(Rio de Janeiro – 4 anos depois)
A primeira vez que Sofia chamou alguém de "papai", eu quase derrubei o café. Foi no parque, um domingo ensolarado, quando um homem alto de costas para nós se curvou para pegar uma bola. Ela soltou minha mão antes que eu pudesse reagir. — *Papai!* — gritou, correndo em direção ao estranho. Meu coração parou. O homem se virou — moreno, sorridente, *não Luca* — e devolveu a bola com uma risada. — *Não sou eu, princesa.* Sofia olhou para ele, depois para mim, seus olhinhos verdes cheios de uma confusão que me partiu ao meio. — *Cadê papai?* — perguntou, pela primeira vez. **Era a pergunta que eu temia.** — *Vamos tomar sorvete* — respondi, evitando a resposta. Mas a semente estava plantada. — *Mamãe, lê de novo!* — Sofia empurrou o livro contra meu peito, seu cabelo cacheadinho espalhado no travesseiro. Era nosso ritual — *O Pequeno Príncipe*, a mesma história que Luca citara naquela noite em Dubai, quando estávamos nus e bêbados de desejo. — *"Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante..."* — minha voz falhou. — *Por que você tá triste?* — Sofia tocou meu rosto, pequenos dedos encontrando lágrimas que eu nem sabia ter derramado. — *Não estou, amor. Só... cansada.* Menti. Como eu explicaria que ela tinha os olhos dele? Que cada dia que passava, seu sorriso ficava mais *igual*? Meu celular vibrou. *Marina.* — *BELLA. EMERGÊNCIA. O CLIENTE DO CARIBE É...* A mensagem terminava aí. O coração acelerou. *Não. Não podia ser.* Três pontos apareceram. Depois: — *Luca Domani. Ele está no escritório. AGORA.* O mundo girou. Sofia dormia quando saí, mas deixei a luz do corredor acesa — *ela tinha medo do escuro, como ele.* (Cena do Reencontro – Escritório) Ele estava de pé na minha sala, as costas para mim, olhando a vista da Baía de Guanabara. Mesmo após quatro anos, meu corpo reagiu antes do meu cérebro — calor nas veias, boca seca, *desejo puro*. — *Você sumiu.* — Minha voz soou áspera. Luca virou-se devagar. **Deus, ele estava melhor ainda.** Terno preto sob medida, o primeiro botão desabotoado revelando tatuagens novas. Barba mais aparada, mas os mesmos olhos que me consumiram em Dubai. — *Isabella.* — Meu nome na boca dele foi um soco no estômago. — *Pensei que a maternidade te deixaria mais dócil.* **Ele sabia.** — *Que merda você quer, Luca?* — Avancei, o ódio e algo mais perigoso fervendo em mim. Ele sorriu, aquele sorriso de quem sempre vencia. — *Você. Minha filha. O pacote completo.* — Jogou um envelope na mesa. Fotos. *Sofia.* No parque, na escola, comigo. — *Pensei em processar pela guarda. Mas preferi negociar.* — *Negociar?* — Gargalhei, histérica. — *Ela não é um de seus malditos resorts!* Luca fechou a distância entre nós em dois passos, suas mãos fechando meus pulsos. — *Você me roubou quatro anos dela* — rosnou, o hálito quente no meu rosto. — *Quatro anos de "papai". Você paga por isso.* Tentei me soltar, mas seu corpo contra o meu trouxe memórias perigosas. Dubai. A jacuzzi. *O elevador.* — *Como descobriu?* — sussurrei. Ele soltou um dos meus pulsos para puxar algo do bolso — uma foto minha, grávida, na porta do mesmo prédio onde estávamos. — *Sempre soube, dolcezza. Só esperei você se cansar de brincar de família sozinha.* **E então ele me deu o ultimato.** — *Case comigo. Ou lute contra meus advogados. Escolha.* (Flashback – Dubai, Última Noite) *"Fica." Luca me puxou de volta para a cama, seu corpo quente envolvendo o meu. "Só mais um dia."