O ex-Don repousava, vencido pelo cansaço, quando ouviu três leves batidas à porta. Seus olhos cansados se abriram devagar, e a voz grave saiu entrecortada:— Entre…A porta rangeu suavemente, e ele viu adentrar o quarto a mãe de Sara, trazendo uma pequena cesta de vime, seguida de Helena, a irmã mais nova. Helena foi a primeira a se aproximar, os olhos atentos como os de quem enxerga além da carne. Bastou um olhar para diagnosticar:— O coração dele está muito inchado… — murmurou à mãe, mas em voz firme para que ele também escutasse. — E há inflamação nas articulações. Se não fizermos nada, ele não passa de quinze dias.O ex-Don ergueu uma sobrancelha, sem surpresa, mas com resignação. Porém, a cigana mais velha abriu a cesta e retirou um pequeno frasco de vidro âmbar.— Trouxe minha bebiragem. — disse com serenidade. — Ela vai ajudar o coração a desinchar, a aliviar as dores. Mas não basta só isso: precisamos de massagens, calor nas arti

Baran ficou em silêncio por um instante após bater no peito. O gesto cigano, forte e solene, não era apenas um sinal de respeito — era um juramento. Enzo sentiu o peso daquilo. Um juramento cigano não se quebra.Ele respirou fundo e disse:— Então, vamos começar. Quero ver, com seus próprios olhos, quem serve para estar ao nosso lado.Dois soldados foram chamados imediatamente. Em fila, os homens da casa começaram a entrar no pátio, um a um, como peças de xadrez aguardando avaliação. Eram mais de vinte, todos veteranos, homens que já haviam servido ao antigo Dom e que agora se curvavam diante da nova liderança.Baran observava cada um em silêncio. Seu olhar verde, penetrante e quase inquietante, fazia os soldados desviarem os olhos. Ele não precisava perguntar nada, não precisava trocar palavras. Bastava fitar os rostos, os gestos, o peso da respiração.— Esse — disse ele, apontando para o primeiro. — Esse é leal, mas tem medo. Vai obedecer se

O galpão ficou em silêncio quando Don Vitório entrou e parou no fundo, em pé, como um paredão de granito. Mateu tomou lugar à sua esquerda; Enzo, à direita. Cem homens, alinhados em quatro fileiras, olhos à frente, punhos fechados. O ar cheirava a óleo de arma e a nervosismo.Enzo deu um passo à frente, a voz limpa, cortando o espaço:— Agora que você escolheu os nove, precisamos de mais trinta. Vamos colocar cem homens à sua frente e você vai selecionar trinta. E vai me dizer por que eles entram, o que falta e o que precisa ser aperfeiçoado. Comece.Baran assentiu, sem pressa. Caminhou até a primeira fileira. O silêncio mudava de temperatura à medida que ele passava; alguns encaravam, outros temiam o contato dos olhos do cigano.Parou diante do primeiro. Observou as mãos, o queixo, a coluna. Tocou-lhe o ombro.— Esse. — Virou-se para Enzo. — Ombros soltos, respiração na cadência certa. Não treme sob pressão. Falta aprender mão fraca no tiro e econ

O escritório após a ligaçãoVitório pousou o telefone devagar, os olhos semicerrados como quem calcula os próximos vinte passos à frente. O silêncio se instalou no escritório, até que Enzo, que estivera escutando cada palavra, levantou-se bruscamente da poltrona.— Não, não, não… o cigano não estava certo. — ele passou a mão pelos cabelos, incrédulo. — Quer dizer que agora eu vou me casar também?!Vitório, com sua calma letal, respondeu como se estivesse comunicando o óbvio:— Vai.— Com quem?!— Com a irmã do Yuri.Enzo arregalou os olhos.— A irmã do Pakhan?! Mas ela só tem dezoito anos!Vitório soltou um suspiro curto, quase de impaciência.— Sim. Farah tem dezoito. Não tem maturidade, mas isso não importa.Mateu, sentado no braço da poltrona, lançou um assobio baixo, divertido.— Parece que o destino resolveu brincar contigo, Enzo.Vitório ignorou o comentário do irmão e prosseguiu:<

Depois da saída da SarahEnzo explodiu, levantando-se da cadeira e passando as mãos pelos cabelos, completamente irritado:— Desde que você trouxe essa cigana pra cá, Vitório, nós não temos mais segredos! — a voz dele estava carregada de frustração. — A mulher sabe de tudo! Será que esse pessoal que morreu fica fofocando no ouvido dela? Porque não é possível. Tudo, absolutamente tudo, ela descobre.Vitório apenas o encarava, sério, sustentando o peso do silêncio.— O outro irmão dela já tinha me dito: “vai com o Dom que você vai ter uma surpresa”. — Enzo gesticulava, nervoso. — E não é que a surpresa veio? Ela entrou aqui, na maior naturalidade, e falou tudo. Até coisa que você ainda não tinha me dito. Você ainda nem tinha me contado desse prazo de trinta dias, não é, Vitório?Vitório cruzou os braços, assentindo devagar.— É verdade. O Yuri me disse que em trinta dias a irmã dele chega.— Pois pronto! — Enzo apontou para a p