Annelisse FramptonEle me chamou de puta barata.Essas palavras ainda ecoam na minha cabeça como uma sentença. Fria, precisa e mortal.Quando ele disse aquilo, algo dentro de mim se partiu e não foi o orgulho. Foi pior, foi o amor. Ou o que restava dele.Eu fiquei ali, parada, tentando manter o sorriso, fingindo que não doía, que não me destruía por dentro ouvir o homem por quem eu teria queimado o mundo me reduzir a nada. Mas por dentro… por dentro eu sangrava. O coração latejava de raiva, vergonha e desejo, tudo misturado. Porque, Deus me perdoe, até humilhada, eu ainda o queria.

  O jardim estava banhado pela luz suave do entardecer, aquele tipo de luz que parece nascer cansada, como se o sol também soubesse que certas horas do dia não nasceram para a alegria. A chuva ainda caia de maneira torrencial. Cada passo que dei em direção à casa parecia mais pesado que o anterior. O coração latejava nas têmporas, um compasso dolorido que misturava medo, vergonha e o desejo desesperado de apenas ser acolhida, de ouvir uma voz que me chamasse de filha e me fizesse esquecer, nem que fosse por um instante, a mentira que vinha carregando nas costas.O portão rangeu quando empurrei, o som familiar me atravessou como uma memória viva. O cheiro das roseiras que papai insistia em cuidar, mesmo doente, encheu o ar. Havia ali o perfume da infância, das manh

 Lucca FerraroA porta da mansão se fechou com um estrondo que reverberou pelos corredores como o eco de um trovão. O som do impacto ainda vibrava no ar quando percebi que o silêncio seguinte era mais ameaçador do que qualquer grito.Giovanna estava no centro do salão, imóvel, com os olhos faiscando com uma fúria que parecia conter séculos de ressentimento. O som dos saltos dela no piso de mármore era o compasso da própria indignação, firme, ritmado, implacável.Eu mal havia dado dois passos para dentro quando a voz dela me atingiu.— Você perdeu completamente a noção, Lucca! — o grito cortou o ar como uma lâmina. — O que você fez ho

 Clara VasconcelosO vapor quente tomava o banheiro inteiro, como se quisesse esconder o mundo lá fora. A névoa se movia lentamente, dançando entre os azulejos e o espelho embaçado. Eu fiquei parada, imóvel, com a toalha ainda nas mãos, observando o reflexo trêmulo da mulher que me encarava. Pálida. Cansada. Quase irreconhecível.A água escorria pelos meus cabelos, descia pelo rosto e se misturava às lágrimas que teimavam em não cessar. Eu já não sabia onde terminava a dor e começava o cansaço. Tudo parecia uma mistura de peso e vazio.Giovanna estava ali, silenciosa, paciente, com aquela presença que não precisava de palavras. Ela ape

Clara VasconcelosO beijo de Lucca ainda queimava nos meus lábios.Era como se todos os anos de silêncio, culpa e amor reprimido tivessem se concentrado ali, entre o toque da boca dele e o som distante da chuva. Aquele beijo pedia perdão e, ao mesmo tempo, prometia o impossível, o tipo de promessa que só o amor verdadeiro, mesmo ferido, é capaz de fazer.Ele levantou uma das mãos e a levou até meu rosto, os dedos roçaram minha pele com uma ternura que me fez estremecer. A diferença entre o tamanho da mão dele e a delicadeza do gesto me fez sorrir por dentro. O polegar deslizou pela minha bochecha, num carinho lento, quase hipnótico.Fechei os olhos por um instante, sentindo o coração bate