Mundo de ficçãoIniciar sessãoEle
— Papai, vai dormir aqui? — Cristal pergunta ao me ver com cobertor e travesseiros. Na confusão só conseguir pensar em pegar isso.
As meninas estão colorindo, cada uma em sua cama. Uma bagunça de papéis e giz de cera. São camas de solteiro que já estavam no quarto. O noivo golpista permitiu que nos mudássemos antes de tirar as coisas, saiu da casa com malas, dizendo que iam em uma lua de mel antecipada. Com isso eu poderia levar meu tempo. Merdinha. Ele é que estava com o tempo contato com medo de ser descoberto.
— Só hoje. — Me sento no sofá que será a minha cama hoje.
Até tem quarto de hospedes, mas depois de descobrir que essa casa tem dona — e que dona gostosa — prefiro ficar perto das minhas filhas.
Eu já sei a resposta, mas decido perguntar:
— Meus anjinhos, o que acham de uma nova mudança?
— Não quero. — Jade nega balançando os cachos.
— Vou morar aqui pra sempre. — Cristal completa mostrando o desenho, que é a casa rosa.
— Podemos ir para uma casa muito maior e cor de rosa também.
— Não, papai. Quero ficar aqui. — Jade nem me olha, continua com sua bagunça de cores.
Já Cristal, mostra algo que parece um pássaro no desenho.
— É a casa da mamãe, que ela mandou lá do céu. Ela é um anjo que desenhei.
Droga!
Golpe baixo.
E a mãe dessas pequenas nem queria morar aqui.
Eu juro que quando pegar Daniel vou arrancar pelos menos uns dois dentes.
Como ele pode me meter nessa enrascada?
Porra, ele é um advogado. Devia no mínimo ter desconfiado.
É melhor ele chegar aqui logo e com uma solução que não envolva abrir mão da casa. Eu mandei uma mensagem só avisando que preciso dele aqui, nem falei o assunto. Iria render horas de conversa que precisa ser cara a cara.
— Está bem. Logo vamos visitar a escolinha mais próxima. — Me dou por vencido, não há chance de aceitar o dinheiro de volta. Eu não quero mesmo. Já me apeguei a esse lugar.
— Temos mesmo que ir? — Agora Jade me olha.
— Queremos ficar aqui. — Sua irmã faz bico.
— Tem que estudar. Como vão ler histórias de princesas para suas bonecas se não souberem ler?
— Eu já sei ler várias coisas. — Cristal declara com orgulho.
— Eu sei mais. — Jade não fica atrás.
— Pois é, sabichonas, vão para a escolinha aprender mais.
Deixo elas com seus desenhos e suas bonecas e vou conversar com Christine e John sobre o caos que isso pode virar. Afinal, apesar de estar andando por ai com travesseiros e cobertor, meio desnorteado, ainda é muito cedo para dormir.
*
Não vejo a morena irritada por horas. Nem durante o almoço.
Só no meio da tarde, quando estou fazendo um lanche para as meninas, que ela aparece na cozinha com um pijama onde tem várias estrelas ilustradas. É de calça comprida e mangas longas, mas não me impede de lembrar o que tem ali embaixo. Meu pau cria vida na hora. Algo que não acontece desde que Agatha morreu. Por um momento até cheguei a pensar que minha libido tinha ido com ela, mas parece que não.
— Sabe que tudo que está usando é meu? — É a primeira coisa que a morena diz.
Dou de ombros. A morena parece abatida. Me lembro do seu desmaio e que não apareceu para comer, pelo menos que eu tenha visto. Ela não está bem.
— Exceto a comida — respondo. — Joguei tudo fora e comprei novo. Só não sabia o que fazer com os utensílios.
— Jogou minha comida fora. Maravilha!
— Pode usar a minha, não sou mesquinho.
Ela revira os olhos e senta em um banco alto, me observando. Acabo começando a preparar um quarto sanduiche.
— Alguma alergia? Ou algo que não coma? — pergunto.
— Vai fazer pra mim? Não precisa. Somos inimigos, esqueceu?
— Querida, somos vítimas do seu noivo, isso sim. Agora responda.
— Não tenho alergia a nada, que eu saiba ainda, e como tudo que está ai. — Depois de um tempo de silêncio, ela completa. — Se não quiser ser meu inimigo, não me chame de querida com esse deboche, nem mencione noivo como se estivesse me julgando.
Eu realmente fiz isso.
Dou um sorriso amarelo. Não sei como as coisas aconteceram entre eles. Nada de julgar.
— O seu... o cara que nos deu esse golpe, há quanto tempo estavam juntos?
— Cerca de oito meses. E não, eu não sou uma sonsa que se apaixona e sai fazendo conta conjunta ou dando senhas de cartão. Eu o conheci em uma viagem a Washington. Ele me salvou de ser atropelada e me convidou para um café. Não trocamos contato nem nada. E dois meses depois ele apareceu em um festival aqui. Nos reconhecemos e acabamos ficando. Como ele é escritor, ou pelo menos disse que era, podia trabalhar de qualquer lugar. Então, deixei que ficasse aqui. Não seria o primeiro. Dias viraram semanas, meses e acabou que estávamos praticamente como marido e mulher. Mesmo não precisando, eu achava legal ter alguém para dividir as contas e a cama. Tanto que quando ele me pediu em casamento eu aceitei. Foram quatro dias antes da minha viagem. Eu quase desmarquei. Só não fiz porque sempre me encontro com amigos que moram longe nessa época. — Suspira. — É outra história. — Dá de ombros. — Estevan não é o primeiro que tenta me roubar, mas é o primeiro que consegue.
Empurro o sanduiche na sua direção. Não sei o que dizer. Situação de merda.
Ela morde o sanduiche e fecha os olhos. Sexy. Seria ainda mais sexy se estivesse nua.
— O que são todas aquelas coisas de decoração no meu quarto? — pergunta antes de morder novamente. Pelo jeito está bom.
— A primeira coisa em que pensei quando entrei ali foi em mudar a decoração brega. Sei que o exterior da casa é rosa, mas o quarto principal não precisa ser.
— Eu não sou brega. — Ela parece não perceber que faz um biquinho muito sedutor.
Opa! Pensamentos indevidos. Pau ficando duro. Stop!
Tenho certeza que teremos que nos enfrentar na justiça pela casa, então é melhor nem pensar em coisas assim.
— É muito brega. Agora me deixe alimentar minhas filhas.
Pego os três sanduiches e saio sem esperar resposta. E com a sensação de ser observado.
Espero que esteja olhando minha bunda.
Ah morena, se não fosse minha “inimiga” eu teria te pegado de quatro no chão daquele banheiro.







