Capítulo 6 - Uma carta na manga

À noite mandei meu currículo para o castelo de Noriah, candidatando-me à vaga de dama de companhia da rainha Anne Marie Chevalier. Eu não tinha nenhuma expectativa de ser chamada, mas se eu não enviasse minha mãe ficaria muito chateada. No anúncio não dizia o valor do salário, mas dava para imaginar que seria muito mais do que eu poderia ganhar em um ano de trabalho num lugar normal na minha zona. O currículo exigia foto atual, sem qualquer tipo de maquiagem ou ornamento, cabelos soltos e fundo branco. Também deixava bem claro que o processo de escolha seria feito em etapas e que só havia uma vaga. A rainha Anne já tinha uma dama de companhia e agora haveria duas pessoas para este cargo. Ou seja, a antiga ocupante do cargo continuaria a ocupar seu posto.

À noite, enquanto estava deitada em meu quarto, tive um pouco de medo de tudo que estava acontecendo com a minha família. Eu sempre tentava mostrar a todos que eu era forte, mas no fundo eu não sei se realmente era. Doía-me ver meu irmão passando necessidade, sentir o quanto minha mãe estava cansada, meu irmão desaparecido por qualquer lugar do reino e meu pai podendo piorar a qualquer momento e talvez vir a morrer. Eu deixei escapar uma lágrima, tímida, quente, pequena. Limpei rapidamente. Não queria que ninguém pudesse ver o quanto eu estava preocupada e triste. E assim eu adormeci.

Acordei com o despertador na manhã seguinte. Eu precisava usar minha melhor roupa e andar de lugar em lugar procurando um emprego. Precisávamos de dinheiro para pagar as despesas da casa. Perguntei para minha mãe:

- Mãe, como ficou a questão da nossa casa? Você havia falado que papai a perdeu também...

- Sim. Seu pai terá que pagar aluguel para continuarmos morando aqui.

- Como assim?

- Kat, é isso mesmo, exatamente como você ouviu. Seu pai perdeu a casa para o senhor Simons. Eles se conhecem há vários anos. Por piedade, ele não nos jogou na rua. Mas vai nos alugar nossa própria casa.

- Não... Há nada que possamos fazer? Isso é legal?

Ela riu amargamente:

- Seu pai assinou um documento em que passava tudo para ele.

Era inacreditável. Sem nada de dinheiro, ainda teríamos que pagar para morar na nossa casa. E de onde arranjar dinheiro? Tínhamos tantas dívidas que nem sei como sairíamos daquilo. Se não tivéssemos dinheiro para pagar o aluguel, onde moraríamos? Talvez nosso fim fosse na zona K, sem morada, sem dinheiro, sem comida, vivendo como mendigos. Eu precisava fazer algo.

- Você viu Kevin? – perguntei.

- Não.

- Mãe, ele poderia nos ajudar... É dever dele.

- Eu não quero o dinheiro sujo de Kevin.

- Mas... Já aceitamos o dinheiro sujo de papai... Quando ele ganhou no jogo algumas vezes.

- Não é a mesma coisa.

- Não? – eu perguntei ironicamente.

Ela me fuzilou com o olhar e eu não continuei. Meu pai era viciado em jogos eu não sei exatamente há quanto tempo... Mas não me lembro dele fazendo outra coisa. Ele já teve um trabalho, mas nunca falava a respeito. A única coisa que eu sabia é que a cicatriz no rosto e a perna que ele não tinha tanto movimento eram causa de acidente de trabalho. Mas tudo que acontecera era um segredo guardado há sete chaves. Tínhamos uma casa antiga, mas grande e boa, comparando com as outras da vizinhança. E se não fosse meu pai jogar dinheiro fora com jogos de azar, acho que poderíamos viver bem, pois ele ganhava um bom valor de pensão pela invalidez. Minha mãe disse que Adolfo Lee já foi viciado em álcool no passado, mas que havia conseguido superar. No entanto o jogo ele não superou... Não até jogar a última coisa que lhe restava: a casa onde morava.

Um carro buzinou em frente à nossa casa e eu e Leon fomos ver na janela. Um homem com farda do castelo desceu. Antes que desse tempo de minha mãe perguntar o que procuravam, meu pai saiu do quarto, todo arrumado. Eu não o via assim há anos. Cheiroso, de banho tomado e barba feita. Ele piscou para nós e entrou no carro com placa do castelo de Noriah Sul, sem nos dar satisfações. Nós três nos olhamos, sem entender nada.

- Mãe, você viu o que eu vi?

- Claro que vi, Kat.

- Onde... Ele foi?

- Eu... Não sei.

- Como não sabe?

- Não sei... Mas imagino.

