Acordei com o cheiro de café e bacon. *Estranho.* Eu não cozinho bacon.
Abri os olhos devagar, confusa com o teto alto e a luz dourada entrando por cortinas que não eram minhas. *O apartamento de Luca.* A memória da noite anterior voltou como um soco: *o contrato, a ameaça, minha assinatura tremula no papel.* — *Mamãe!* Sofia entrou correndo no quarto, pulou na cama e abraçou meu pescoço antes que eu pudesse reagir. Ela cheirava a shampoo infantil e—*maldição*—bacon. — *O papai fez panquecas em forma de coração!* — anunciou, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. *Papai.* A palavra ainda me cortava como uma faca. — *Bom dia, princesa* — respondi, forçando um sorriso enquanto penteava seus cachos com os dedos. Foi então que notei: ela estava vestida com roupas *novas*—um shorts jeans e uma camiseta rosa com a estampa *"Daddy's Little Girl"*. **Meu sangue ferveu.** — *Onde está Lu—seu pai?* — corrigi-me, evitando o tom ácido. — *Na cozinha!* — ela cantou, pulando da cama. — *Ele disse que a gente vai morar aqui agora! Que eu vou ter um quarto só meu e um cavalo de verdade!* *Um cavalo de verdade?* Saí da cama tão rápido que quase tropecei no tapete persa. Não me importei de estar só de camiseta e calcinha—*ele já tinha visto muito mais*—e marchei em direção à cozinha. Luca estava de costas para mim, usando apenas um shorts de boxer preto enquanto mexia algo na frigideira. Seu torso nu—todo músculos definidos e tatuagens discretas—me fez engolir seco. *Quatro anos e o homem parecia esculpido em mármore.* — *Um cavalo, Luca?* — gritei, cruzando os braços. — *Você está comprando minha filha agora?* Ele virou-se devagar, uma panqueca perfeita em forma de coração na espátula. Seus olhos verdes percorreram meu corpo da cabeça aos pés antes de encontrarem meus olhos. — *Bom dia para você também, dolcezza* — disse, com aquele sotaque italiano que fazia até insultos soarem como cantigas. — *E sim, um cavalo. Tenho um haras em Toscana. Sofia vai adorar.* — *Ela tem quatro anos!* — *Eu comecei a cavalgar com três* — ele respondeu, voltando a fritar as panquecas como se não estivéssemos no meio de uma guerra. Sofia correu para ele, abraçando sua perna. — *Eu quero um cavalo roxo!* Luca sorriu—*um sorriso genuíno, não aquele sorriso de negociador implacável*—e acariciou seus cachos. — *Roxo é difícil, principessa. Mas te dou um preto como o daquele filme que você gosta.* Era *assim* que ele fazia. Não com gritos ou ameaças, mas com panquecas em forma de coração e promessas de cavalos. *Como eu poderia competir com isso?* — *Precisamos conversar* — eu disse, baixo. — *Sozinhos.* Luca olhou para Sofia, depois para mim, e assentiu. — *Sofia, vai escolher um desenho para assistir na sala. Papai e mamãe vão resolver umas coisas.* — *Tá bom!* — ela saiu cantarolando, feliz da vida. Assim que ela sumiu no corredor, Luca desligou o fogão e virou-se para mim. — *Fala.* — *Esse jogo precisa parar* — eu sussurrei, avançando em sua direção. — *Você não pode chegar depois de quatro anos e começar a fazer promessas absurdas!* Ele não recuou. Pelo contrário, fechou a distância entre nós até que eu pudesse sentir seu calor. — *Não é jogo, Bella* — ele respondeu, sério. — *Eu perdi quatro anos da vida dela. Não vou perder mais um dia.* — *E o que você sabe sobre criar uma criança?* — provoquei. — *Além de comprar presentes caros?* Seus olhos escureceram. — *Sei que ela tem medo do escuro. Que gosta de morango mas é alérgica a kiwi. Que adora aquele desenho da princesa com cabelo colorido.* — Ele inclinou-se para frente. — *E sei que ela merece um pai. Mesmo que você odeie admitir.* Fiquei sem ar. *Como ele sabia tudo isso?* — *Você... você nos espionou?* Luca sorriu, mas não era um sorriso feliz. — *Chama-se ser pai, Isabella. Algo que você me negou.* Antes que eu pudesse responder, ele pegou algo do balcão—*o contrato*—e colocou diante de mim. — *Assinamos ontem. Agora vivemos juntos. Pelo menos nos próximos seis meses, até a guarda compartilhada ser oficializada.* — *Seis meses?!* — *Tempo suficiente para Sofia se acostumar com a ideia de que temos uma família* — ele explicou, como se estivesse falando de um acordo de negócios. — *E tempo suficiente para você decidir se me quer por perto... ou só porque um juiz ordenou.