O som do motor do ônibus soava como um zumbido interminável enquanto Laura olhava pela janela, apertando a alça de sua bolsa surrada. Seus pensamentos dançavam entre o nervosismo e a esperança. Era a última chance. Se não conseguisse esse emprego, a luz no fim do túnel ficaria mais distante.
A cidade passava em flashes ao seu lado: prédios altos, ruas movimentadas e, finalmente, as áreas mais calmas e arborizadas. Quando o ônibus parou, ela desceu rapidamente, ajeitando o cabelo preso de maneira prática. A mansão era ainda mais imponente do que parecia na foto do anúncio. Portões altos de ferro e um jardim perfeitamente aparado anunciavam o status da família para quem ela esperava trabalhar.
"É agora ou nunca", murmurou para si mesma, endireitando a postura antes de tocar a campainha.
A porta foi aberta por uma mulher de uniforme, de meia-idade, que parecia estar na casa há mais tempo do que qualquer móvel.
— Você é a Laura?
— Sim, sou eu — respondeu, com um sorriso tímido.
— Entre. O Sr. Lucas está esperando na sala.
O coração de Laura acelerou enquanto seguia a empregada por um corredor impecavelmente decorado. Quando entrou na sala, viu um homem alto, de traços marcantes e olhos intensos. Ele estava sentado em uma poltrona de couro, mas se levantou ao vê-la.
— Laura? — Sua voz era grave e educada.
— Sim, prazer em conhecê-lo, Sr. Lucas.
Ele estendeu a mão para cumprimentá-la, e Laura sentiu o calor e a firmeza de seu aperto de mão. Sentando-se no sofá, ela percebeu que ele a analisava com discrição, talvez tentando medir sua confiança ou sinceridade.
— Fiquei impressionado com sua carta de recomendação. Mas, como mencionei no telefone, cuidar de SHofia e Theo é um trabalho que exige muita dedicação. Eles ainda estão processando a perda da mãe.
Laura assentiu, lembrando-se do motivo pelo qual tinha sido tão cuidadosa ao redigir sua candidatura.
— Entendo, Sr. Lucas. Estou disposta a me dedicar inteiramente. Tenho experiência com crianças e... sei o que é passar por tempos difíceis.
Lucas pareceu hesitar por um momento, mas antes que pudesse responder, uma pequena figura entrou correndo na sala. Era Shofia, a menina de cinco anos. Seus cachos dourados balançavam enquanto ela se aproximava de Laura com curiosidade.
— Você é a nova babá? — perguntou Shofia diretamente, sem cerimônia.
Laura sorriu, inclinando-se para ficar na altura da menina.
— Talvez. O que você acha?
Shofia a analisou com olhos grandes e curiosos antes de dar de ombros.
— Você parece legal.
— Bem, acho que temos a aprovação de Shofia — disse Lucas, com um raro sorriso.
Mais tarde naquele dia...
Laura deixou a mansão sentindo que tinha feito sua melhor apresentação. Quando o telefone tocou, horas depois, ela quase derrubou a tigela de sopa que segurava.
— Laura? É o Sr. Lucas. Gostaríamos que você começasse amanhã.
Ela mal conseguiu conter a alegria, desligando e olhando para sua mãe, que descansava no sofá.
— Consegui, mãe! Vou começar amanhã.
— Que bom, filha. Fico muito feliz por você.
— Fique feliz por nós; de hoje em diante, tenho certeza de que tudo dará certo.
Primeiro dia no trabalho
No dia seguinte, Laura chegou pontualmente, trajando sua melhor roupa simples, mas limpa. As crianças pareciam animadas, especialmente Shofia, que já começava a fazer perguntas sem parar. Theo, mais tímido, a observava de longe.
Enquanto Laura ajustava a rotina, conheceu Maria, a empregada, que a ajudou a entender as peculiaridades da casa. Mas foi no final do dia que ela teve sua primeira interação com Vanessa.
A mulher entrou na sala com passos decididos, segurando uma bolsa de grife e um olhar avaliador. Ela era deslumbrante, mas havia algo no tom de sua voz que fazia Laura se sentir como um objeto sendo pesado.
— Então, você é a nova babá? — Perguntou Vanessa, com um sorriso que não chegou aos olhos.
— Sim, sou Laura. É um prazer.
Vanessa não respondeu, apenas deu uma olhada rápida nas crianças antes de voltar sua atenção para Lucas.
— Podemos conversar em particular? — Ela pediu, ignorando completamente Laura.
Lucas hesitou, olhando para Laura, mas acabou seguindo Vanessa para o escritório. Enquanto as portas se fechavam, Laura sentiu o primeiro frio na espinha. Algo naquela mulher dizia que os dias tranquilos que imaginou estavam longe de acontecer.
