Capítulo 2

Praticamente me arrastei até a minha primeira aula, meus olhos quase se fechavam, mas segui com firmeza. Sentei no meu lugar de costume e aguardei de cabeça baixa, devo ter adormecido, pois quando me dei conta ouvi risinhos afetados e cochichos baixos.

— Ei, você!

Uma voz masculina chamou distante. Os risos se intensificaram.

Senti uma mão pousar em meu ombro e ergui a cabeça. Encarei um par de olhos esmeralda límpidos, curiosos. Meu coração acelerou em meu peito pois o rosto era tão belo quanto os olhos. A pele era alguns tons mais clara que a minha, os olhos expressivos, a boca de dar inveja a qualquer garota, suculenta. Os cílios longos o queixo pronunciado. Seus cabelos eram castanho claro, quase louros, desarrumados, mas charmosos.

— Não teve uma noite muito boa? – sua voz fez meus pelos se eriçarem, pois era profunda e grave.

— Eu... fui dormir tarde.

Que idiota. Pensei, tão logo as palavras tinham saído de meus lábios.

— Mas, não pode dormir aqui. – ele sorriu de lado, debochado.

— Claro que não.

Finalmente desperta, vesti minha mascara de seriedade e ergui meu queixo em uma posição altiva. Ignorando os risinhos e os cochichos ao meu redor.

— Podemos continuar com a aula? – seus olhos ainda estavam sobre mim.

Fiz um gesto com as mãos, indicando que que ele deveria prosseguir, e me negando a responder sua pergunta.

— Bom. – o professor metido a esperto disse – Como estava dizendo, sou Alexandre Oliveira, novo professor de Teoria Geral da Administração.

Meus neurônios não estavam todos lugar, por que demorou quase quinze minutos para que eu me desse conta de quem ele era, e quando isso aconteceu juntei meus materiais e sai da sala sem dizer uma palavra.

Ele tinha me reconhecido? Não! Ele nem sabia quem eu era, mas eu sim. Eu sabia quem ele era.

De repente foi como estar novamente no Ensino Médio, com os cochichos ao meu redor e as vozes gritando mais alto, querendo serem ouvidas. E assim como naquele dia, ele tinha surgido, se apresentado e virado minha vida do avesso.

Um beijo...

Balancei a cabeça, tinha jurado nunca mais pensar naquilo. Esquecer para sempre.

— Melissa!

Gelei no lugar, me recusando a me virar naquela direção. Quão rápido eu conseguia correr? P$#a Merda! Por que logo agora?

— Melissa! Não ouse sair correndo.

Ele sabia, ele sabia quem eu era... Que merda!

Aguentei firme onde estava, tentando manter uma expressão neutra. Ele parou diante de mim, tão alto quanto me lembrava. Como não tinha imediatamente reconhecido aqueles olhos, não tinha nada de comum dele.

— Em que posso ajuda-lo, professor ? – forcei um sorriso impessoal em meus lábios.

— Em que... – ele riu – Você quer mesmo que eu acredite que não sabe quem sou?

— Alexandre, meu novo professor de Teoria Geral da Administração.

Ele ergueu uma sobrancelha, algumas garotas da minha turma passaram ao nosso lado, os olhares cobiçosos sobre o professor. Seu silencio dizia exatamente o que eu imaginava, não queria ser ouvido.

— Nós... podemos conversar em outro lugar.

— Me desculpe, tenho compromisso. Até mais.

Dei as costas para ele e sem dar uma segunda chance de ser pega, me afastei o mais rápido que conseguia.

Chegue em casa amaldiçoando tudo e todos. De todas as faculdades, de todos os cursos, de todos os dias para eu dormir.

— Melissinha, meu anjo?

Respirei fundo. Só tinha uma coisa pior do que meu pai bêbado, meu pai sóbrio.

— Sou eu.

Seu rosto me espiou pela porta da cozinha. A barba por fazer, os cabelos desgrenhados e as roupas em péssimo estado.

Há muito tempo atrás, aquele mesmo homem, tinha sido pobre porém honesto, limpo e bem vestido. Mas, uma mulher – a mulher que ele mais amou na vida – tinha destruído ele.

— Como foi seu dia?

Já tinha deixado de dividir meus problemas com ele há muito tempo, hoje eu só sorria e dizia que tudo estava bem, mesmo que na metade do tempo não fosse nem de longe a verdade.

— Normal. Como sempre.

— Que bom querida, é bom ver que algum de nós terá um futuro brilhante.

Não. Graças a ele, eu nunca teria nada que chegasse perto de ser brilhante.

— Pai, eu tenho muito dever. Vou lá fazer minhas coisas.

Entre no meu quarto, fechando a porta.

Talvez eu devesse ter mais compaixão por ele, mas quando você passa sua vida limpando a merdas de alguém que deveria cuidar de você, não é capaz mais de ver tal pessoa com admiração.

