O som suave do ranger da porta fez Rafael hesitar. A luz da manhã filtrava pelas cortinas do quarto de Lily, revelando uma cena que o pegou completamente desprevenido. Ali, aninhadas sob o cobertor, estavam Ana e sua pequena sobrinha, abraçadas, dormindo suavemente. Lily com a cabeça no ombro de Ana, e Ana com um braço protetor em volta da menina. A imagem era de uma ternura avassaladora, uma quietude que contrastava com a tempestade que ele havia enfrentado na noite anterior.Dentro de Rafael, algo começou a se mover. Uma sensação morna e familiar, que ele tentava, a todo custo, manter trancada. Era o medo de dar um nome a esse sentimento, o pavor de se deixar cegar novamente. A lembrança de sua ex-noiva, a mulher que o havia magoado profundamente e, pior, que permitira que Lily sentisse essa dor, ainda era uma ferida aberta. Ele havia jurado a si mesmo que jamais se permitiria ser iludido por sentimentos românticos de novo, que protegeria seu coração e, acima de tudo, o de sua sobri

Muitos dias se arrastaram, cada um se confundindo com o anterior. Pedro se atirou de cabeça no trabalho, buscando no excesso de reuniões e relatórios uma fuga da própria realidade. Mas a rotina, antes um refúgio, agora era monótona. Ele se sentia entediado e cansado, uma exaustão que ia além do físico.Começou a sentir falta de pequenas coisas. A forma como Ana sempre deixava uma xícara de café fresco em sua mesa logo pela manhã, sem que ele precisasse pedir. A leveza com que ela organizava suas roupas, tudo no lugar certo. A maneira como ela se lembrava de suas reuniões importantes e discretamente deixava um bilhete de "boa sorte" em seu bolso. O silêncio quando se retirava para o anexo agora era gritante, a ausência de sua presença acolhedora, que antes ele nem notava, pesava como uma tonelada. Ele sentia falta até da voz dela perguntando sobre o dia, dos seus pequenos gestos de carinho que estavam sempre ao seu redor.No meio do expediente, Antônio entrou no escritório, com um sorr

Pedro mal conseguia respirar. A cabeça latejava, e as palavras do Dr. Almeida giravam em sua mente como um furacão. Grávida. Sofia. Um bebê dele. Ele se sentia como um barco à deriva em um mar revolto, sem bússola e sem velas. O Dr. Almeida observava Pedro com uma expressão de serena compreensão. _ Sr. Ramos, começou ele, sua voz calma e ponderada, sei que este momento é de grande turbulência emocional para você. Passar por isso,vendo alguém que você gosta se machucar. No entanto, permita-me dizer que a conexão que você tem com Sofia é evidente. Eu, como médico dela, tenho sido testemunha de muitos momentos que sugerem um profundo sentimento. Pedro ergueu a cabeça, atônito. _ Sentimento? Doutor, eu... eu não amo a Sofia. Isso foi um erro, um deslize. Eu tenho uma esposa... O Dr. Almeida sorriu gentilmente, um sorriso que Pedro achou irritantemente benevolente. Sr. Ramos, o amor nem sempre se manifesta da forma que esperamos ou idealizamos, bem não é o ideal,mas talvez deva repen

O dia da audiência chegou. Ana acordou com uma mistura de apreensão e uma inegável sensação de alívio. Vestiu-se com cuidado, escolhendo um conjunto confortável para estar em casa, mas que ainda assim a fizesse sentir-se preparada para o embate final. Ela se sentou em frente ao seu computador, o coração batendo forte, mas a mente focada.No fórum, Dr. Albuquerque chegou pontualmente, a pasta de documentos na mão e um notebook sob o braço. Ele cumprimentou o oficial de justiça e entrou na sala de audiência. Pedro já estava lá, sentado à mesa oposta, pálido e com uma expressão tensa. Ao lado dele, havia um pequeno buquê de rosas vermelhas, dissimuladamente escondido. Ele esperava ver Ana, convencer a juíza e, talvez, fazer um último apelo à esposa.A audiência começou. O juiz, um senhor de semblante sério, mas justo, abriu a sessão. _Dr. Albuquerque, a parte autora, Sra. Ana, está presente?_ Sim, Meritíssimo. A Sra. Ana participará remotamente, via Google Meet, respondeu o advogado, a

A porta do Fórum se fechou com um eco surdo atrás de Pedro, um som que parecia selar seu destino. O ar da rua, antes um alívio, agora parecia pesado, carregado de uma umidade que o sufocava. Ele mal se lembrava de ter chegado ao carro, seus passos eram automáticos, um corpo em movimento sem alma. O choque ainda o dominava, uma névoa densa que obscurecia a realidade. Como tudo desmoronara tão rápido? A audiência, com Ana apenas um rosto distante na tela, sem o calor, sem a possibilidade de um último apelo, havia sido um pesadelo digital. Ela não estava ali para ver seu desespero, para sentir o peso de suas súplicas. A indiferença dela, a forma como Ana parecia ter simplesmente apertado um botão para deletá-lo da vida dela, atingiu Pedro com uma força devastadora. Era uma frieza que beirava o narcisismo, uma desconexão que o deixava vazio.Sua raiva por Sofia fervilhava, um incêndio incontrolável. "De novo!", ele rosnava para si mesmo, os nós dos dedos brancos no volante. Sofia, a etern