5 anos atrás
Lia caminhou de volta para casa pelo mesmo caminho que tantas outras vezes já havia percorrido. Aquela noite, ela tinha saído um pouco mais tarde do que o habitual do trabalho. Lia trabalhava como garçonete em um dos poucos restaurantes da cidade. Seu horário era das doze da tarde até as sete da noite. Naquele dia, no entanto, um grupo de turistas havia chegado e ocupado o restaurante. A proprietária havia pedido que, por favor, ela ficasse para ajudar. Ela poderia ter se recusado e nada teria acontecido, mas precisava de cada centavo que pudesse ganhar e os turistas costumavam deixar boas gorjetas. Além disso, apreciava a proprietária do restaurante e não poderia deixá-la sozinha com todo o trabalho.
Tinha que admitir que seu trabalho não rendia muito dinheiro, mas tudo que ganhasse serviria para quando fosse estudar. Precisaria de todo o dinheiro que conseguisse economizar enquanto encontrava um novo emprego na vila.
Esse seria seu último mês na vila antes de ir embora para começar seus estudos. Seu sonho estava se concretizando. Ela estudaria enfermagem em uma das melhores universidades do país. Com certeza não seria fácil estudar e trabalhar ao mesmo tempo, mas não teria outra escolha. Seus pais não podiam arcar com todas as suas despesas. Já tinham se comprometido a lhe enviar uma pequena mesada, mas isso não seria suficiente. Daí sua necessidade de trabalhar.
A ideia de chegar a um lugar novo a aterrorizava bastante, mas nunca havia se deixado abater por nada e essa não seria a primeira vez. Conhecia muito pouco sobre o lugar para onde iria; raramente tinha se afastado muito da vila. Aquela vila havia sido seu lar desde seu nascimento, dezoito anos atrás, e durante todos esses anos não havia viajado muito. Com certeza os primeiros meses longe não seriam nada fáceis.
Lia esticou os braços para o ar e balançou a cabeça de lado a lado. O tempo que havia passado parada estava lhe cobrando o preço. Seu corpo estava dolorido. Só desejava chegar em casa e se jogar na cama. Embora isso fosse impossível. Era sábado à noite, o dia de jantar em família. Não importava o que acontecesse, todos se sentavam para comer em família naquele dia.
Acelerou o passo para chegar em casa o quanto antes. Para outras pessoas, andar em seu estado poderia parecer mais cansativo, mas para ela não. Havia algo nisso que a relaxava e acalmava suas preocupações.
A brisa do mar chegou até ela, trazendo consigo o inconfundível aroma do sal, da vida marinha e das pedras molhadas. Isso seria uma das coisas que mais sentiria falta de casa. Um simples passeio no silêncio da noite. Ela, seus pensamentos e o som das ondas se quebrando.
Olhou para o mar. Suas águas enganosamente passivas se moviam na direção do vento. Desejava tanto poder mergulhar por um tempo, não seria a primeira vez, mas já estava muito tarde.
A noite estava iluminada por lampiões ao longo do caminho. Não passavam muitas pessoas naquela hora, mas Lia não se assustava. Viviam em uma vila tranquila e não havia nada a temer.
Seu celular começou a tocar na bolsa. O mais provável é que fosse sua mãe. De fato, a chamada já estava demorando demais. Lia era a única filha mulher de quatro filhos, além de ser a mais nova. Sua família sempre a havia protegido. Era quase uma surpresa que eles a deixassem ir estudar longe.
Bem, não era como se fosse uma menininha ignorante e indefesa. Lia riu ao pensar em todas as aulas gratuitas de defesa pessoal que havia recebido de seus irmãos. Eles a instruíram muito bem sobre o perigo que representavam os homens. Sempre que ela lhes lembrava que eles também eram homens, eles a ignoravam.
Parou para atender o celular. Se não atendesse agora, voltaria a tocar.
Procurou na bolsa. Sabia que estava lá, em algum lugar entre seus livros e suas roupas de trabalho.
Quando o encontrou, quase saltou vitoriosa, mas não demorou a atender.
—Estou a dez minutos —disse, sem se dar ao trabalho de cumprimentar.
—Eu te disse para levar sua bicicleta —a repreendeu sua mãe. Não era a primeira vez que ela dizia isso naquele dia. A primeira tinha sido quando Lia a chamou para avisar que chegaria um pouco mais tarde do que o habitual.
—Eu sei, mamãe. Na próxima vez, farei o que você diz.
—Isso é mentira. Você é ainda mais rebelde do que aqueles seus irmãos.
Lia soltou uma gargalhada diante da reclamação da mãe.
—Você sabe, meu instinto de competitividade me diz que tudo que eles fazem eu devo fazer melhor.
Sua mãe riu com ela.
