O cigarro pairava entre os dedos com unhas longas pintadas de vermelho vibrante, a fumaça dançava no ar do cômodo fechado, impregnando o cheiro do tabaco em todos os tecidos. No telefone, uma voz triste ensaiada, já havia feito muito aquilo, poderia se dizer profissional se aquilo pudesse ser considerado de fato um trabalho.
— Sim, recebi o dinheiro para fazer o aborto. Não precisa se preocupar, não irei à clínica sozinha. A chamada foi encerrada três minutos depois, com direito a choro fingido. Ao fim da ligação, um sorriso cresceu nos lábios pintados de vermelho. Úrsula estava habituada àquele jogo. Semanas saindo com um homem casado e rico, roupas compradas, sapatos renovados e pacotes em seu salão pagos, e era hora de partir para o próximo. Não gostava de ser amante fixa, gostava do jogo da conquista. Talvez gostasse mais daquilo do que de fato do dinheiro — já tinha o suficiente. Gravidez era sempre o último tópico, seu pé na bunda ensaiado. Homens poderosos e casados não conseguiam sequer imaginar a possibilidade de terem um filho bastardo. — Uma pena, esse era mesmo bem legal! — comentou para si mesma enquanto se levantava da poltrona, caminhando pelo espaço pequeno do quarto de hotel. Suas malas já estavam feitas no chão. Ela se olhou uma última vez no espelho: os olhos negros, o cabelo longo como um véu brilhante, a roupa preta discreta, os sapatos de salto fino e o sobretudo de pele. Estava pronta para ir para a próxima cidade, se inserir num novo círculo social, destruir um novo casamento. Em outra parte da cidade, uma mulher deitada na cama de hospital segurava a mão da filha, com os olhos pesados e o peito arfando em agonia. A pele estava fria, os dedos frágeis. A filha chorava silenciosa, as lágrimas escorrendo sem pressa, quase como se já soubesse que aquele era o fim. — Filha… preciso te contar uma coisa… — a mulher murmurou, a voz quase sumindo. — Mãe, por favor… não fala agora, descansa. — Não, escuta… eu… eu tive outra filha, antes de você… A filha arregalou os olhos, o corpo rígido, o sangue gelado nas veias. — Antes de eu conhecer seu pai… era pobre, morava num cortiço… eu… eu a deixei para trás… As lágrimas agora desciam em torrente pelo rosto da filha. — Nunca soube o que aconteceu com ela… mas… você precisa achá-la… Foram as últimas palavras antes de a mão da mãe cair, sem forças, e o monitor do hospital emitir o som contínuo e cruel. A filha gritou, os médicos correram, mas ela sabia. No velório, o cheiro de flores doces pairava no ar, abafado pelo murmúrio dos presentes e pelo som das pás de terra caindo sobre o caixão. O marido a abraçava forte, tentando conter o próprio choro, enquanto ela desabava, sentindo o peito vazio, como se algo essencial tivesse sido arrancado. Era oficialmente órfã. O pai havia partido quando ainda era criança, e agora a mãe também. Tinha muitos bens: o apartamento de alto padrão, o carro de luxo, a conta recheada, as joias, os vestidos de grife, a coleção de livros raros da mãe. Tinha um casamento feliz, com um homem que a amava e prometia estar ao seu lado em qualquer situação. Mas, ainda assim, havia um vazio, algo que nem as joias nem o dinheiro preenchiam. Ninguém do seu sangue pisava naquela terra, ninguém além daquela irmã perdida. Queria encontrá-la — não só para cumprir o último pedido da mãe, mas porque agora, mais do que nunca, precisava de alguém que dividisse com ela o peso da origem, o laço de sangue.