* *Eu ri, fingindo não sentir o coração apertado. "Você vai sentir minha falta?"* *Ele virou-me de costas, seus lábios no meu ombro. "Todo segundo."* *Mentimos ambos.* (Presente – Escritório) — *Você não a leva de mim* — gritei, finalmente me soltando. Luca ajustou o relógio, calmo demais. — *Não preciso. Ela já é minha.* — Apontou para a janela. Lá embaixo, na calçada, um homem de terno segurava a mão de *Sofia*, vestida com o uniforme da escola que ela *não usava hoje*. **Pânico.** — *O que você fez?!* — Corri para a porta, mas Luca me pegou pela cintura. — *Relaxe. Eles estão indo para meu apartamento. Onde você vai agora, se quiser vê-la.* Seus lábios encontraram meu pescoço, uma paródia de carinho. — *Bem-vinda de volta, Isabella. Corri como uma louca pelas ruas do Rio, o salto alto quebrando enquanto eu me esforçava para não entrar em pânico. *Sofia. Minha bebê.* O apartamento de Luca ficava na cobertura do edifício mais caro de Ipanema, um lugar que eu sempre evitava passar, como se o próprio endereço pudesse me queimar. O elevador dourado subiu tão rápido quanto meu batimento cardíaco. Quando as portas se abriram, ouvi o som que mais temia e mais amava no mundo: — *Mamãe!* Sofia correu em minha direção, seus cachos castanhos balançando, vestida em um vestidinho azul *que eu nunca tinha visto antes*. Atrás dela, Luca estava de cócoras, ajudando-a a segurar um sorvete que já derretia entre seus dedinhos. — *Olha! O papai me deu sorvete de chocolate!* — ela gritou, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. Meu corpo congelou. *Papai.* Ela *sabia*? Luca levantou-se devagar, seus olhos verdes—*os mesmos dela*—fixos em mim, desafiadores. — *Ela me reconheceu na hora* — ele murmurou, baixo o suficiente para só eu ouvir. — *Disse que eu tinha os olhos da princesa do filme dela.* — *Você não tem direito* — gritei baixo, agarrando Sofia contra mim, cheirando seu cabelo para me acalmar. *Cheiro de baby shampoo e agora, infelizmente, sorvete.* — *Tenho todo direito* — ele respondeu, passando por mim para pegar seu whisky. — *E agora ela sabe que eu existo. O que você vai fazer, Bella? Mentir para ela também?* Sofia puxou minha blusa, seus olhos arregalados. — *Mamãe, ele é mesmo meu papai?* **Merda.** Luca parou de agitar o copo, esperando minha resposta. Eu podia ver o desafio em seu olhar—*ele queria que eu negasse, queria uma desculpa para me destruir nos tribunais.* — *Sim, amor* — respondi, meu coração batendo tão forte que eu temia que ela ouvisse. — *Esse é o seu papai.* Luca quase derrubou o copo. (Flashback – Noite em Dubai) *"Você acredita em almas gêmeas?" Luca perguntou, seus dedos traçando círculos em minha pele nua enquanto o sol nascia sobre o mar.* *Eu ri, virando-me para enterrar o rosto em seu peito. "Acredito em química. E a nossa... é explosiva."* *Ele virou-se sobre mim, sério de repente. "É mais que isso, Bella. E você sabe."* *Eu beijei-o para fazê-lo calar. Tinha medo do que aconteceria se ele continuasse. Se nós continuássemos.* (Presente – Sala de Estar) Sofia olhou para Luca, depois para mim, seu rostinho iluminado com uma alegria que me partiu ao meio. — *Eu sabia!* — ela gritou, pulando. — *Eu sabia que você vinha me buscar! A vovó disse que os papais sempre voltam!