- Ele pode ter ido... Ao castelo?

- Sim...

- Mas... Quem o deixaria entrar? Por que um carro da realeza veio buscar meu pai? – eu estava curiosa e confusa.

- Kat, você já está arrumada. É melhor ir.

- Mãe... O que está acontecendo? Eu preciso saber.

- Vá procurar o emprego. Estamos precisando.

- Papai vai ver a rainha? – perguntou Leon com o olhar divertido e curioso.

- Acho que sim, Leon. – eu falei alisando os cabelos dele.

- E você vai sair, Kat?

- Vou procurar um emprego. – expliquei.

- Kat não será a dama de companhia da rainha?

- Acho que não, querido.

- Mas mamãe disse que sim.

Olhei para minha mãe. Eu não queria que ela ficasse colocando aquilo na cabeça do menino. Dei um beijo nele, peguei minha bolsa e saí.

Estava um lindo dia de sol. Eu poderia ficar andando pelas ruas o dia inteiro aproveitando o dia. Mas eu não podia. Então imprimi mais alguns currículos e larguei em todos os lugares, desde lojas até bares noturnos. Eu ri... Seria divertido ser uma garçonete de um bar. Será que teria bebidas de graça?

Meu telefone tocou. Era Kim.

- Oi...

- Reunião hoje à noite? Grupo secreto.

- Sim... Estarei lá. Que horário?

- Às 19 horas.

- Kim, eu tenho uma coisa para lhe contar.

- Fala, minha linda.

- Um carro do castelo foi buscar meu pai hoje. Em casa.

- Como assim? Você está bem?

- Estou falando sério.

- Mas... O que a família Lee tem a ver com os Chevalier?

- Lembra que eu falei que ele disse que tinha uma carta na manga?

- Sim... E nós rimos disso, porque era improvável.

- Acho que não é tão improvável.

- Querida, eu estou no meio da aula. Vou ter que desligar antes que eu seja expulso. – ele deu um gritinho. – Nos vemos à noite.

Eu segui ouvindo o som silencioso do meu sapato na rua. Andei até cansar e voltei para casa. Havia entregado todos os currículos impressos e ainda assim meu telefone não tocou nenhuma vez.

Cheguei em casa e fui deitar novamente. Eu não tinha muita vontade de levantar da cama. Estava cansada e com poucas esperanças. Perguntava-me o tempo todo o que seria da minha família. Já passava das 17 horas quando meu pai retornou, trazido pelo mesmo carro com brasão real. Eu queria fazer mil perguntas, mas fiquei onde estava. Segredos eram guardados por meus pais dentro daquela casa e eu sabia que não me falariam. Será que algum dia eu descobriria?

Próximo do horário combinado eu saí para a faculdade para nosso encontro secreto contra a monarquia. Quando cheguei à sala mal iluminada meus amigos já me esperavam. Abracei todos e dei notícias sobre minhas andanças sem sucesso à procura de um emprego.

- Eu poderia falar com meu pai. – falou Léo.

- Léo... Obrigada. Você é um amor... Mas não quero que seja assim. Eu não quero dever favores a ninguém, entende?

- Mas... Somos amigos. Você não me deveria um favor.

- Ela também negou minha proposta de emprego, Léo. Então não se sinta ofendido. – falou Kim para me ajudar.

Era diferente a proposta de emprego de Kim e a de Léo. Eu sabia que Léo era apaixonado por mim, então aceitar um emprego vindo dele seria como uma sentença de namoro. Como eu poderia negar o pedido dele se aceitasse o emprego? Então eu preferia usar aquilo só se fosse extremamente necessário. Ainda tínhamos o que comer, embora não em abundância. Minha mãe estava certa em racionar o que tínhamos para que durasse mais. Ela era experiente nisso... Não era a primeira vez que passávamos por uma situação como aquela. Mas a meu ver, era a pior.

- Eu... Consegui contato com outro grupo. – disse Diana de repente.

- Como assim outro grupo? – perguntou Kim.

- Um grupo muito maior. Acho que está na hora de adentrarmos num grupo contra a monarquia de verdade. – observou ela.

- Mas isso é perigoso. – falou Kim. – Como vamos saber se eles são de confiança? Você os conhece bem?

- Não... Conheço uma pessoa bem.

- Então é perigoso. – alertou Kim.

- Kim, Diana tem razão. Há quanto tempo estamos nós quatro discutindo isso e não indo adiante? Está na hora de entramos num grupo de verdade... Que realmente faça as coisas acontecerem. – eu falei.

- Concordo com elas. – disse Léo. – Pela queda da monarquia.

Unimos nossas mãos em sinal de concordância. Migraríamos para um grupo maior. Estava na hora.

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