— Eu vou também — Suze anunciou, decidida.— Não vai de jeito nenhum!— Vou sim! — ela estava assustadoramente determinada.— Suze, nem pensar.— Você já me roubou o seu primeiro encontro lésbico adolescente há anos. Me recuso a perder esse também!— Isso é inacreditável — cedi. Ela me atormentaria pelo resto da vida se eu a impedisse. E, para ser sincera, por mais contraditório, a presença azucrinante dela costumava me acalmar. — Não temos mais 15 anos, você sabia disso?— A culpa é sua por ter levado tanto tempo para aceitar sua sexualidade — ela balançou os ombros sob meu olhar furioso. — Anda. Vamos achar alguma coisa legal para vestir.— Vou me arrumar em casa. Quando terminar, passo aqui e te pego — levantei do sofá e fui em direção à porta.— Nada disso! Você não tem um encontro há dezessete anos. Não tem a menor chance de eu deixar você se arrumar sozinha. Hoje em dia, não dá pra combinar jeans com qualquer coisa e achar que é um look aceitável pra uma sexta-feira à noite — el

No metrô, Suze sentou num banco vazio. Liz e eu ficamos em pé. Eu não estava acostumada com o trem e quase caí em cima dela na primeira parada. Ela passou as mãos na minha cintura supostamente para me segurar e deixou a mão ali. Até o desembarque. Cada toque dela me dava uma paz esquisita. Como se já nos conhecêssemos há muito tempo.Chegamos ao bar e uma imensa fila estava formada na porta. Liz nos guiou até o final e não pude deixar de notar sua popularidade por lá.— Hey, Liz! — uma garota gritou do começo da fila. — Vem ficar aqui com a gente.— Obrigada, estou bem aqui — respondeu, esfregando os braços, tentando se esquentar. Senti uma pontada de arrependimento por não ter trazido um casaco. —Seria o momento perfeito para usar meu lado galanteador.— Todas essas pessoas são gays? — Suze analisava a fila. — Parecem tão... sei lá.— Normais? — Liz sugeriu. — Odeio te decepcionar, mas gays são pessoas comuns.— Então eu não vou ver um homem gostoso de cueca de couro com plumas rosa

Depois do relato dela, fiquei envergonhada. Mesmo assim abri meu coração. Falei sobre o casamento falido, da falta de desejo no sexo com Raul, do interesse por mulheres que reprimi e tratei como mera admiração, do abrupto divórcio, da minha débil e desastrosa saída do armário mais cedo encolhida no sofá de Suze, da forma como senti a liberdade de aceitar minha possível sexualidade e como a vontade de experimentar vinha crescendo em meu peito nos últimos dias. Mais precisamente depois do nosso encontro na escola. Essa parte, claro, escondi dela.— Você foi muito corajosa, Jennifer — Liz falou e eu neguei com a cabeça.— Escondi meus sentimentos durante uma vida. Isso foi tudo, menos coragem.— Assumir um desejo nunca é fácil. E quanto mais tempo você luta contra ele, mais difícil fica.— Obrigada. Ainda tenho um caminho pela frente. Agora quero me conhecer. Entender o que sinto — concluí.— E o que você está buscando sentir nessa noite?— Quem sabe... me abrir para essa nova vida — arr

Ela deu seu habitual sorriso ao me ver. De um jeito que fazia meu estômago virar do avesso.— Olá, estranha — ela se apertou no sofá enquanto eu analisava se aquela referência ao meu filme favorito, Closer, era obra do destino. — Tudo bem?— Suze está trabalhando no bar. E isso é tudo que ela sabe fazer — entreguei o copo onde as pedras de gelo tilintavam num som hipnotizante.— Está ótimo. Quando comecei a trabalhar aqui, nem isso eu conseguia preparar — ela bebeu. — Conheceu meu tio?— Sim. E é surreal que ele tenha deixado Suze… — comecei a falar, mas fui interrompida por uma garota parada em frente ao nosso sofá.— Precisamos conversar — ela falou, e senti Liz respirar tensa ao meu lado.— Não temos nada para conversar — Liz respondeu sem levantar os olhos.— Por favor — a menina estava à beira das lágrimas e, mesmo assim, como foi impossível deixar de notar, continuava impecavelmente linda. — Só me escuta.— Malu, você perdeu sua chance de ser ouvida — Liz levantou a cabeça. A ga

No mês seguinte, eu já estava fascinada com a ideia de ter Liz na minha vida. Trocávamos mensagens o dia todo e, várias vezes por semana, encontrávamos uma maneira de encaixar seu horário de estudante/estagiária com minha rotina de mãe assalariada, para nos vermos escondidas. E mesmo trabalhando e estudando a maior parte do tempo, ela sempre dava um jeito de me surpreender, como no dia em que apareceu sem avisar na loja do meu pai, com sua inseparável bicicleta.— O que você está fazendo aqui? — perguntei, alvoroçada. Ela estava linda como sempre. O cabelo preto enrolado com perfeição nas pontas rosa e ela usava um short que deixava à mostra todas as tatuagens, as quais agora eu conhecia de cor: nos braços, duas bonecas, Alice e Coraline, tiradas de seus livros favoritos; no pulso, o nome de Lucas. Ela ainda não havia me contado a história, mas graças à Suze, eu sabia que era uma homenagem ao irmão. Nas pernas, o corvo com lágrimas e a minha preferida: a caveira mexicana. — Como desco