Capítulo 1

MISSÃO

“Vamos, não se preocupe, meu irmão,

neste mundo todos somos os mesmos.

Nós devemos encontrar a paz.”

Don’t worry – Playing for Change

— Chega, Parker, todos conhecemos a história. Estávamos lá, lembra? — Macon resmungou, voltando sua atenção para as terras avermelhadas que em breve tocariam seus pés.

— Ora, meu amigo! Por que o mau humor? — Parker questionou, rindo e sabendo muito bem o motivo para todo o problema de Macon.

— Porque deveríamos ir para este país com um propósito maior do que ser babá da filha teimosa do nosso superior. — Ele sabia que os amigos conheciam toda a história, mas sua frustração era tanta, que ele simplesmente não conseguia parar de repetir tais palavras.

— Correção, camarada! — Thomas exclamou, pronto para contradizer o amigo. — Nós vamos para uma missão de propósito maior, e você vai ser babá da filha teimosa do coronel. — Parker gargalhou da cara do tenente, mas rapidamente parou ao ver a expressão furiosa de Macon.

— Já passamos por tanta coisa, coisas grandes, e agora eu vou bancar a Mary Poppins? Eu deveria virar capitão, e não babá. — Novamente seus amigos riram. — Não é engraçado, porra! — sibilou com raiva. Eles sempre se sacaneavam, mas Macon não estava no espírito. Sentia-se rebaixado. Seu grande orgulho sempre foi servir sua nação, ser um combatente.

Para Macon, que havia saído ileso de tantas batalhas travadas contra o seu país e até mesmo das situações em que sua pátria ia somente “levar a paz”, não havia nada de engraçado em ser a babá de uma garota mimada que deveria estar clinicando em seu consultório, no centro de Washington, além de continuar sendo o orgulho do papai. Aquilo não era nem de perto o tipo de batalha que o primeiro tenente, em seus dez anos de forças armadas, estava acostumado.

Mal sabia Macon que não sairia ileso desta missão.

A sua missão mais perigosa.

**

Ao desembarcar do avião militar, Macon respirou profundamente o ar seco e quente do lugar, mesmo que o espaço fosse rodeado de uma mata fechada da floresta Nyungwe. Dentro dela, com toda certeza havia umidade. Ele sabia para onde fugir quando precisasse se esconder ou mesmo fugir da seca do local. Olhando para o quartel general lotado na grande área, percebeu que todos estavam instalados de forma bem confortável, levando em consideração os locais em que já teve que dormir nas missões.

Não é tão horrível quanto imaginei, pensou, analisando todo o território à sua volta. A base, de fato, era colada ao Parque Nacional Nyungwe, uma mata verde-escura e fechada, que dividia o QG do restante da pequena aldeia de Umutara.

Alguns homens que já estavam no país se aproximaram, e assim que os três amigos se identificaram, formou-se uma fila na frente dos três. Macon e Tom, os dois segundos-tenentes, notaram que não havia outro superior por perto, portanto entenderam a posição dos soldados de patente menor ao deixarem Parker para trás, uma vez que o amigo tinha uma patente abaixo — subtenente. Em seguida, se aproximaram da fila e se apresentaram.

— Você! — Começou Tom. — Apresente-se. — ordenou. Sua voz ecoou por todo o local onde estavam, e por mais que fosse a céu aberto, os soldados sentiam a força vocal do tenente. Thomas adorava ser imponente, se divertia.

— Cabo Bentley, senhor! — disse o rapaz louro e muito queimado do sol.

— Onde está o encarregado da organização?

— Resolvendo pendências burocráticas, senhor! O capitão Morth os aguarda mais tarde! — gritou o rapaz com voz trêmula.

Claro que Richard Morth não estava lá aguardando por eles. Macon nunca ia entender como aquele homem ainda servia ao exército dos Estados Unidos da América. Era um vadio, só queria saber de farra e não via problema algum em ter outros assumindo as suas responsabilidades nas missões. Aquela era uma grande oportunidade para Thomas, ele esperava por uma promoção tanto quanto Macon.

