Capítulo 1

Presente

Era um erro.

Isso era tudo o que se repetia na cabeça de Lia.

Uma e outra vez.

Como mais poderia definir o fato de ter aceitado cuidar exatamente do homem que ela havia se esforçado tanto para evitar durante tanto tempo?

Ava a tinha chamado para pedir um favor dias atrás. Seria bom dizer que ela havia sido muito convincente com seus argumentos, mas ela mal disse algumas palavras e Lia já havia aceitado o trabalho.

Claro que ela precisava do dinheiro. Não tinha contado à amiga sobre sua falta de sorte em conseguir trabalho. Ava pensava que ela estava de férias, quando, na verdade, Lia nunca teve um emprego fixo, apenas havia coberto uma licença médica.

A oportunidade que a amiga lhe ofereceu não só a ajudaria financeiramente, mas também os irmãos De Luca tinham grande poder no meio e certamente poderiam lhe dar uma boa referência. Embora essa não fosse a principal razão pela qual ela se comprometeu a cuidar de Matteo, o cunhado de Ava. Quando soubera do acidente que ele teve, algo dentro dela se mexera. Ela ainda tentava descobrir o quê.

— Isso é um erro — repetiu para si mesma pela enésima vez.

Depois de se apresentar a Matteo, ela se desculpou para ir deixar suas coisas no quarto que seria seu por um tempo. Isso não deveria ter demorado tanto, mas já havia se passado mais de dez minutos e ela ainda não conseguia reunir coragem para enfrentá-lo novamente.

Ela havia deixado para trás seu pequeno encantamento por Matteo, mas isso não tornava mais fácil enfrentá-lo.

Anos atrás, ela se iludiu com o homem que lhe roubou seu primeiro beijo. Apaixonou-se à primeira vista. Depois daquele primeiro encontro, Lia esperava encontrá-lo novamente. Seus passeios pela praia aumentaram apenas com a intenção de vê-lo. Mas ele não voltou a aparecer, não até algum tempo depois e não na cidade.

Lia foi para a universidade, mas nunca o esqueceu. Algumas noites, na solidão de seu pequeno quarto, lembrava-se de seu olhar, seu sorriso e seus lábios. Mas então o dia chegava e ela seguia com sua vida. Embora fosse uma bela lembrança, ela sabia que não poderia viver presa a ela para sempre.

Então aconteceu. Um dia, ao caminhar de volta para casa, ela parou diante da imagem de um rosto, aquele que ainda estava em sua memória. Era ele. Matteo De Luca.

Ele estava na capa de uma revista muito famosa, com uma mulher ao seu lado. Ela comprou a revista só para saber o que estava acontecendo na vida dele. Pura curiosidade.

Os sonhos que, bem lá no fundo, ela havia construído a partir de nada. Eram exatamente isso: sonhos e nada mais. Mas ela ainda não conseguia esquecê-lo.

Descobriu que Matteo era conhecido por sair com várias celebridades, mas nunca durava muito tempo com nenhuma delas. Lia sempre soubera que ele não fazia parte do seu mundo, mas aquilo ficou ainda mais claro para ela. Decidiu que seria melhor guardar aquele belo lembrança e esquecê-lo. Mas algumas coisas são mais fáceis de dizer do que de fazer.

Começou a acompanhar mais de perto a carreira de Matteo, embora soubesse que não deveria fazer isso. Concentrou-se mais nos seus sucessos como empresário do que em sua vida pessoal. Como se fosse uma amiga dele, ficava feliz e celebrava cada conquista dele. Sempre se repetia que não havia nada de errado em querer saber sobre ele.

Passou um ano desde que leu o primeiro artigo sobre ele até vê-lo novamente pessoalmente.

Matteo fazia grandes doações para vários hospitais. Um desses hospitais era onde Lia fazia seu estágio na época, e foi lá que ela o viu novamente, depois de tantos anos.

Um dia, quando ela saía de um plantão noturno, ela se esbarrou nele. Matteo apenas a pegou pelos ombros e perguntou se ela estava bem, com um sorriso. Ela apenas assentiu. Depois disso, ele se despediu e se afastou, sem lhe dar uma segunda olhada.

Ele não a reconheceu.

Nunca foi tão consciente, como naquele momento, que, ao contrário dela, para Matteo aquele beijo não significara nada. Enquanto Lia, sem perceber, criava histórias românticas em sua cabeça, ele continuava vivendo. Ela percebeu o quão ingênua havia sido. Uma jovem ingênua que acreditava que um simples beijo de agradecimento significava algo mais do que isso.

Para muitos, seria estranho que um simples intercâmbio de palavras e um beijo pudessem ter mudado tanto, mas mudou. Talvez porque nunca antes ela tivesse sentido uma atração como a que sentiu por Matteo, ou talvez porque, por causa de seus irmãos, o contato com pessoas do sexo oposto havia sido limitado.

Naquele dia, sua mente se encheu de tudo o que não queria ver antes. Ele provavelmente beijava mulheres ao acaso, sem que aquilo significasse nada para ele, e ela precisaria aprender que no mundo ele não era o único homem que fazia isso. Era assim que a vida funcionava. Disse a si mesma que não era saudável continuar pensando nele como se algum dia tivessem tido uma relação. Não comprou mais revistas sobre ele e começou a sair em encontros.

