Ethan Narrando
O som do despertador ecoa pelo quarto antes mesmo que o sol ouse atravessar as cortinas. Meu braço se move mecanicamente até o aparelho sobre a mesa de cabeceira. A tela pisca com uma frase que eu mesmo programei: “Mais um dia de CEO.”
— Como se eu precisasse de lembrete — murmuro com desdém, desligando o alarme.
Me sento na beira da cama, esfregando o rosto com as mãos. Não porque esteja cansado, mas por puro hábito. Descanso é um luxo que não me permito, não quando carrego uma das maiores construtoras do país nas costas. Me levanto, caminho até o banheiro e encaro o reflexo no espelho. O olhar frio. Racional. Calculista.
Escovo os dentes em silêncio. O barulho da água corrente é a única trilha sonora da minha manhã. Tomo um banho rápido, gelado. Sempre gelado. Acorda os músculos e a mente.
De volta ao quarto, o closet já está aberto. Minhas camisas estão perfeitamente alinhadas por cor e tecido. Escolho uma branca, engomada, e combino com um terno azul-marinho impecável. Coloco o relógio no pulso, ajeito a gravata. Nenhum movimento fora do lugar. Nenhuma distração.
Na cozinha, a empregada já deixou meu café da manhã servido. Café preto, sem açúcar. Dois ovos mexidos. Nada mais.
— Está tudo no seu agrado, Sr. Ferraz? — ela pergunta, numa tentativa de quebrar o gelo.
Dou um meio sorriso. Frio. Cortante.
— Excelente. Mas Gosto de silêncio nas primeiras horas do dia.
Ela se cala imediatamente. Pego a xícara de café, caminho até a varanda e observo o nascer do sol. O Rio de Janeiro ainda acorda, mas eu já estou funcionando a todo vapor.
— Enquanto eles dormem, eu cresço.
Bebo um gole do café. Quente. Forte. Como eu gosto.
Verifico o celular. Quatro mensagens de diretores diferentes. Uma reunião antecipada. Um contrato para revisar. Um projeto atrasado. Respondo tudo em menos de dois minutos. Rápido. Objetivo.
— Se querem resultados, não podem agir como amadores.
Recolho meu blazer, pego as chaves do carro e olho o relógio mais uma vez. 6h30. Hora de ir. A cidade me espera. A empresa me espera.
Mas eu só espero que ninguém tente me atrasar hoje.
Porque paciência não é exatamente uma das minhas virtudes.
Cheguei na empresa no mesmo momento em que os funcionários começavam a chegar. Aquele entra e sai típico de um dia que promete ser produtivo. Segui direto para a garagem, entrei no meu elevador privativo e fui levado até o último andar, onde fica a minha sala. O topo. Onde as decisões realmente importam.
Assim que pisei no andar da presidência, minha secretária já veio despejando compromissos como se eu fosse absorver tudo de uma vez.
— Senhor Ferraz, hoje às dez temos reunião com o conselho, às onze e meia a vistoria do prédio novo, e às quinze...
— Chega. — Levantei a mão, cortando o falatório. — Você cuida da agenda da empresa. Os compromissos pessoais sou eu quem tenho que anotar. E isso está me tirando do sério.
Revirei os olhos. Já tinha verificado minha própria agenda umas cinco vezes desde que acordei, e ainda assim, sentia que estava esquecendo de algo. Não suporto desorganização. Muito menos quando é imposta por excesso de tarefas.
— Abra uma vaga para assistente pessoal. — Falei, indo em direção à minha sala. — Preciso de alguém que não me faça perder tempo.
— Para quando o senhor quer entrevistar as candidatas? — ela perguntou, andando atrás de mim com o tablet na mão.
— Para ontem — Respondi, seco.
Ela hesitou por um segundo antes de falar:
— Senhor Ferraz, me perdoe, mas o senhor não tem tempo hoje, a não ser que seja após às oito horas da noite.
Parei. Respirei fundo. Olhei diretamente para ela.
— Pode ser até às dez da noite. Apenas o que estou mandando, preciso de resultados.
Ela apenas assentiu, claramente pressionada. Não gosto quando tentam criticar meus métodos. Muito menos quando querem me dizer o que posso ou não fazer. Eficiência é o que me move. E é isso que eu exijo de mim e dos outros.
Se alguém não aguenta o ritmo, que peça para sair. Não estou aqui para agradar. Estou aqui para comandar. E a minha agenda... vai voltar a funcionar como um relógio.
Nem que eu tenha que contratar alguém só para isso.
O jurídico estava em alvoroço. A prefeitura ameaçava embargar uma das nossas obras mais lucrativas, e, como sempre, precisavam de mim para apagar o incêndio.
Cheguei à sala de reuniões cinco minutos antes do horário remarcado. Detesto atrasos, tanto os meus quanto os dos outros. Quando entrei, todos estavam em silêncio, como se minha presença fosse o ponto final de uma discussão caótica. Sentei à cabeceira da mesa, abri meu tablet e encarei o advogado responsável.
— Me Atualize — ordenei, direto ao ponto.
Ele gaguejou no início, como sempre fazia quando estava nervoso. Informou sobre a notificação da prefeitura, mencionou uma suposta irregularidade na documentação ambiental, e depois se calou, esperando minha reação.
— Isso é um erro básico. Um erro que não admito — disse, mantendo o tom controlado, mas firme. — Quero contato direto com o secretário de obras ainda hoje. E vocês — olhei para o time jurídico — têm até o fim do dia para me entregar todos os documentos regularizados. Sem desculpas. Sem falhas.
Houve um silêncio desconfortável na sala. Gosto disso. Silêncio significa que estão prestando atenção. E quando eu falo, é bom que escutem. Não sou o tipo de CEO que se esconde atrás de palavras bonitas ou discursos motivacionais.
— Se essa obra parar, vocês param junto com ela — finalizei, me levantando e saindo sem olhar para trás.
Às Onze e Meia, saí da empresa, e fui visitar uma outra Obra, Cheguei e os engenheiros já estavam me esperando. Revisamos os últimos relatórios, percorremos o terreno, analisamos estrutura, cronograma e entrega. O cronograma segue dentro do previsto. Ainda bem. Não tolero atrasos.
— A fundação da nova ala foi reforçada conforme solicitado — disse Diego, um dos engenheiros mais antigos da equipe.
— Era o mínimo. O cliente quer luxo, não rachaduras — respondi, seco.
— Sim, senhor. Os materiais já foram testados, e...
— Quero os relatórios em minha mesa antes das 17h.
Sem sorrisos, sem tempo perdido. A obra é um reflexo da minha mente: precisa, imponente, impecável.
Almocei com os engenheiros no restaurante do clube empresarial. Conversas técnicas, objetivas, sem espaço para amenidades. Um deles tentou puxar assunto sobre futebol. Ignorei.
À tarde, de volta ao escritório, enfrentei uma maratona de reuniões. Três contratos fechados, dois novos projetos autorizados. Dinheiro circulando como deve ser. O foco é sempre resultado. E poder.
Às oito em ponto, minha secretária bateu à porta.
— Senhor Ferraz, as quatro candidatas finais estão prontas para entrevista. Analisei todas as vinte, mas essas têm os melhores perfis. Eficiência, competência e currículo impecável.
— Envie a primeira.
— Sim, senhor.
Me levantei, ajeitei o paletó e fui até a sala de reuniões.
Observei o vidro espelhado da sala enquanto esperava a entrada da primeira.