O silêncio que se seguiu ao beijo era palpável, denso como o ar antes de uma tempestade. Os lábios de Ethan ainda roçavam levemente os de Noan, uma lembrança fugaz de um toque que havia rompido a barreira da formalidade e da distância. Seus olhares permaneceram conectados, carregados de uma mistura de surpresa, vulnerabilidade e uma pergunta silenciosa que pairava no ar.
Então, Ethan se afastou abruptamente, como se tivesse se queimado. Seus olhos, antes suaves e carregados de emoção, voltaram a exibir uma frieza defensiva. Ele passou a mão pelos cabelos, um gesto de nervosismo que Noan nunca havia presenciado.
"Eu... não deveria ter feito isso", disse Ethan, sua voz rouca e quase inaudível. Ele desviou o olhar, fixando-o em um ponto qualquer da estante de livros.
As palavras atingiram Noan como um balde de água fria, dissipando a onda de calor e esperança que o havia tomado. A dúvida e a insegurança voltaram a assombrá-lo. Teria sido um erro? Teria ele interpretado mal os sinais?
"Eu...", Noan começou, mas as palavras morreram em sua garganta. O que ele poderia dizer? Que havia sentido uma conexão, um desejo que ele mal ousava admitir para si mesmo?
Ethan quebrou o silêncio novamente, sua voz agora mais firme, quase áspera. "Esqueça que isso aconteceu, Noan. Foi um momento de fraqueza. Não vai se repetir."
Aquelas palavras foram como um soco no estômago de Noan. A rejeição, mesmo que implícita, doeu mais do que ele esperava. Ele assentiu em silêncio, sentindo um nó se formar em sua garganta. A esperança que havia florescido brevemente em seu peito murchou rapidamente.
"Entendo, senhor Ethan", conseguiu dizer, sua voz embargada.
Ethan não o olhou. Ele caminhou até a janela, observando o mar com uma expressão sombria. A tensão na sala era quase sufocante. Noan sentia o rosto queimar de vergonha e humilhação.
"Pode ir, Noan", disse Ethan, sem se virar. "Preciso ficar sozinho."
Noan não hesitou. Ele se virou rapidamente e saiu do escritório, fechando a porta atrás de si com um clique suave. Seu coração estava pesado, e uma tristeza profunda o invadiu. Ele havia se permitido ter esperanças, e mais uma vez, a realidade o havia atingido com força.
Na manhã seguinte, a atmosfera na mansão era ainda mais tensa. Ethan se manteve recluso em seu escritório, e Noan se esforçou para evitar qualquer contato visual. O beijo da noite anterior pairava no ar como um fantasma, um segredo incômodo que nenhum dos dois ousava mencionar.
Tian, percebendo a tensão entre Noan e o "moço bonito", parecia um pouco mais quieto do que o habitual, observando os dois com seus grandes olhos curiosos.
Noan sentia-se desconfortável e inseguro. Ele precisava daquele emprego, precisava daquele teto sobre a cabeça para ele e Tian. Mas a ideia de continuar trabalhando tão perto de Ethan, depois do que havia acontecido, era perturbadora.
Durante o almoço, Jonathan notou o semblante abatido de Noan. "Está tudo bem, meu jovem? Você parece preocupado."
Noan forçou um sorriso. "Estou apenas um pouco cansado, Jonathan."
Naquela tarde, enquanto Noan cuidava do jardim, Ethan apareceu na varanda, sua expressão ainda fechada. Ele hesitou por um momento antes de se dirigir a Noan.
"Noan, podemos conversar?"
O coração de Noan deu um salto. Ele largou a mangueira e se aproximou da varanda, tentando manter a compostura.
"Sim, senhor Ethan."
Ethan suspirou, passando a mão pelos cabelos novamente. Ele parecia desconfortável, como se estivesse lutando para encontrar as palavras certas.
"Sobre ontem à noite... eu sinto muito. Não foi justo com você. Eu não deveria ter... me aproveitado da situação."
As palavras de Ethan eram frias e formais, como se ele estivesse tentando se convencer de algo. Noan sentiu uma pontada de decepção. Ele esperava uma explicação, talvez até mesmo um reconhecimento de que o beijo havia significado algo para ele também.
"Não se preocupe, senhor Ethan. Eu entendo", disse Noan, sua voz tentando soar indiferente, embora por dentro ele estivesse se sentindo magoado.
Ethan o olhou nos olhos pela primeira vez desde a noite anterior. Havia uma tristeza profunda em seu olhar, mas também uma determinação fria. "Eu preciso que você entenda, Noan. Eu não sou capaz de... de ter um relacionamento. Meu passado... me impede."
As palavras de Ethan confirmaram os temores de Noan. O acidente, a perda de Sophia... tudo aquilo ainda o assombrava, impedindo-o de se abrir para novas emoções. Noan sentiu uma onda de empatia por ele, apesar de sua própria dor.
"Eu sei, senhor Ethan. Jonathan e Sofia me contaram."
Ethan pareceu surpreso. "E você ainda está aqui?"
A pergunta pegou Noan de surpresa. "Onde mais eu iria? Eu preciso do emprego. E o Tian... ele gosta daqui."
Um breve silêncio se instalou entre eles. Ethan parecia ponderar as palavras de Noan.
"Eu... eu valorizo o seu trabalho, Noan. E vejo como Tian gosta de você. Eu só... não quero que você crie expectativas."
A honestidade brutal de Ethan era dolorosa, mas de certa forma libertadora. Noan finalmente entendeu que, por mais que houvesse uma faísca entre eles, Ethan não estava pronto para se permitir amar novamente.
"Eu não estou criando expectativas, senhor Ethan", mentiu Noan, seu coração apertado. "Eu apenas... estou fazendo o meu trabalho."
Ethan assentiu lentamente, sua expressão ainda sombria. "Bom. É melhor que seja assim." Ele se virou e entrou na casa, deixando Noan sozinho na varanda, com o peso da realidade sobre seus ombros.
Naquela noite, Noan teve dificuldade para dormir novamente. Ele repassava em sua mente o breve beijo, as palavras frias de Ethan e a tristeza em seus olhos. Ele sabia que não podia se permitir nutrir ilusões. Ethan era um homem quebrado, e ele, Noan, era um pai solteiro com um filho especial para criar. Um relacionamento entre eles parecia impossível, talvez até mesmo perigoso.
No entanto, apesar da razão lhe dizer para se afastar, Noan sentia uma estranha conexão com Ethan, uma empatia profunda por sua dor. E, por mais que tentasse negar, o sabor fugaz daquele beijo ainda pairava em seus lábios, alimentando uma pequena chama de esperança que ele sabia que deveria apagar.
A vida à beira do oceano continuava incerta, e o coração de Noan, apesar da dor, ainda ansiava por um calor que talvez nunca encontrasse ali.