—Está bem, só se apresse. Seus irmãos vão devorar a comida se você demorar demais.
Nenhum dos irmãos dela morava em casa. Todos estavam buscando seus próprios caminhos. Mas tentavam vir pelo menos um sábado por mês.
—Eles não se atreveriam. Não a menos que queiram que a vida deles se torne miserável —brincou.
Lia quase podia ver sua mãe balançando a cabeça de lado. Isso era o que ela sempre fazia quando tinham alguma de suas brigas infantis.
—Até logo —despediu-se sua mãe e desligou.
Ela abriu a mochila e guardou o celular. Estava com a cabeça baixa e não percebeu que um homem caminhava em sua direção até que ele a segurou pelo braço.
Lia deu um pulo e quase gritou.
—Desculpe, não era minha intenção te assustar —disse uma voz masculina profunda.
A surpresa inicial e o medo foram substituídos pela fúria diante da ousadia do homem. Olhou para a mão que a segurava e depois para o rosto da pessoa, pronta para dizer algumas palavras nada amigáveis se ele não a soltasse nos próximos segundos.
Suas intenções foram diretamente para o lixo quando se deparou com o rosto perfeito do homem.
Lia sentiu que seus pulmões estavam ficando sem ar ao vê-lo. Esperava que ele não fosse um ladrão porque estaria tão distraída que não conseguiria reagir. Embora com a roupa que ele usava, não achou que fosse possível. Ele vestia roupas casuais, mas com certeza de alguma marca que valia mais do que ela ganhava em um mês.
Voltou o olhar novamente para seu rosto. Seu charme era inegável. Ele tinha cabelos negros como a noite, uma mandíbula quadrada, pele levemente clara e olhos verdes, ou pelo menos parecia. Não podia ter certeza, já que a luz do lampião não era suficiente.
Ele deve ter notado sua extensa avaliação porque sorriu. Deveria ser um pecado sorrir da maneira que ele fazia, ou pelo menos um crime. Tinha um sorriso de lado que lhe dava um ar travesso quase infantil.
Perigo. Essa foi a palavra que lhe veio à mente. E não era o tipo de perigo para o qual seus irmãos a haviam treinado. Ou talvez sim, em algumas daquelas chatas conversas sobre o perigo dos homens e seus encantos.
Tentou lembrar se já o havia visto alguma vez, mas concluiu que não o conhecia. Podia afirmar com certeza que ele não era da vila. O mais provável é que fosse algum inquilino da Grande Casa.
A Grande Casa era uma mansão à beira da vila que pertencia a um homem rico. Ocupava hectares de terreno e tudo ali era luxo. Não que ela tivesse alguma vez tido a oportunidade de ir, mas era isso que se ouvia de quem já havia ido.
Durante as férias de verão, a mansão recebia vários hóspedes. Pela maneira como se vestiam e pelos carros que dirigiam, não era difícil deduzir que todos os convidados eram ricos. Assim como, provavelmente, o homem que ainda segurava seu pulso.
Ela se desvencilhou de seu agarrar. Sua pouca resistência em deixá-la ir lhe deu mais confiança, embora ainda se mantivesse cautelosa. Não seria a primeira vez que um homem rico vinha à vila em busca de diversão. Nunca causavam problemas, mas sempre havia uma primeira vez para tudo.
Lia ouviu as vozes de algumas mulheres que pareciam estar cada vez mais perto deles e isso a tranquilizou. Se o homem à sua frente tentasse algo, bastaria gritar e alguém a ouviria.
O homem em questão olhou para trás e então voltou a olhá-la. Desta vez, parecia um pouco desconfortável.
—Preciso que você me ajude, por favor —sussurrou. Ele devia estar acostumado a conseguir o que queria, porque ela acabara de conhecê-lo e já estava disposta a ceder ao seu pedido—. Prometo que não é nada ruim.
Ela havia perdido a capacidade de falar, apenas ficou o olhando como uma boba. Ele deve ter interpretado seu silêncio como um sim porque passou um braço sobre seus ombros e se virou para ver um par de mulheres que se aproximavam. As duas estavam vestidas de uma maneira que poderia custar uma fortuna, porque eram o verdadeiro significado de opulência. Ambas exudavam muita arrogância e Lia as achou desagradáveis de imediato.
Não tinha nada contra pessoas ricas, mas era difícil gostar delas quando te viam como nada mais do que lixo na sola de seus sapatos.
—Oh, lá está você! —disse uma delas com um sorriso no rosto; no entanto, quando viu que o homem a tinha abraçada, seu sorriso vacilou.
—Amigas suas? —perguntou em um sussurro, mas não recebeu resposta.
—Vejo que você a encontrou —comentou a mesma mulher de antes, com o cenho franzido.
