Capítulo seis

Finalmente o último ano do colégio chegou, muitas coisas aconteceram nessa escola, mas não vejo a hora de me livrar de Jack e sua "galera", é claro que vou sentir falta de todos os professores que sempre foram gentis comigo, da Carmen, que não sei qual será o nosso destino depois do colégio, e vivemos sempre coladinhas, nos vemos todos os dias, e alguém muito especial, o Cristian, que saudade eu terei de suas investidas e seu olhar encantador.

Mas o que eu tenho que pensar agora é no Enem, já que não vou poder pagar uma faculdade, meus pais também não, preciso fazer essa prova novamente, ano passado foi difícil fazer a prova preocupada com Dulce, mas esse ano é a oportunidade que tenho para conseguir uma bolsa, e pretendo conseguir cem por cento, não quero que meus pais se preocupem com gastos comigo, e nada e ninguém vai me desconcentrar agora.

Dulce nos fez uma ligação a alguns meses, não sabemos como ela está e o que aconteceu, ela não se abriu e disse que tudo ficaria bem, não precisava nos preocupar, então mantemos nossa vidinha de casa, escola, fim de semana na amiga, sentindo muita falta das ligações, mas foco no Enem.

Fizemos a inscrição juntas, eu e Carmen, no computador da escola, a professora de Português, Lucélia, liberou nossa sala durante sua aula na sexta—feira, para fazermos a inscrição e estudarmos em simulados online, isso ajudaria muito, para quem realmente tem foco.

Aproveitei e pesquisei algumas universidades e cursos dos sonhos. "Será que eu conseguiria uma graduação em medicina" bom, acho melhor eu colocar os pés no chão e sonhar mais baixo, vamos de administração mesmo, depois penso em outra coisa."

—Acabou o tempo classe, vamos voltar para sala. —A professora falou alto me despertando dos meus sonhos. "Que pena, a hora passou voando, mas consegui ver alguma coisa."

—E aí Carmen, decidiu o que vai fazer depois do colégio? —Eu e minha amiga saímos conversando, com os braços entrelaçados.

—Sei lá, se eu não me casar com o Cristian, acho que vou acabar trabalhando na mercearia do meu pai, como operadora de caixa. —Carmen, toda cheia de graça fala brincando, mas parece assustada com a possibilidade.

—Ah amiga, não seja tão negativa, estou dizendo de faculdade, o que pretende fazer se conseguir uma bolsa pelo Enem? Se bem que casar com o Cristian, seria vida ganha né. —Falei e corei, ele mexia muito comigo, até o nome dele me deixava sem graça.

—Prrr. —Carmen faz um barulho com a boca, espirrando cuspe em mim. —Até parece que o Cristian ao menos me olharia nos olhos, além de pobre e desajeitada, sou muito feia, não tenho expectativas melhores, infelizmente.

—Primeiro, você cuspiu em mim. —Falo limpando a baba dela no meu braço. — Segundo, porque diz isso, você além de ser uma menina doce, simpática, é superinteligente, a aparência a gente muda com dinheiro, quem se importa de ter um cabelo sapecado de sol e poeira? E te digo mais, se caso eu tiver que me mudar para estudar, prometo de dedinho, que venho buscar você, vai morar comigo, jamais vou deixar minha amiga sozinha aqui. —Terminei de falar e dei o dedinho mindinho como forma de jura, ela correspondeu e nos despedimos, cada uma para sua casa.

Esses três meses de estudos, foram, além de sufocante, muito corrido para nós, eu e Carmen nem pensávamos mais em Jack, Dulce, ou Cristian, o foco era o Enem, voltamos todos os dias da escola formulando perguntas uma para outra, eu amava ter uma amiga com o mesmo foco que eu, assim, uma ajudava a outra.

Finalmente chegou a semana do Enem, ansiedade e frio na barriga, vontade tremenda de conseguir uma bolsa, tudo o que passei na época do CNM veio a tona, pensamentos negativos querendo me tirar o foco, e minha mãe mais doente que antes, mais reclusa, sem motivação, mas sempre me apoiava e me dava carinho.

"E se eu tiver que ir embora daqui para estudar, quem vai cuidar da minha mãe? " "E se...." "E se....".

—Ahhhh. —Dei um grito bem alto, sentada no degrau de barro, da escada da cozinha, na saída para os fundos. Meu pai entrou depressa, e desesperado.

—O que houve filha? Sua mãe está bem? —Perguntou em tom desesperador.

—Calma pai, mamãe está bem, só deitada como sempre, eu estou preocupada com ela, preocupada com Dulce minha amiga, preocupada com o Enem, faculdade, e etc..... Tudo isso está me deixando meio louca, não sei no que focar, não sei o que fazer.

—Oh filha. —Ele senta do meu lado na escadinha. —Você me assustou, mas não fique assim, as coisas nem sempre acontece como esperamos, mas é a nossa luta que nos faz forte. Meu pai sempre tinha palavras sábias no momento certo.

—Obrigada pai, você é meu herói. —Ele me abraçou, secando minhas lágrimas que escorria, com aqueles dedos surrados e pretos de graxa.

Entrei no quarto, deitei ao lado de mamãe, e a abracei ficando um bom tempo em silêncio só observando seu rosto pálido, surrado e cansado, afagando seus poucos fios de cabelos que carregava uma vida inteira de luta e trabalho, aqueles fios de cabelos ralos e grisalhos traziam uma poesia, de uma mulher honrada, honesta, batalhadora, e que tinha arrancado muitos sorrisos dos nossos rostos, hoje carregando o embargo da tristeza e da dor.

E assim, adormecemos juntas, o sono mais tranquilo e consolador que tive.

"Porque Deus permite que as mães vão embora?

Mãe não tem limite,

É tempo sem hora,

Luz que não apaga

Quando sopra o vento,

E chuva desaba,

Veludo escondido

Na pele enrugada.... "

(Carlos Drummond de Andrade)

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