* Seu dedo traçou minha clavícula, fazendo meu corpo tremer contra minha vontade. — *Escolha é sua, dolcezza. Mas eu já fiz a minha.* E então ele me beijou. Não era um beijo doce. Era posse, desafio, uma marca de fogo que me lembrava de tudo que havíamos sido em Dubai. Meu corpo reagiu antes que meu cérebro pudesse protestar—minhas mãos agarrando seus ombros, minha boca cedendo à sua. Foi Sofia quem nos interrompeu. — *Eca!* — ela fez careta, parada na porta da cozinha. — *Vocês estão se beijando!* Luca afastou-se devagar, seus olhos ainda presos nos meus. — *Get used to it, principessa* — respondeu para Sofia, mas olhando para mim. — *Your mom and I... we have a lot of lost time to make up for.* E o pior? *Eu sabia que ele não estava falando só de beijos.* (Flashback – Dubai, Última Manhã) *Luca dormia profundamente quando eu saí da cama. Havia um voo para o Rio em três horas, e eu precisava sumir antes que ele acordasse—antes que eu fizesse algo estúpido, como pedir para ele me acompanhar.* *Mas então vi o bilhete.* *Um cartão de embarque para o Rio. No meu nome. No mesmo voo que o meu.* *Deixei-o em cima da mesa, sem dizer nada. Quando a porta do hotel fechou atrás de mim, eu já sabia: Luca Domani era o tipo de homem que nunca desistia do que queria.* *O problema? Eu não sabia se era forte o suficiente para resistir.* (Presente – Apartamento de Luca) O resto do dia passou num borrão. Luca levou Sofia para um passeio no helicóptero—*sim, o maldito helicóptero*—enquanto eu ficava no apartamento, tentando processar minha nova realidade. Era um lugar absurdamente luxuoso, é claro. Três andares, piscina infinita, vista para o Cristo Redentor. Mas o que mais me chamou a atenção foi o quarto de Sofia—*pronto há semanas, talvez meses.* Havia fotos minhas espalhadas pela casa—minhas e *dele*, como uma família de mentira. Em uma delas, até parecíamos felizes. Foi então que encontrei *o quarto principal.* Nossa cama—*porque agora era nossa*—era grande o suficiente para cinco pessoas. As cortinas eram seda pura, e na mesa de cabeceira... *Um contrato novo.* Desta vez, o título era simples: **"Acordo Matrimonial."** E no final, outra nota escrita à mão: *"Case-se comigo de verdade, Bella. Não por Sofia. Não pelo dinheiro. Mas porque você ainda me quer tanto quanto eu te quero."* Quando ouvi o helicóptero pousando no terraço, escondi o papel debaixo do travesseiro—*como se pudesse esconder algo de Luca Domani.* Sofia não parava de falar sobre o passeio. — *A gente voou por cima do Cristo, mamãe! E o papai deixou eu segurar o controle!* — *Foi só por um segundo* — Luca riu, servindo vinho no meu copo. — *Mas ela é natural. Talvez seja a próxima piloto da família.* *Família.* A palavra soou estranha, perigosa. — *Eu quero ser princesa* — Sofia corrigiu, com a seriedade típica das crianças. — *Você já é* — Luca respondeu, sem tirar os olhos de mim. O jantar foi... surpreendentemente normal. Luca cozinhou—*bem, por sinal*—e Sofia contou tudo sobre sua vida, como se estivesse acumulando quatro anos de histórias para contar ao pai. Foi quando ela finalmente adormeceu no sofá—*depois de insistir que "papai" lesse a história*—que o ar entre nós ficou pesado novamente. — *Ela é incrível* — Luca murmurou, observando-a dormir. — *Tão inteligente. Tão corajosa.* — *Ela é tudo* — respondi, sem pensar. Ele olhou para mim, seus olhos verdes queimando. — *E você também.* Antes que eu pudesse responder, ele levantou Sofia nos braços—*com uma naturalidade que me surpreendeu*—e levou-a para o quarto. Quando voltou, trouxe dois copos de vinho. — *Para nós.* — *Não sei se deveríamos...* — *Celebrar?* — ele completou, sentando-se perto demais. — *Nosso primeiro dia como família.* — *Família de mentira* — corrigi, pegando o copo. Luca sorriu, aquele sorriso perigoso que conhecia tão bem. — *Toda família começa com uma mentira, dolcezza. O truque é transformá-la em verdade.* E então, enquanto o Rio brilhava lá fora, Luca Domani fez o que fazia melhor—*desafiou-me a jogar com fogo.* E eu? *Eu já estava em chamas.