— Pois saibam que sou o segundo-tenente McCarthy! — gritou o grande homem. — E sua organização me pertence a partir de agora! — Era mentira, ele só queria deixar os soldados nervosos. Macon revirou os olhos, entediado com a atitude do amigo. — Estarei encarregado deste QG junto com o capitão, que ficará com responsabilidades mais burocráticas. E vocês... — O sorriso de Tom era sinistro ao olhar para cada um daqueles homens. — São meus! Ouvi alguma coisa? — Ele perguntou de modo zombeteiro, esperando alguma reclamação.

Thomas McCarthy era conhecido como O destruidor. Ele não era violento ou sádico, mas gostava de ver seus homens pedindo arrego. Macon apenas bufou. Sim, Tom ia ficar com a parte mais dura, enquanto o Capitão Morth estaria praticamente de férias. Todavia isso não fazia do Tenente McCarthy alguém importante. Ele seria apenas a vadia do capitão.

Tudo bem, Macon preferia ser a vadia do capitão à vadia do Coronel, naquele momento.

— Não, senhor! — gritaram todos os soldados da organização. Enquanto Thomas McCarthty e Parker Philips foram designados para a missão de Ruanda com o intuito de liderarem o grupo, Macon Kendrick estava designado a ser guarda-costas.

Não há ninguém mais em que eu possa confiar, filho, lembrou das palavras do coronel.

Pensava que era loucura m****r esses homens para tal lugar sem um bom estrategista, mas rapidamente lembrou que, até então, a presença dos Estados Unidos no país era apenas enfeite, embuste para intimidar o povo.

Apenas para colocar as coisas em ordem? Ok! Os Estados Unidos continuam pensando que são o pai do mundo, debochou Macon.

Bem, por um longo tempo, ele concordava com aquele pensamento, mas aquela missão o deixou tão azedo, que sequer compartilhava da ideia naquele momento. Se fosse pensar racionalmente, tirar o patriotismo e a revolta por aquela missão, o tenente ainda se perguntava o motivo daquela base ali. Sabia que nada era por acaso e que a guerra civil tinha terminado oficialmente em 1993, com a captura de Kigali. Levar saneamento, educação e saúde era dever da Organização das Nações Unidas, não do exército americano. Ele sabia que algo não se encaixava, e se fosse em outro momento, um que ele não estivesse sublimado pelo descontentamento da sua missão, ele provavelmente investigaria. Entretanto, em sua revolta, ele estava pouco ligando.

— Este é o primeiro-tenente Kendrick. E acredito que já tenham sido informados da sua função aqui.

— Isso não é necessário, Thomas — sussurrou Macon para o companheiro. Este se limitou a sorrir para o amigo, e Macon teve certeza de que uma piadinha besta sairia da boca do comediante.

— O Tenente Kendrick vem para guardar a preciosa filha do coronel, e agora queremos saber do seu paradeiro. — Ele olhou seriamente para os soldados antes de finalmente dizer: — Liberados para falar. — Um soldado baixo, porém corpulento, deu um passo confiante para frente. — Seu nome? — McCarthy perguntou.

— Yorkie, senhor!

— O cão? — Parker gargalhou, enquanto Macon tentava segurar o humor. Tudo bem, então, aquela parte foi engraçada.

— Não, senhor.

— Muito bem, soldado. Fale.

— Sei onde está a filha do coronel, senhor. — A sobrancelha de Tom se ergueu, e sua entonação mudou de autoritária para maliciosa antes de questionar:

— E como sabe?

— Ela é amiga de alguns soldados, senhor. — Macon não pode evitar que sua mente corresse para o lado mais malicioso da colocação do soldado, mas imediatamente tratou de espantar tais pensamentos.

— E onde podemos encontrá-la?

— Na estação médica. A doutora Bates está sempre lá, ela até mesmo dorme no local. Nem ela nem a doutora Winsor utilizam mais o QG.

