pior disso é que eu sei, ele sabe, que não conseguiria nada melhor sozinha.

Eles param de conversar quando eu passo, Mia chama meu nome, eu só ignoro e sigo em frente. 

Não demorei muito no hospital, cheguei no apartamento e  tentei limpar a bagunça do rímel do meu rosto com as costas das mãos, devo ter soltado uma lágrima ou duas no ônibus. Pego as minhas  chaves do bolso, a pequena lanterna que Ester havia me dado  balança, era  ultravioleta. Segundo a própria Tessa: "para  proteção contra vampiros" balançando a cabeça, Ester era meio paranoica. Não refutei, apenas coloquei no meu chaveiro. E agora minha arma super-moderna está pronta para ser usada. Curvo os lábios em um meio sorriso. 

O bônus de toda essa confusão  era ter Fernando  só para mim por dois dias.

Entro  na casa fazendo o mínimo de barulho possível. O espaço estava todo bagunçado, quase caio  no hall de entrada tropeçando em alguns sapatos. Ele era um bagunceiro de primeira classe,  algumas roupas estavam  jogadas no sofá, tinha  peças aleatórias espalhas até no chão!  E para acabar de completar o grã finale: a mesa de centro estava decorada com pratos e talheres sujos, finalizando assim a cereja da sala.

Passo pela cozinha e nem me dou ao trabalho de olhar, sabia que a pia estava lotada de louças e a mesa entulhada. Eu avisei para ser mais organizado, não posso trabalhar, estudar, cuidar dos afazeres da minha casa e ainda ser a empregada particular dele. Sinto muito, porém, dessa vez ele limparia a própria bagunça. Corrigindo: só dessa vez não! Irei  acabar de vez com esse mal costume, não farei mais nenhum serviço na casa dele.

Vou chegando de fininho  no último cômodo da casa, a porta está entreaberta, respiro fundo   preparo-me para uma entrada aterrorizante. Ele sempre pulava e colava as mãos no coração. 

Paro quando ouço uma voz feminina, eu fecho e ranjo os dentes.

De novo não! Eu tenho que parar de ouvir atrás das portas!

— Vai escolher Fernando, ou eu, ou ela. Já pagates tuas dívidas, prometeu pra mim que Maria era só um, caso, alguém pra nos  manter enquanto esperamos essa bagunça passar. Por um acaso se apaixonou? — Meu sorriso murchou completamente em um segundo.

— Não te vi reclamando quando ela pagou o aluguel dessa casa  mês passado, onde tu moras e não ajuda com um centavo sequer  — Fernando responde. Com a mão sã, Maria a dirige ao peito, tentado acalmar a respiração, por um momento alegando alucinações.

— Então fica com essa humana fraca, e se prepara para viver como um morto de fome sem bando, por acaso ela é…  — A voz feminina responde. Dirigiu seu olhar ao chão, não conseguindo espiar além da porta. Seu estômago revira-se indicando que estava prestes a soltar todo o café. O corpo gelando rapidamente dos pés a cabeça juntamente a um tremor.

— Volta para lá e mendiga feito uma cadela sem honra, tu não acrescenta em nada na minha vida aqui. E isso não é da poha da sua conta. 

Fernando dá a última palavra. Não sei se existe divindade, mas naquele momento pode comprovar que sim. Pois só um ser sobrenatural para me fazer ter aquela atitude. Eu  entrei calmamente no quarto, a passos decididos. Fui direto ao guarda-roupa, só queria pegar algumas poucas peças e ir embora daquele lugar. Totalmente sem expressão com movimentos calmos e compassados. Escolhi bem, uma bolsa de costas, Nuca usava ela, pois era caramelo, cor horrível, justo naquele dia resolvi utilizar a única mochila que eu tinha. Indo contra o costume de levar apenas uma bolsinha a tiracolo.

— Maria!

Fernando soa surpreso com minha entrada abrupta, fiquei também, quando ouvi aquela conversa. Ponto para os dois. Ele se aproxima cauteloso e toca meu ombro. Respiro e inspiro o mais longo possível, não queria fazer um escândalo. Até não ser tocada estava segurando as pontas. Senti seu seus dedos em mim era um tapa na cara de realidade.

— Tira as mãos de mim, Fernando.

— Não é nada disso que está pensando...

Paro  de procurar minhas roupas, ficando imóvel por um instante. Ele se cala sem finalizar sua fala. Eu sabia que teria que ser honesta sobre meus pensamentos, afinal de contas eu era assim. Tomo coragem e desato a falar. Volto a procurar minhas peças, precisaria me concentrar em algo para não chorar ali.

— De verdade, eu entenderia se quisesse terminar por ter conhecido outra pessoa, teria apreciado sua honestidade, lembraria com carinho dos nossos momentos... Claro, choraria muito, porém, no final  ficaria feliz se você estivesse feliz. Quem ama faz essas coisas Fernando — Baixo a cabeça, lutando para não derramar uma lágrima sequer. Já controlada, continuo —  Pelo o que pude ver,  amor não existe entre nós, pelo menos da sua parte. Só restou a honestidade, e nesse quesito você também deixou a desejar. Nós... nós não temos mais nada, não tenho motivos para te ouvir.

— È só um mal entendido, eu nunca traí você Mari, por favor… eu só não posso te explicar, não agora — eu sorrio, é claro que não pode explicar.

Tomo cuidado com minhas palavras, não queria ofender a moça, apesar de desejar muito. Guardo a última peça na mochila. O movimento fez o anel de compromisso brilhar com a luz do sol que adentrava pela janela.

Pego-o,  deixo em cima da mesinha de cabeceira. Ester tinha me jurado de pé junto que o anel era de aço, e não de prata como Fernando me confidenciara. Tudo fez sentido, o atendente da joalheria era seu amigo, enganar uma boba apaixonada deve ter sido extremamente fácil.

Ele se afasta de mim. Como pude ser tão estúpida? BURRA, BURRA, BURRA.

— Fica com ele, não precisa deixar.

Posso dizer que sua voz soa até magoada? Magoado por eu o ter pego em flagrante? A burra e o Louco, esse sim deveria ser nosso nome de casal, se bem que nossos nomes juntos já me davam uma pista: 'MÁFÈ'.

— Não, fica você, assim pode enganar outra com esse pedaço de aço.

O presente seria igualmente valioso sendo aço, mas mentir? De novo sendo burra, ele não tinha nem o do aluguel! Como teria grana para a prata?

— E você!— aponto para a senhorita que estava lá, sentada na cama dele, lixando as unhas.  Me olha quando a intimo, a expressão risonha.

— Eu não tenho compromisso com ninguém baby, quem te deve satisfação é ele — Ela estava calma, e eu nervosa. deveria ser o contrário!

— Ele é um idiota, mas você… um pouco de sororidade seria bem vinda hoje. 

Ela se levanta de uma vez,  largando a lixa e me dando total atenção.

— Esperava uma boa briga e recebi uma bronca — dá uma risada enquanto olha Fernando de canto— Não vai dar sermão no garanhão aí? ou só eu que levo?— A amante de Fernando me pergunta. É realmente muito linda, alta, curvilínea, loira e com olhos caramelos. Ha, Esqueci de mencionar seus músculos. Nunca fui de briga, e mesmo se fosse não a enfrentaria, ela certamente me quebraria no meio.

— Já se olhou no espelho?  você parece uma lutadora de UFC e eu uma franga — nós duas sorrimos —  quanto a Fernando... acabou— Me sinto orgulhosa, por foro pareço indiferente, ótimo — Tenha uma ótima tarde Moça.

— Gostei dela,  Fernando — a escuto falando, antes de sair. 

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