Lia não entendia que tipo de circo era aquele. Estava confusa sobre o motivo pelo qual ela falava como se a conhecesse.
—Sim. Eu disse que ela estava por aqui. —Ele a olhou e sorriu. Suas pernas ficaram fracas diante daquele gesto—. Querida, eu disse que não deveria se afastar muito. Estive procurando por você a tarde toda.
—Desculpe? —conseguiu dizer.
—Não se preocupe, o importante é que te encontrei.
—Por que não vamos ao pub da cidade? Ouvi dizer que não é tão ruim —disse a outra mulher sem parar de avaliá-la com o olhar. Ao que parecia, não a achou agradável, pois fez uma careta como se acabasse de sentir algo desagradável.
Lia se tensionou diante da sugestão, não poderia ajudar o estranho mais com aquela farsa.
—Desculpe, mas minha namorada e eu temos outros planos. Talvez em outra ocasião.
Ela quase abriu a boca de surpresa. Ele lhe deu um leve empurrão para que começassem a andar e ela quase correu.
Lia não acreditava que aquelas duas mulheres tivessem aceitado as palavras do homem. Seria quase impossível pensar que os dois eram namorados. Ela mesma, vendo a situação de fora, não teria acreditado. Lia estava usando um suéter folgado, calças capri e tênis Converse. Seu cabelo castanho estava preso em um coque bagunçado. Em resumo, era qualquer coisa menos adequada para ser sua namorada.
Ele soltou sua mão quando perderam de vista o par de mulheres.
—Por sinal, meu nome é Matteo —se apresentou ele.
Lia assimilou o nome e ficou em silêncio.
—E você é? —perguntou ele ao ver que ela não ia dizer nada.
Lia pensou se seria apropriado dar seu nome a um estranho. As vozes de seus irmãos preencheram sua cabeça dizendo que não.
—Sofia —disse ela depois de um momento de dúvida.
—Você não tem cara de Sofia —mencionou ele.
Lia teve que lutar contra o impulso de dizer a verdade.
—Não sabia que os nomes dependiam de como as pessoas se pareciam —respondeu defensivamente.
—Bom ponto. Não é como se Matteo fosse um nome que combinasse com meu rosto.
Ele mostrou um sorriso brilhante e ela quase suspirou. Realmente era atraente. Mas o que mais a atraiu foi a honestidade que aquele gesto parecia transmitir.
—E então, o que te traz por aqui, Sofia?
—Eu moro aqui. Deveria ser eu a te perguntar isso.
—Certo. Minhas desculpas. Ainda estou tremendo de medo por causa daquela dupla.
A Lia pareceu divertido que ele dissesse estar assustado por causa de duas garotas.
—Não ri —disse Matteo—. Elas são realmente perigosas. Se eu não tivesse te encontrado, não sei o que teria sido de mim —continuou ele, fingindo arrepios.
Era evidente que Matteo era carismático. Ela se perguntou o que ele fazia para viver. Não importava o que fosse, com certeza ele se saía bem, pois sabia como agradar as pessoas.
—Se você diz —brincou ela, sentindo-se um pouco mais à vontade com a companhia dele.
—É verdade —disse ele, levando a mão ao peito como se estivesse ofendido—. Tentei dizer gentilmente que não estava interessado nela, mas pareciam não ouvir. Minha mãe me ensinou a ser sempre cortês, então não pude dizer o que realmente pensava. Então inventei a história da namorada e que estava a procurando. O resto você pode deduzir.
Ela assentiu.
—Bem, aqui é onde me despeço. —Matteo parou de repente e se colocou à frente dela—. Foi um prazer te conhecer e obrigado pelo que você fez antes.
—De nada, eu suponho —disse ela em um sussurro.
Lia não entendia por que seu coração estava batendo descontroladamente, nem o motivo que fazia suas palmas suarem. Eram emoções novas para ela e difíceis de descrever.
Matteo se inclinou para ela e a beijou. Ela ficou tão surpresa que não soube como reagir. Foi apenas um leve toque entre os lábios e acabou tão rápido quanto começou. Ele recuou e lhe deu aquele sorriso, que poderia ser mortal. Então, antes que ela pudesse lhe dizer algo, Matteo virou-se, cruzou a pista e se afastou rapidamente. Nem uma única vez olhou para trás.
Ela acariciou os lábios. Seu coração batia descontroladamente. Um desconhecido acabara de roubar seu primeiro beijo e, embora talvez devesse se sentir furiosa, era uma emoção completamente diferente que a invadia. Sorriu, balançou a cabeça. Tudo aquilo havia sido muito estranho.
Seu celular voltou a tocar e a tirou de seu devaneio. O efeito que Matteo havia causado nela evaporou quando lembrou que em casa a esperavam para jantar.
—Inferno! —amaldiçoou antes de começar a correr em direção a casa.