Então ela estava completamente desprotegida e fora da base? Ela é louca ou o quê?

Macon passou a entender um pouco mais a preocupação do coronel e se tornou mais hostil em relação à Violet Bates.

— Dispensado — disse Thomas.

— Obrigado, soldado. — Continuou Macon. Sem dúvidas, o tenente ganharia a simpatia dos soldados, assim como sempre ganhara de todos à sua volta.

Macon era conhecido por sua gentileza. Muitas vezes era confundida, propositalmente, por Thomas, como feminilidade aflorada. Mas isso definitivamente não abalava Macon, ser cordial e um líder estavam tão fortemente arraigados nele, quanto a piada e o deboche estavam em Thomas, e a personalidade discreta e introvertida, em Parker.

Os soldados foram dispensados, e os homens se aproximaram para conversar informalmente. Kendrick começou a levantar informações sobre Violet, e depois de ouvir tanto sobre a garota, embora ainda irritado com ela, o primeiro-tenente se viu ansioso para conhecer a teimosa filha do coronel.

Devia ser uma pessoa, no mínimo, peculiar, dada a impressão boa que os soldados fizeram questão de passar aos novos lideres daquele QG. Ela tratava das enfermidades dos homens, uma gripe, uma dor de estômago, mas nenhum ali havia se machucado, não estavam em guerra. Contudo, eles afirmavam que Violet era uma leoa no que se tratava da comunidade local, ajudava em tudo o que podia. E quando não podia, roubava os suprimentos dos soldados do QG quando demoravam para entregar o que ela precisava na estação. Para o capitão, segundo os homens dele, Violet era um grande pé no saco, que se valia do fato de ser filha do coronel para conseguir o que queria. Foi inevitável para Macon simpatizar um pouco com a médica.

**

A estação médica era apenas um pouco afastada do acampamento americano, ficava exatamente na fronteira com Burundi. De fato, era muito próxima ao Lago Kivu. O Parque Nacional da Floresta Nyugwe havia sido fundado em 2004 e tinha uma extensão de 970 km² de pura floresta tropical, mas a abertura na mata e o percurso que o exército havia feito davam acesso à estação médica e também à entrada de Umutara sem quaisquer problemas. Era uma caminhada de vinte minutos sem obstáculos, como ele podia notar.

Em poucos passos, Macon já podia tomar consciência da mudança do clima de seco e quente para úmido e frio, enquanto entrava na mata fechada. Puxando o ar denso para dentro dos pulmões, na tentativa de aplacar a secura em suas vias nasais e garganta, Thomas o acompanhava em silêncio, perdido em seus próprios pensamentos. Seu laço com Kendrick e Philips era praticamente um nó, e embora Parker Philips fosse namorado da irmã mais nova de Kendrick, era ele, Thomas, o seu grande confidente.

Ele sabia que o amigo estava frustrado, Macon era aquele que mais levava a carreira militar a sério, sua vida era pautada no sucesso dentro exército americano. Sem ninguém por perto, nem mesmo Parker, Tom resolveu deixar de lado as piadas e realmente conversar com o amigo.

— Mac, não pode ser tão ruim. — Macon olhou para o amigo, identificando a empatia em sua voz, e assentiu em silêncio. — E estaremos aqui do lado. Você ficará bem, e essa garota, Violet, ela pode ser legal. — Novamente o Tenente assentiu, mas manteve-se calado. Tom sabia que ele não diria nada, então deixou por isso mesmo, e terminaram a trilha em absoluto silêncio, exceto pelos barulhos da floresta.

No momento em que terminaram a trilha e chegaram ao outro lado do parque, se depararam com a estação médica. Era organizada, e embora a quantidade de terra vermelha fosse abundante, tudo parecia limpo em volta. A casa que instalava a estação médica era branca e um pouco encardida.

Os dois se aproximaram e entraram sem qualquer cerimônia, mas parecia que tudo estava vazio. A estação era dividida em duas salas grandes e uma pequena saleta ao lado, que ele imediatamente identificou como a sala da doutora Bates. Um retrato do coronel adornava a precária mesa, e algumas folhas de receita médica e prontuários de pacientes estavam empilhados ao lado.