* Luca engoliu seco. Eu vi—pela primeira vez—além da fachada do bilionário implacável. Vi o menino que talvez um dia tivesse esperado seu próprio pai na porta. — *Sempre, principessa* — ele respondeu, a voz mais grossa que o normal. E então, como se tivesse decidido algo, ele se ajoelhou para ficar no nível dela. — *E agora que te encontrei, vou te levar para passear no meu helicóptero. Que tal?* — *SIM!* — Sofia pulou em seus braços como se eles tivessem treinado isso a vida toda. Meu estômago embrulhou. *Era assim que ele fazia? Comprando ela?* — *Não tão rápido* — eu cortei, puxando Sofia para perto de mim. — *Nós precisamos conversar. Só nós dois.* Luca estudou meu rosto, depois assentiu. — *Claro. Marina está no quarto dos fundos com ela.* — *Marina?!* — quase gritei. *Minha sócia estava envolvida nisso?* — *Ela achou que estava ajudando* — Luca encolheu os ombros, mas eu vi a satisfação em seus olhos. *Ele gostava de me ver desequilibrada.* Assim que a porta de vidro do terraço se fechou, eu me virei para ele. — *Você sequestrou minha filha!* — *Eu a busquei na escola que *eu* pago* — ele corrigiu, acendendo um cigarro. — *A mesma que você tentou esconder de mim.* — *Por que agora, Luca?* — minha voz rachou. — *Quatro anos. Quatro malditos anos e você aparece do nada exigindo... o quê? Uma família instantânea?* Ele deu uma longa tragada, os olhos fixos no horizonte. — *Eu te procurei. Um ano depois de Dubai.* — *O quê?* — *Fui ao seu apartamento no Rio. Você tinha mudado. Estava grávida e... feliz.* — Ele esmagou o cigarro, virando-se para mim. — *Decidi esperar. Até você estar pronta para me contar.* — *Isso é mentira!* — *É?* — Ele puxou o celular, mostrando uma foto *minha*, de perfil, grávida de sete meses, sorrindo enquanto comprava chá de bebê. — *Eu te segui aquele dia. Quase entrei na loja. Mas então você colocou a mão na barriga e sorriu... e eu não consegui estragar isso.* Traguei seco. *Ele sabia. Todo esse tempo.* — *Por que agora então?* — repeti, mais fraca. Luca fechou a distância entre nós, seu corpo quente contra o meu, as mãos enjaulando-me contra o parapeito. — *Porque eu te vi naquela festa de negócios mês passado. Com aquele idiota da Goldman Sachs tocando em você.* — Seus dedos apertaram meu quadril. — *E percebi que esperei tempo demais.* Seu beijo foi uma declaração de guerra—posse, raiva e desejo puro. E o pior? *Meu corpo respondeu como se esses quatro anos nunca tivessem acontecido.* — *Case comigo* — ele ordenou contra meus lábios. — *Ou eu luto por custódia total. Escolha.* Dessa vez, não havia foto no envelope. Era um contrato. **"Acordo de Coabitação e Guarda Compartilhada."** E no final, uma cláusula escrita à mão: *"Ou você fica comigo por vontade própria... ou eu te prendo a mim nos tribunais até ela fazer dezoito anos. Naquela noite, observei Sofia dormir no quarto que Luca—*maldito ele*—já tinha decorado para ela. Paredes rosas, estrelas no teto, uma estante cheia de livros *exatamente do nível de leitura dela*. Marina apareceu na porta, culpada. — *Ele me convenceu que estava ajudando...* — *Vai embora* — eu sussurrei, sem energia para brigar. Quando todos saíram, abri o contrato novamente. Havia uma última página que eu não tinha visto. Uma nota escrita à mão: *"P.S. – Você me odeia agora. Mas ainda me quer. E nós dois sabemos que essa guerra só termina de um jeito—com você gritando meu nome novamente. Assina o contrato, Bella. Eu esperei tempo demais."* Do lado de fora, ouvi o helicóptero chegando—*o tal passeio que ele prometera a Sofia*. E eu, como uma condenada, peguei a caneta.