Já era noite quando Laura terminou de organizar o quarto das crianças. Enquanto dobrava algumas roupas, ouviu um som estranho vindo do andar de baixo. Curiosa, desceu devagar, percebendo que a voz de Vanessa ecoava no corredor.
— Você não pode confiar cegamente nessa garota! Quem sabe o que ela realmente quer? Você verificou os antecedentes dessa garota antes de contrata-la?
— Vanessa, é claro que eu verifiquei tudo antes de contrata-la, você acha mesmo que eu iria colocar qualquer uma para cuidar de meus filhos?
Laura congelou ao ouvir seu nome. Ela encostou na parede, tentando decidir se deveria confrontar Vanessa ou fingir que não ouviu. Mas antes que pudesse reagir, uma porta se abriu abruptamente, e Vanessa apareceu na sua frente com um sorriso venenoso.
— Ah, estava escutando?
Laura engoliu em seco, percebendo que seu trabalho na casa já começava a se complicar.
— Theo, cuidado! — Laura correu instintivamente para aparar o pequeno garoto de três anos, que quase derrubou um vaso enquanto brincava.Shofia, sentada no tapete da sala com uma boneca em mãos, riu alto.— Ele é desajeitado assim o tempo todo.Laura sorriu, pegando Theo no colo. Ele retribuiu com um olhar tímido, mas ela percebeu que ele já começava a relaxar na sua presença. Era seu segundo dia na mansão, e ela já estava se acostumando às personalidades contrastantes das crianças.Lucas entrou na sala naquele momento, interrompendo a calmaria. Ele parecia cansado, o terno ligeiramente desarrumado, mas seus olhos imediatamente se suavizaram ao ver os filhos.— Como eles se comportaram hoje? — perguntou, enquanto tirava o relógio de pulso.— Muito bem. Shofia é uma ajudante nata e Theo... bem, ele é um explorador — respondeu Laura com um sorriso.Lucas riu, um som raro e baixo.— Isso soa como ele.Antes que Laura pudesse responder, passos ecoaram pelo corredor. Vanessa apareceu na po
— Laura, você não tem limites! — a voz de Lucas cortou o ar da mansão com uma força que fez os ossos de Laura tremerem. Ela ficou paralisada, os olhos arregalados de surpresa e medo.A porta do escritório estava entreaberta, e ela estava ali, na entrada, com a carta de Lucas ainda nas mãos. O choque em seu rosto não passou despercebido por ele.— O que você pensava que estava fazendo, Laura? Invadir o meu escritório e mexer nas minhas coisas? — ele estava furioso, a raiva estampada em cada palavra, cada gesto.Laura não sabia o que responder. A tensão entre eles tinha aumentado de uma maneira que ela não conseguia controlar. Ela nunca imaginou que isso fosse acontecer tão rápido, mas o erro estava feito. A carta que ela havia encontrado parecia ser uma lembrança da falecida esposa de Lucas, e a curiosidade a havia empurrado para ali. Ela sabia que não era o certo, mas, naquele momento, tudo o que ela queria era entender mais sobre aquela família, sobre Lucas, e sobre o que realmente a
O estalo da porta foi como um eco cortante que reverberou pelos corredores da mansão. Laura congelou. O barulho não parecia ter vindo da parte de cima da casa, onde ela estava com as crianças, mas do andar de baixo. Uma sensação de alerta percorreu sua espinha.Ela olhou para o corredor vazio e, sem hesitar, saiu do quarto das crianças. Seus passos eram silenciosos, mas a tensão estava clara em cada movimento. O que estava acontecendo ali? Desde que chegara, algo parecia estranho na casa. A noite, que sempre trazia uma calmaria ilusória, agora parecia sombria e ameaçadora. E aquele som... Ele não era normal.Enquanto descia as escadas, um flash de memória a atingiu — a discussão entre Lucas e Vanessa mais cedo. Os gritos. As palavras cortantes. Algo não estava certo entre eles, e ela estava começando a perceber que havia muito mais por trás daquela fachada perfeita de uma família feliz.Chegando ao final da escada, ela se escondeu nas sombras do corredor, perto do escritório. De onde
— Volte para o quarto e fique com as crianças, Laura. Eu cuido disso. — A voz de Lucas era cortante, deixando claro que aquilo não era um pedido, mas uma ordem.Laura hesitou, mas assentiu lentamente. Não era o momento de discutir. Ele desapareceu rapidamente pelas escadas, a tensão estampada em cada movimento. Ela tentou se convencer de que deveria obedecer e voltar para as crianças, mas a curiosidade era mais forte. Algo estava acontecendo naquela casa, algo maior do que ela podia entender, e ela precisava saber o que era.Movendo-se silenciosamente, Laura desceu atrás de Lucas, mantendo distância suficiente para não ser notada. Quando chegou perto do escritório, viu a porta entreaberta e o som abafado de vozes exaltadas.— O que está fazendo com isso? — Lucas perguntava, a voz grave e carregada de frustração.— Isso? — Vanessa respondeu, com um tom de ironia cortante. — Estou tentando entender como você deixou isso aqui, tão à vista. — A palavra "isso" foi acompanhada de um som de