Saindo da estação, Macon olhou para os lados e contemplou a aldeia. A primeira casa do povoado ficava a pelo menos quinhentos metros de distância. A estação parecia solitária ao lado de um grande campo de futebol, onde algumas crianças corriam com a bola nos pés. As poucas pessoas que passavam pelos dois homens fardados os olhavam com certo desprezo, deixando claro que soldados não eram bem-vindos ali.

Uma música alta começou a tocar, e os tenentes logo identificaram que o som vinha de trás da estação. Rapidamente fizeram a volta e foram para os fundos do local. Foi quando Macon parou. Parou por completo. Tudo, suas pernas, seus pensamentos...

Seu coração.

Duas mulheres dançavam no meio de crianças. Todas estavam de mãos dadas, enquanto as duas estavam no meio da roda, dançando sem parar, girando de um lado para o outro. Uma das mulheres era loira, e a outra, morena. A loira era a imagem da perfeição, mas foi da morena que Macon não pôde tirar os olhos. Ela dançava sem sapatos, a barra da sua longa saia branca estava vermelha, devido a terra e pó que subiam toda vez que ela batia os pés no chão. Ela tinha uma criança no colo, um menino negro e muito magro. Ele chorava enquanto ela visivelmente tentava entretê-lo, sorrindo e cantando a música para ele. Macon pensou que era a coisa mais linda que ele vira em toda a sua vida.

— Por favor, senhor, me ajude. Hoje encontrei a mulher de minha vida — disse Thomas, levando as mãos para cima de forma teatral. Macon olhou para o companheiro e riu. Mas, no fundo, desejou que Thomas não estivesse falando da morena que ele colocara os olhos.

Era como um ímã ver aquela linda mulher dançando. A necessidade de estar no meio daquelas crianças era algo muito forte, mas definitivamente não era seu instinto paternal que falava mais alto. Era outro.

— De quem fala? — perguntou Macon, sem tirar os olhos da brincadeira das mulheres com as crianças. Analisou a garota de pele branquinha e cabelos castanhos escuros que sorria e gargalhava com o menino nos braços enquanto o embalava ao som da música. Era um lindo sorriso.

— Da loira! O que é aquele corpo? — Macon não percebeu, mas imediatamente relaxou, aliviado pela escolha do amigo. Mas isso foi até ele ouvir o nome dela ser chamado. No momento em que a morena virou seu rosto para a menina grávida que corria em sua direção, o ar de Macon trancou novamente em seus pulmões.

Ela era a filha do coronel.

— Doutora Bates! — gritou a menina com um forte sotaque francês.

A mulher, que agora Macon sabia bem quem era e não gostou nada do fato de ter se interessado pela filha do Coronel, virou-se para a menina, que se aproximava rapidamente. A loira mandou uma das crianças que estavam dançando desligar a música, enquanto ela explicava alguma situação à médica.

Aflita, Violet ouviu cada palavra da garota e correu para dentro do ambulatório, onde Malakias e Josias esperavam, deitados lado a lado, na mesma maca.

Ainda na rua, Macon pareceu acordar daquele feitiço e, junto com Thomas, se dirigiu para a estação médica. As crianças foram embora rapidamente do local, cada uma se ocupando de alguma coisa. Macon e Thomas entraram na estação e se deparam com um grande movimento. Não passou despercebido por Macon que a menina recém-chegada com os irmãos se encolheu na presença deles.

— Me dê a bolsa que está ao lado de minha maleta.

— Soro? — perguntou a loira para Violet.

— Sim, e Melanie... — A mulher se voltou para Violet quando chamada. — Depois veja o que os cavalheiros desejam. — Ao terminar a frase, Violet Bates fitou os olhos de Macon. Ela sorriu amistosamente e se virou para cuidar dos meninos.

