KALEL
. . A vida é feita de escolhas, já ouvi isso uma centena de vezes, eu só não esperava que a vida fosse tão covarde comigo ao ponto de me obrigar a fazer uma escolha da qual eu jamais deveria fazer, sim, ela me obrigou, pois isso jamais teria acontecido se ela não tivesse colocado Sofia Hazel no meu caminho. Valentina: Tá falando sozinho papai? Saio de um transe profundo e sufocante, olho pra porta e vejo a minha filha com um olhar intrigante em minha direção, e ao lado dela estava o demônio, a razão de toda a minha perturbação. — Desculpe meu amor. Eu estava pensando alto. Valentina: Algum problema papai? Estou notando que o senhor anda um pouco preocupado. Rapidamente olhei pra amiga dela, que exibia uma saia rodada minúscula, e uma camiseta com um decote revelador, e quando os meus olhos encontraram os dela, pude notar que aquela era mais uma das milhares de formas que ela encontrou de chamar a minha atenção. — O meu problema é grande demais pra você resolver querida. Falei desviando o olhar pra uma pilha de papéis em cima da minha mesa. Valentina: Posso lhe ajudar com algo? — Não, até porquê são assuntos meus. Valentina: Então tá bom, eu estou indo pro jogo, vamos no carro da Sofia, depois ela me trás de volta. Voltei a olhar pra Sofia, que desde o momento que entrou no meu escritório, não disse nenhuma palavra, mas em compensação, a cara de safada dela não negava as suas reais intenções. — Acho melhor o motorista levar você, daí a sua amiga não precisa ter o trabalho de trazê-la. Falei tentando evitar que a Sofia ficasse inventando desculpas pra voltar em nossa casa. Sofia: Não é nenhum trabalho, Tio Kalel, eu aproveito e passo a noite aqui, já que amanhã é sábado e não temos nenhum compromisso. Ela era a única amiga da minha filha que não me chamava de Seu Kalel, e sim de Tio Kalel, e isso me deixava ainda mais incomodado. A ideia de tê-la dentro da minha casa, principalmente a noite, já me deixava perturbado. Eu optei por ficar em silêncio, de nada adiantaria debater sobre a presença dela em nossa casa, isso só iria deixar a Valentina ainda mais alarmada com a minha atitude. A última vez que tentei evitar que a Sofia não viesse mais aqui, eu acabei me passando por um pai desalmado e sem coração e isso acabou provocando uma briga entre eu e minha filha. Tudo o que eu menos queria era que a Valentina pensasse que tinha um pai safado e inconsequente, embora eu tivesse plena convicção que esses adjetivos seriam usados facilmente pra descrever a amiga dela. Valentina: Estamos indo. Minha filha deu a volta na minha mesa e me beijou no rosto e saíram as duas, mas a Sofia fez questão de olhar pra trás e dar uma piscadela pra mim antes de sumir da minha vista. Eu sou um homem sério e maduro, mas depois que perdi a minha esposa pro câncer nunca mais me envolvi com ninguém por mais de uma noite, a Valentina ainda tinha dez anos quando a mãe dela partiu, nos deixando uma casa grande e vazia, além do enorme buraco em nossos corações. Levamos anos até nos recuperarmos e a casa voltar a ser um lugar de amor e alegria. Confesso que criar uma criança e passar pela fase da adolescência sem o apoio de uma mulher, me fez por muitas vezes questionar se eu era um bom pai, mas acho que apesar dessa ausência materna eu me saí muito bem, afinal a Valentina nunca foi presa, e eu nunca precisei sair de madrugada atrás dela, muito menos tenho um neto correndo no meio da casa, como já vi acontecendo com amigas próximas a ela.