O amanhecer trouxe uma mistura de alívio e peso ao coração de Laura. Ela havia passado a noite inteira acordada, revendo sua decisão. Era o melhor a ser feito. A tensão naquela casa não era mais sustentável, e sua família precisava dela.Ela respirou fundo ao descer as escadas. O silêncio ainda pairava pela mansão, mas ela sabia que, em breve, todos estariam acordados. O café seria servido, as crianças correriam pela casa, e, naquele momento, ela precisaria se despedir.Ao entrar na cozinha, encontrou Maria já ocupada preparando o café. A governanta ergueu os olhos e sorriu de leve, mas sua expressão logo mudou ao perceber a bolsa pequena ao lado de Laura.— Você vai embora? — perguntou Maria, baixando o tom de voz.Laura assentiu, tentando sorrir.— Sim. Chegou a hora.Maria suspirou, enxugando as mãos no avental.— Vou sentir sua falta, Laura. Mas você sabe o que é melhor para você.Laura queria responder, mas foi interrompida por passos apressados no corredor. Shofia entrou na cozi
Laura colocou a última peça de roupa de volta no armário, respirando fundo para acalmar a tempestade de emoções que sentia. O reencontro com as crianças havia sido avassalador, mas ela sabia que ainda tinha muito o que resolver. Ao fechar a pequena bolsa, um som inesperado a trouxe de volta ao momento.Toque, toque, toque.A batida na porta a fez gelar por um segundo. Assim que abriu, Lucas estava ali, imponente como sempre, mas com um olhar que misturava seriedade e algo mais que ela não conseguia decifrar.— Laura, precisamos conversar.Ela assentiu, dando um passo para o lado para que ele entrasse. Lucas caminhou até o centro do quarto, as mãos nos bolsos, enquanto Laura encostava a porta.— Eu sei que você está passando por um momento difícil — começou ele, a voz baixa, mas carregada de intenção. — Mas preciso entender exatamente o que está acontecendo.Laura respirou fundo, tentando organizar os pensamentos.— Sr., eu não estava planejando contar isso, mas minha mãe... — Sua voz
— Chegamos, senhorita Laura. — A voz calma do motorista cortou o silêncio.Laura olhou pela janela, respirando fundo ao reconhecer a casa simples onde cresceu. As luzes da sala estavam acesas, lançando sombras familiares pelas cortinas gastas. Ela agradeceu ao motorista e desceu do carro, sentindo o coração pesado enquanto atravessava o portão enferrujado.No banco da frente, o motorista observava, mas não disse nada. Ele sabia que aquela visita tinha um peso maior do que aparentava.— Laura! — A voz de Davi, seu irmão mais novo, ecoou quando ele a viu na porta. — Você está aqui!Ele correu para abraçá-la, e Laura retribuiu com força, percebendo como ele estava magro.— Como estão as coisas, Davi? E a mamãe? — perguntou ela, olhando além dele para o corredor que levava ao quarto da mãe.Davi hesitou, mas finalmente respondeu:— Não muito bem. Os remédios estão acabando, e o médico disse que ela precisa de cuidados constantes.O peso das palavras caiu sobre Laura como uma avalanche. El
— Lucas, precisamos conversar agora! — A voz de Vanessa ecoou pela sala de estar, cortando o silêncio da casa.Lucas, que acabara de descer para buscar um café, parou na escada e olhou para ela, cansado.— Vanessa, não é o momento. As crianças acabaram de dormir, e eu não quero discussões.Ela se aproximou rapidamente, o som dos saltos batendo contra o piso de madeira.— Não é uma discussão, Lucas. É uma questão de prioridade. Eu sou a mãe do seu próximo filho, ou isso já não significa nada para você?Ele passou a mão pelos cabelos, visivelmente incomodado com a intensidade dela.— Claro que significa. Mas você precisa parar de usar isso como um trunfo a cada conversa. Eu estou tentando lidar com muitas coisas ao mesmo tempo.— Muitas coisas? — Vanessa cruzou os braços, a raiva evidente em seus olhos. — Ou apenas uma coisa: Laura.Lucas estreitou os olhos, sua paciência finalmente chegando ao limite.— Vanessa, isso é ridículo. Você está tentando transformar Laura em um problema que e