Melanie saiu da estação com Thomas e Macon para dar espaço à médica.

— Dói? — perguntou ao apertar a lateral da barriga de um menino e depois do outro.

— Sim! — Malakias respondeu um pouco choroso, e Josias concordou.

— O que comeram desta vez?

Nenhum dos meninos soube responder. Mas Violet tinha uma boa ideia do que havia acontecido. As famílias eram pobres, e o calor era insuportável naquela época do ano. Sem uma geladeira em casa, era provável que os meninos tenham comido algo estragado novamente.

Ministrou o soro e entregou para a irmã dos meninos um vidrinho contendo um remédio para reconstrução da flora intestinal.

— Dê a eles de seis em seis horas. E este aqui. — Ela pegou outra caixa e entregou para a menina. — Dê de oito em oito horas para a dor. Se amanhã eles ainda estiverem vomitando, volte com os dois novamente.

A menina assentiu, entendendo o que a médica dizia, e se postou ao lado dos irmãos, na pequena e precária maca.

**

Depois de algum tempo conversando com Melanie, os Tenentes avistaram Violet saindo da estação com os meninos, que ainda gemiam, mas certamente estavam melhores do que quando chegaram. Ela deu mais algumas instruções para a irmã dos garotos e passou a mão na barriga da menina. Era plana, mas era possível perceber nitidamente que estava grávida, pela forma carinhosa com que a médica lhe acariciava. A menina formou uma carranca na face, e a mesma carranca se fez na face da médica, quando se deu conta do desgosto da menina — seu nome era Raisha.

Ela agradeceu, enquanto se afastava do toque de Violet, e se despediu junto com os irmãos, que olhavam, impressionados, para os tenentes. Já a menina sequer reconheceu a presença deles.

— Bem... — Começou Violet Bates, se aproximando. — Vocês são novos. Tenho certeza. — Melanie olhou para ela gesticulando com a cabeça, mas era difícil Violet entender seja lá o que ela estivesse tentando avisar.

— Deixe eu me apresentar, senhorita. Sou o primeiro-tenente McCarthy, sou encarregado, junto com o Capitão Morth, pelo comando do QG da Reserva. E este...

— Consigo me apresentar sozinho, tenente — impôs Macon. — Senhorita Bates, sou o primeiro-tenente Kendrick. — informou com firmeza, sem tirar os olhos da médica. Violet sentiu seu coração falhar uma batida ao ouvir a voz do belo homem à sua frente. — Fui enviado pelo coronel Bates, seu pai, para a sua segurança.

Por um momento, Violet se sentiu afogada nas águas verdes dos olhos do tenente.

Minha nossa senhora, que homem, ela se permitiu pensar por um instante antes de se deparar com a realidade.

Espera... Meu pai o quê?

— Meu pai me mandou uma babá? — cuspiu as palavras, fazendo a gargalhada de Thomas trovejar pela área aberta. Melanie tentou disfarçar a sua própria risada, mas o tenente McCarthy estava tornando tudo realmente muito difícil para que ela não gargalhasse com ele.

“Ótimo!”, pensou Macon.

— Creio que fui designado para algo mais complexo do que isto, senhorita — retrucou, acertando sua postura, olhando para o horizonte e tirando o foco do rosto angelical e sardento da mulher.

Violet colocou as mãos na cintura e estufou o peito.

— Agradeço, mas dispenso soldados. Estamos perfeitamente seguras aqui. — Era mentira, Violet só era inocente demais para perceber. O povo da aldeia não gostava muito de americanos, ainda mais aqueles que fossem filiados às forças armadas. Eles não eram violentos, mas só a procuravam quando não conseguiam mais controlar a situação em que estavam.

O pior dessa situação era que seus filhos eram levados quando a desnutrição era avançada, e com os poucos recursos, o trabalho das médicas era muito mais árduo. Por sorte, até aquele momento, não haviam perdido nenhum paciente. Violet e Melanie eram verdadeiras heroínas, e pouco a pouco, mesmo com toda a desconfiança e perigo que as rondavam, iam conquistando a confiança de alguns moradores da região ao mostrarem que sua intenção ali era apenas ajudar.

