Capítulo 2

EVAN CHEGOU PARA TOMAR o café na sala de jantar esperando seus dois filhos e sua esposa, num bom humor praticamente inabalável – o que era raro em época de término de um romance que ele considerava seu melhor – o que era quase todos os livros.

          — Bom dia, amor – diz Evan para Denise e a beija ternamente por trás, quase um ritual diário – bom dia, meu anjo – voltando-se à sua filha, Wendy, beijando-a na testa, recebendo um sorriso com a boca cheia de pão.

          — Chegou tarde ontem, querido, aconteceu alguma coisa?

          — Encontrei o Fer no trânsito novamente.

          Denise fingiu preocupação, ela sabia que Ferdinand era obcecado por seu marido desde a cisão de sua relação, viviam brigando, talvez por culpa, Evan nunca revidou, mas também nunca evitou o atrito.

          Bem típico dele...

          – Cadê o Jullian? – Perguntou achando estranho a ausência do filho, mas já se acostumado com aquilo e continuando irritado mesmo depois de todos aqueles anos.

          Após engolir o pão, Wendy diz:

          — Deve estar na cama como sempre, papai — disse Wendy cutucando o pai contra o irmão – O senhor já o conhece muito bem, não é mesmo?

          Evan assentiu quietamente. 

          — Sabe muito bem que não gosto que fique dedurando seu irmão, querida, é uma coisa muito feia.

          Wendy falou aquilo com um lindo sorriso encantador de uma criança feliz. Ela adorava ver seu irmão encrencado com seus pais.

          — Wendy!!! – Repreendeu o pai.

           — Relaxa, papai.

          Ele lhe devolveu o sorriso sabendo ser impossível ficar bravo com ela.

          Evan e Denise por sua vez ignoravam as alfinetadas da filha sabendo que isso era completamente normal entre irmãos naquela idade, mas Evan começou a ficar impaciente e irritado com seu filho por saber que iria chegar atrasado mais uma vez ao seu compromisso diário favorito após levar as crianças para escola.

          — Jullian... – Evan gritou chamando pelo filho – Jullian... quando será que esse garoto vai tomar juízo? – Falando mais para si mesmo do que para sua filha e esposa. 

          Evan olhava para o seu relógio impacientemente e gesticulava sem parar.

          O raro bom humor daquela manhã finalmente acabou, seu filho azedara de vez seu dia, praxe que estava se tornando uma constante na rotina deles.

          Sua filha achava engraçado quando seu pai ficava bravo daquela maneira, para ela, seu pai parecia um louco brincando, mas ela só achava aquilo porque nunca tinha dado motivos para ele ficar assim com ela, mas Jullian não achava a mesma coisa.

          — Pronto... pronto... lá vem ele – disse Denise calmamente, tentando, sem sucesso, apaziguar aquela situação incômoda –, você está sendo muito rígido com o menino, ele é apenas um garoto, tenha dó, Evan. 

          — É fácil para você falar.

          — Só tente amá-lo um pouquinho mais, é pedir muito?

          — Às vezes é...

         

NINGUÉM NAQUELA CASA conseguia entender o porquê Evan nos últimos tempos vinha sendo tão rígido com Jullian, parecia que todos os seus problemas eram descontados no pobre rapaz, e se preocupando tanto com horários quase como se fosse um londrino. Todos sentiram a drástica mudança de comportamento dele. Absolutamente "ninguém" gostou daquela mudança tão radical.

          Principalmente Denise...

          Denise não encarou aquilo como "a crise dos cinco anos" de casados, nem dos dez e, muito menos dos quinze anos – que eles estavam fazendo naquele momento –, Denise sabia que isso era algo externo...

          Ela sabia muito bem...

          — Garoto ou não, ele tem responsabilidades, Denise – explodiu Evan para sua esposa enquanto olhava para o filho de longe, ou para todos que quisessem aprender a lição – ele precisa aprender a conviver com isso, o mundo lá fora não vai passar a mão na cabeça dele como você faz...

          Evan grita uma vez mais...

          —  JULLIAN!!!

          Jullian desceu correndo as escadas, seu quarto era o mais distante de todos. Evan decidiu colocá-lo lá, pois além dele ser a pessoa mais barulhenta da casa, era também um quarto completamente inabitável por outras pessoas, era uma bagunça incompreensível para todos.

          Menos para Jullian...

          — Calma aí galera, já cheguei – disse Jullian em um tom de sarcasmo ao entrar na cozinha, aquele sarcasmo irritava profundamente Evan – não se pode nem tomar um banho em paz que vocês já começam a brigar por minha causa, tudo isso era saudades é?