Eu amava meu pai. E era só por isso que nunca o tinha abandonado, como seria sensato de se fazer. Mas sorrir e fingir que tudo bem ele ferrar com a minha vida? Ai já era demais.

Foi fácil deixar que meus pensamentos sobre Alexandre ou meu pai desaparecessem, enquanto me focava nos estudos.

Quando me dei conta já era tarde. Fui até a cozinha, que agora estava vazia e preparei um sanduiche com os ingredientes disponíveis.

Fora pagar minha faculdade ainda tinha que manter a geladeira e a despensa cheias, e pagar as contas. Papai, o adulto da casa, usava o pouco que conseguia ganhar com ele mesmo.

Sempre me perguntei o que ele tinha na cabeça. Como podia um sentimento destruir uma pessoa tão completamente?

Tinha meus motivos para nunca me entregar para meus sentimentos, não valia a pena. A dor, o sofrimento não valia se apaixonar por quem quer que fosse.

Escovei meus dentes, tomei um banho e fui dormir.

Sonhei com olhos verdes, bocas suculentas e beijos de fazer qualquer um suspirar.

Acordei irritada. Ele não tinha aquele direito, eu finalmente estava colocando minha vida nos eixos e lá vinha ele destruir tudo. Não. Tudo ficaria bem, eu só precisava ficar longe dele.

Tudo meu estava perfeitamente organizado para de manhã e para mais tarde. Hoje eu se quer teria tempo de ir para casa, tinha um milhão de coisas para resolver na faculdade. Então estava munida de uma mochila pesada e uma bolsa de ginastica ainda maior.

Não era a primeira, e certamente não seria a ultima vez que faria aquilo.

Para meu alivio tudo foi extremamente normal. Almocei na faculdade e me enfiei na biblioteca, atolada de trabalhos para fazer.

Quando terminei cada um deles juntei tudo o que me pertencia e sai dali. Agora precisava de um banho e por sorte a faculdade contava com um vestiário maravilhoso, que por sorte, deveria estar vazio naquele momento.

Estava equilibrando minhas duas bolsas, uma em cada ombro, quando tropecei em alguém.

— Sinto muito. – ergui os olhos, me arrependendo de imediato.

— Não é um pouco tarde para ainda estar aqui?

Meu primeiro instinto foi dizer que não era da conta dele, mas lembrei que não nos “conhecíamos” e para todos os efeitos eu era a Melissa boazinha.

— Tinha um monte de trabalho para fazer e minha internet não é tão boa.

Sua expressão, uma que eu conhecia, uma que eu odiava, invadiu seu belo rosto. Suas engrenagens estavam fazendo contas, imaginando coisas.

— Preciso ir.

Sua mão segurou um de meus pulsos.

— Vai fugir de novo? Continuar fingindo que não sabe quem eu sou?

Sorri, fingindo confusão.

— Professor, eu realmente não sei sobre o que estamos falando e agradeceria se me soltasse. Tenho que ir trabalhar.

— Trabalhar?

— Nem todo mundo tem a vida ganha.

Ele soltou meu pulso e eu me afastei. Sabia que não conseguiria sustentar aquela mentira para sempre, mas enquanto continuasse fingindo estaria segura dele.

Por que ele não podia me esquecer? Fingir que eu não existia?

Enquanto a água lavava o suor do dia, minha mente vagava. Tinha tentando enterrar Alexandre no meu passado, mas era obvio que ele ainda mexia comigo. Sempre mexeu, e agora, bem agora eu não era mais uma garota. Balancei a cabeça.

— Não. – resmunguei para mim mesma, sozinha no vestiário – Nem pense nisso. Não vai ser assim...

Coloquei uma roupa e limpa e peguei o metrô que me levaria para a Éden. Cheguei lá muito antes do meu horário, mas isso não importava. Jean sorriu ao me ver já pronta para meu show.

— Ora vejam só! Ainda falta um pouco para seu número, querida.

— Vim direto da faculdade.

— Você se esforça muito. – ele fez um muxoxo com a mão, ajeitando algumas mechas de meu cabelo no meu coque bagunçado. – Vermelho? Está ousada hoje.

— Espero que meu número seja perfeito, hoje tive um dia horrível.

— Qual o nome dele? – um sorriso atrevido torceu seus lábios cheios de brilho labial rosa de efeito matte.

— Quem disse que o problema é um ele?

— Ora, eu não nasci ontem.

— Não é nada.

— Pela sua expressão, o problema é bem mais sério do que eu imaginava.

— Não quero falar nisso.

— Você é mesmo um mistério.

— É melhor assim.

— Como quiser Scarlet querida.

Me encarei no espelho, a música já começava a tocar bem alto na boate, passei meu batom vermelho que completava “minha personagem”.

— Estou pronta.

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