— Er... Com licença? — Thomas parou de rir, levantando o dedo indicador. — Somos tenentes, não soldados. Você sabe... Patente maior... — Ele se virou e piscou para Melanie, que deu um sorrisinho, fingindo delicadeza e acanhamento.

Pobre Thomas, mal sabia.

— Desculpem-me a indelicadeza, mas creio que meu pai está exagerando. — Concordo, pensou Macon. — Posso me cuidar sozinha. — No mesmo momento em que declarou, ela levou uma bolada na cabeça e se desequilibrou, quase caindo. Discordo, Macon voltou atrás com seu pensamento.

Foi a vez de Macon segurar o riso. Violet se virou para olhar na direção em que foi golpeada.

Dualã! Jogue longe da estação! — pediu em francês, e Macon sentiu seu estômago se contorcer ao ouvir a voz doce da médica em uma língua diferente da sua. Era sexy, e ele estava fodido se ela ficasse falando em francês perto dele com frequência.

— Estou aqui para cumprir ordens, senhorita, e é o que farei. Peço que a senhorita considere o fato de que pode me prejudicar dificultando o meu trabalho de tal forma.

Violet era uma mulher determinada, mas seu coração era inexplicavelmente bondoso. Macon não sabia daquilo, mas ao dizer que ela poderia lhe prejudicar, ganhou a batalha. Sempre sentia que devia fazer tudo para ajudar e evitar afetar qualquer um à sua volta. Olhando seriamente para Macon, ela não viu qualquer sinal de vulnerabilidade, mas ele era um militar. Mesmo que estivesse implorando, não demonstraria, e ela conhecia o pai suficientemente para saber que ele realmente poderia prejudicar aquele homem.

E também o fato de que não precisaria encontrar o capitão Richard Morth constantemente. Aquele homem lhe dava calafrios, com os seus olhares nojentos para ela e Melanie toda vez que ia fazer a cortesia de saber se estava tudo bem com a filha do coronel.

— Pois bem, soldado — disse, por fim se entregando.

Tenente! — corrigiu Thomas. Macon nem se preocupou em fazer o mesmo.

— Tenho uma exigência, se vai ficar por aqui.

— Não vamos ficar. — Macon interrompeu. — Não é seguro.

— Eu não voltarei para a base. Se quiser fazer a minha proteção, terá que ficar aqui, comigo.

— Mas...

— Com todo o respeito, soldado...

— Tenente! — Novamente Thomas corrigiu, mas continuava sendo ignorado.

— Eu acho exagerado e desnecessário esse tipo de proteção, meu pai ficou maluco. Ruanda não é um lugar tão violento.

Kendrick a olhou com espanto.

Ela é completamente insana.

Tudo bem, não havia tiroteios, carnificina ou genocídios escancarados, mas a hostilidade do país estava lá, presente e discreta, ou nem tanto, porém Macon não estava disposto a tornar aquela missão mais complicada do que já era.

— Tudo bem, eu ficarei aqui — respondeu, contrariado.

— Nada de farda também. — Ele abriu a boca para protestar, mas a mão da médica o calou. — Meus pacientes têm medo de vocês. E se vai ficar por perto, gostaria que fosse como civil. — Macon não escondeu o sorriso. Ela era pequena, meiga e educada, mas era uma coisinha exigente.

— Assim será, senhorita.

— O quê? — Thomas sussurrou, abrindo os braços. Não estava entendendo Macon.

Não havia motivos para ser hostil com o tenente Kendrick. Pelo que tinha notado, ele queria estar ali tanto quanto ela queria proteção. Então seu sorriso se abriu para o belo homem à sua frente, e Violet levou a mão em direção a ele. Macon sequer pestanejou, pegando a mão da linda garota.

Violet sentiu, naquele momento, que poderia fazer um bom amigo.

Quem Violet estava tentando enganar?

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