Capítulo 4
Ponto de vista de Kaia

Amanhã seria o dia da partida.

Eu achava que o restante do meu tempo passaria tranquilamente, talvez até pacificamente, até que meu telefone brilhou com uma ligação inesperada de Noah.

— Você vai vir para o jantar? — Ele perguntou.

A pergunta me pegou de surpresa.

— Provavelmente não. Estou ocupada fazendo as malas.

Houve uma pausa. Então, ouvi o som suave da respiração dele do outro lado.

— Hoje é meu aniversário. — Ele disse.

Claro. Eu nunca havia esquecido os aniversários dele antes. Nunca. Até este ano.

— Desculpe. — Murmurei, com a culpa se apertando no meu estômago.

Noah falou novamente, desta vez mais suavemente.

— Então vem para o jantar? Eu fiz macarrão. O seu favorito.

Quase disse que não. Imaginava-me entrando na sala de jantar, apenas para me sentir uma estranha dentro da minha própria família, enquanto os três giravam em torno de Sylvie como se ela fosse o sol.

— A Sylvie não está em casa. — Noah acrescentou, como se pudesse ouvir cada pensamento na minha cabeça.

— Então tá. — Falei.

...

Quando cheguei à propriedade dos Renner, Asher estava no jardim, regando as plantas. Ele olhou para cima e sorriu.

— Vai lá. Noah fez o seu favorito.

Quase parecia como nos velhos tempos.

Na mesa, Asher serviu vinho no meu copo. Jace trouxe o bolo. Noah encheu nossos pratos com macarrão fresco e ainda fumegante.

O clima, que eu esperava estar pesado de tanta estranheza, estava surpreendentemente leve. Até Jace fez uma conversa educada, perguntando sobre o laboratório, como se realmente se importasse.

Então, Noah limpou a garganta.

— Quer vir com a gente para a França?

A fantasia de um inverno francês.

— Eu já deveria estar no nosso laboratório em Cuba. — Disse, enrolando o garfo com cuidado.

— Certo... — Noah olhou para o prato.

— Não dá para adiar? — Jace perguntou. — Só uns dias, até voltarmos.

— Eu já marquei o compromisso.

Asher entrou na conversa suavemente, passando-me um prato de salada fresco.

— A Kaia sempre foi a mais séria. Não adianta pressioná-la a vir se ela tem trabalho.

— Quer um pouco? — Asher continuou me olhando. Como se tivesse algo que queria dizer, mas não conseguia. Finalmente, ele limpou a garganta. — Noah me contou... sobre o outro dia. Seu guarda-costas. James, não é?

— Isso mesmo.

— Bem. — Asher começou, escolhendo suas palavras com muito cuidado, você sabe como as pessoas são com a família Renner. Muitos se aproximam pelos motivos errados. É importante saber quem realmente se importa com você, e quem está apenas atrás dos benefícios.

Deixei o garfo cair, a fome desaparecendo.

James era uma das poucas pessoas que não me tratava como se eu fosse descartável. E agora Asher estava questionando sua lealdade.

— James é um bom homem. — Disse calmamente. — Se você se desse ao trabalho de conhecê-lo, não diria isso.

— Estou apenas me preocupando com você...

Eu o interrompi.

— Você parou de se importar comigo há muito tempo. Isso não é sobre mim. Você só tem medo de que eu possa vazar segredos da família para alguém que realmente me trata como ser humano.

Os olhos de Asher se endureceram.

— Você...

A frágil paz se quebrou.

Jace empurrou a cadeira para trás com força e se levantou, as bochechas coradas de raiva.

— Eu te avisei, Asher. Ela não é mais da família. Mimada e cega. Não consegue nem perceber quando está do lado de fora.

Também me levantei.

— Pelo menos eu não estava fingindo.

— Sente-se, Jace. — Asher ordenou, os olhos estreitos. Então ele se virou para mim. Eu investiguei seu amigo James. Ele está ligado a um dos nossos rivais. O Grupo Orman. Você precisa ter cuidado com quem confia. — Asher continuou. — Deixá-los se aproximarem das nossas linhas de produtos não é só imprudente, é perigoso. Se você...

— Já chega. Obrigada pela preocupação, irmão, mas eu posso me cuidar sozinha. A última coisa que eu preciso é de você na minha frente, agindo como se tivesse o direito de questionar meus amigos.

Então, era isso. Foi por isso que me chamaram para o jantar. Não para comemorar o aniversário de Noah. Era um aviso. Fique na linha ou...

Se ao menos soubessem. Eu era quem estava prestes a entrar para o Grupo Orman.

O jantar se desfez rapidamente depois disso. Jace atirou um prato no chão. Asher me encarou como se eu fosse uma traidora. E Noah... Noah não disse uma palavra sequer.

Saí sem dizer mais nada.

...

O dia da partida chegou mais rápido do que eu esperava.

James chegou cedo, sua batida suave na porta.

— Preparada? — Perguntou, a voz baixa. Ele se referia a tudo que viria depois.

Eu assenti.

...

Minha vida com o Grupo Orman começou no dia em que pisei na balsa, no México. O coordenador deles me encontrou no porto e me deu um dia para descansar antes de me levar até a propriedade.

A mansão parecia mais uma propriedade moderna—pedra branca, jardins luxuriantes e mansões menores espalhadas pela terra como peões em um jogo que eu estava começando a jogar.

O Sr. Orman me recebeu no hall principal.

Trinta e poucos anos. Cabelo loiro, olhos castanhos. Polido. Charme natural. E nada do que eu esperava de um homem que se dizia responsável por ordenar execuções durante degustações de vinho.

— Ouvi dizer que você vem de uma família como a nossa. — Disse ele suavemente. — O que te fez sair?

— Meus pais morreram. — Respondi. — Achei que fosse hora de mudar de ares.

Ele assentiu, os olhos me estudando.

— Uma pena. Imagino que eles ficariam orgulhosos de uma garota como você.

Então ele se inclinou mais perto, a voz ficando mais baixa.

— Se houver alguém com quem você queira entrar em contato... faça isso hoje. Depois de hoje à noite, você vai sumir do mapa.

Ele se afastou, me deixando sozinha com essa escolha.

Tirei o celular da bolsa.

Meu dedo pairou sobre cada nome.—Asher, Jace, Noah.

Escolhi Asher. O telefone tocou uma vez. Duas. Então...

— Kaia? — Era Sylvie.

Meu estômago se apertou.

— Onde está o Asher? — Perguntei.

— Ele está com o Jace. Ele me pediu para atender as ligações dele. Você pode me dizer o que precisar, e eu passo para ele.

No fundo, ouvi risadas. Asher. Jace. Até Noah.

— Vamos, Sylvie! — Chamavam, despreocupados.

Engoli o nó na garganta.

— Nada. Só estava te fazendo uma visita.

Desliguei a ligação. Tirei o chip. Joguei no chão e o esmaguei com o salto.

Não haveria mais uma Kaia Renner amanhã. Apenas uma garota com um novo nome. Uma nova vida.
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