          — Sem sarcasmo, filho – Evan abaixou o tom de voz, mas sua voz continuava num tom de irritação, seus olhos fulminavam o filho querendo uma explicação – você já está atrasado, e como sempre... vou ter que entrar com você na escola e dar alguma desculpa esfarrapada para a sua diretora, será que você não aprende nunca? E aproveitando o assunto... você pode explicar para todos nós o porquê que ela me ligou ontem e te deu uma advertência?

          Jullian pegou uma maçã e a mordeu, estrategicamente ganhando tempo para pensar em algo.

          — Ah! Pai, ela vive no meu pé – disse Jullian irritado ao pai – não é fácil ser filho de alguém tão famoso como o senhor, gostaria de ter uma vida normal, mas ela acha que tenho que ser o exemplo da escola por ser seu filho, quando na verdade, só quero ser eu mesmo, não posso conversar com meus amigos que ela já acha que estou aprontando alguma coisa, a situação de ontem foi um desses casos que ela gosta de inventar ou aumentar.

          Jullian tentava se justificar em vão.

          — Olha filho, sei que não deve ser fácil para você isso – começou Evan tentando falar calmamente com o filho – não passei por isso que você passou, mas venho de uma família humilde, você sabe disso, meus pais não podiam me dar tudo o que dou a vocês, vocês têm de tudo na vida, deveriam dar valor a isso também, não acha?

          Evan olhava para os dois filhos sabendo que a lição deveria ser para os dois, e não apenas para Jullian.

          — Eu sei... eu sei, pai – disse Jullian se irritando ainda mais com aquela situação – agradeço por tudo que o senhor tem feito por mim, tenho certeza que a Wendy pensa o mesmo, mas é complicado, quero ter uma vida normal, sem repórteres o tempo todo enchendo o saco, sem as pessoas ficarem no meu pé para te pedir um autógrafo – Jullian olhou para o chão e explodiu de vez – às vezes dá vontade de ir morar com a vovó, sabe... lá no interior é tranquilo, vou poder sair um pouco, aproveitar bem mais minha vida.

          Jullian tentava sair daquele dilema causado por ele mesmo logo pela manhã, ele sabia que nada justificava a sua advertência na escola, mas tentava jogar com as cartas que tinha na mão.

          Wendy sorria, e se divertia com a situação, gostava de ver a saia—justa que seu irmão se encontrava, já que ela não tinha problema algum com a sua bela vida de filha do maior escritor do momento.

          — Olha filho... – disse Evan irritado, mas não tão contido quanto queria – nem pense nessa hipótese, sua avó já tem problemas demais, meu pai está muito doente, e ela não vai ter tempo para se preocupar com você também. Se nós que somos seus pais, você já nos dá um trabalho danado, imagine lá, que não vai ter ninguém no seu pé, nem quero imaginar isso. Está fora de cogitação você sair da nossa guarda, agora termine seu café e vamos logo para a escola. 

          Evan tinha um tom de voz autoritário, coisa que era quase impossível de acontecer em outros tempos, talvez nem ele mesmo soubesse o que vinha acontecendo, mas o que ele fazia fora dali não justificava a mudança com sua família.

          — Perdi a fome, vamos logo – disse Jullian irritado com aquela discussão, empurrando o prato e o copo com suco de laranja.

          Denise estava de costas para eles, quando sentiu seu celular vibrar, ela viu a mensagem.

          Ninguém notou que ela enxugou uma lágrima que caiu dos seus olhos.

          — Está bem então – disse Evan tentando dar um sorriso depois de todo aquele stress matinal – você está pronta, Wendy?

          Evan deu um sorriso carinhoso para a sua pequena.

          Ela retribuiu.

          — Estou sim, papai – respondeu Wendy. 

          Quando Evan virou as costas, ela mostrou a língua para Jullian.

          Ele fez uma careta e a ignorou.

          — Tudo bem, então – Evan fala com Denise, que continuava de costas fazendo alguma coisa em sua cozinha cheia de talheres e pratos para lavar.  – Você vai comigo ou vai no seu carro, amor?

          — Vou no meu carro... – disse Denise tentando disfarçar a voz – pode ficar tranquilo, Evan, hoje é o dia de folga da Roberta, vou dar uma organizada na casa e logo depois vou para o trabalho.

          A voz de Denise saiu um pouco forçada, como se ela estivesse escondendo alguma coisa.

          Evan tentou não se ater a esse pequeno e fútil detalhe.

          — Tudo bem então, amor... – disse Evan ignorando a ausência de afetividade da esposa naquela manhã.

          Ultimamente Evan sempre deixava passar tranquilamente as irritações de Denise, ele não tentava saber o que estava acontecendo, mas também não piorava a situação, para Evan, aquilo era passageiro e logo terminaria.

          Evan a beija por trás e se despede com um tchau, abre a porta da cozinha e sai junto com seus filhos.

          Ninguém viu as lágrimas da mulher mais infeliz do mundo naquele momento.

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