Decidiu deixar Matteo no passado.

Sim, definitivamente ser enfermeira de Matteo era um erro. Mas ela precisava disso para provar a si mesma que realmente o superou, porque alguns dias ainda acreditava que não o tinha feito.

— Tudo bem aí? — A voz de Matteo, à distância, a tirou de seu devaneio.

Ela saiu do quarto e voltou para a sala. Matteo continuava no mesmo lugar onde o havia deixado, não é como se pudesse ir muito longe com uma perna e um braço imobilizados. Ele estava focado no celular, mas assim que ela apareceu, levantou a cabeça para olhá-la.

— Achei que tivesse pulado pela janela — disse ele com o sorriso travesso que ela conhecia bem.

Era aquele sorriso que tantas vezes viu nas revistas. O sorriso que ele dava para a mídia, atrevido e brincalhão. Por algum motivo, esse parecia menos sincero. Não era nada como aquele que ele lhe deu tempos atrás.

Os traços de Matteo haviam mudado com o tempo. Suas maçãs do rosto estavam mais marcadas, assim como seus traços se haviam endurecido. Toda a aparência infantil havia desaparecido dele. Exceto quando sorria. Aí, os alarmes de perigo de Lia voltavam a soar.

— Impossível estando tão alto — respondeu ela, com seriedade, sem entrar na brincadeira.

O sorriso de Matteo vacilou por um segundo, mas depois se recompôs.

— Tudo bem?

Lia o olhou sem entender.

— Me refiro ao quarto — esclareceu ele.

— Sim, está perfeito.

— Bom, preciso que me ajude a chegar ao meu quarto — ele não parecia muito feliz por ter que pedir isso—. Tentei voltar para a cadeira de rodas por conta própria, mas ainda não a domino muito bem — embora estivesse brincando, Lia pôde ver a frustração nos olhos dele.

— Melhor não se esforçar demais. Estou aqui para ajudar.

— Isso será por muito pouco tempo — retrucou ele, com um olhar irritado—. Não gosto de ter alguém no meu espaço pessoal vinte e quatro horas por dia, então não se acostume.

A reação de Matteo chamou a atenção de Lia. Todos sempre falavam sobre como ele era amável e sorridente com todos. Sempre fazendo piadas.

O homem à sua frente parecia qualquer coisa, menos amável. Mas ela entendia. Era comum as pessoas não se sentirem confortáveis quando precisavam depender de alguém. Não era a primeira vez que um paciente se recusava a receber seus cuidados.

— Desculpa? — perguntou ela, de qualquer forma.

— Estarei de pé em breve.

— Entendo sua frustração e não sei quanto tempo levará para você se recuperar. Mas até lá, terá que se acostumar com a minha presença.

Ela estava ali para cuidar dele e garantir que se recuperasse rapidamente, sem consequências permanentes. Mas não poderia cumprir sua tarefa se ele não colaborasse.

— Achei que as enfermeiras eram cheias de compaixão e sempre tinham palavras doces para garantir que tudo ficaria bem.

—Nós nos adaptamos à situação. Não acho que isso seja o que você gostaria de receber, ou será? —Ela o desafiou com o olhar. Ele não respondeu de imediato, e Lia continuou—. Isso que imaginei. Agora, vou te ajudar a subir na sua cadeira e depois te levo até o seu quarto. Tem algum problema com isso?

Matteo não disse nada, e Lia teve que segurar um sorriso. Ela se aproximou dele e, segurando seu braço saudável, ajudou-o a se levantar. Depois se colocou sob seu braço para lhe dar apoio, e Matteo deu alguns pulos até chegar na cadeira, onde finalmente se sentou.

—Você é a única pessoa que, depois do meu irmão e da Ava, não tem medo de me dizer as coisas —comentou ele, enquanto caminhavam em direção ao quarto.

—É o que tem.

Matteo soltou uma gargalhada.

—Eu gosto disso.

Lia esperava que Matteo não olhasse para ela. Seu comentário a havia feito corar.

Ao chegarem no quarto, ela deixou a cadeira de rodas perto da cama para que ele não precisasse fazer muito esforço. Como antes, a ajudou a chegar na cama.

A expressão de Matteo relaxou assim que ele se deitou. Ava havia dito que ele já tinha tomado os analgésicos antes de ela chegar. Mas, aparentemente, ele ainda sentia dor.

—Está doendo muito?

—Estou bem.

—Tem certeza?

—Está tudo bem —respondeu ele de forma ríspida.

—Eu fico menos confortável aqui do que você. Mas eu dei minha palavra e não vou embora até você se recuperar.

Definitivamente foi um erro aceitar.

—Eu sei —disse ele, resignado—. Pode passar meu laptop?

—Não —respondeu ela, firme.

—Como?

—Você está com dor. Deveria estar no hospital, se está aqui é só porque fez algum truque com o seu médico para deixar você ir. Mas não pense que, por isso, você está em condições de fazer tudo normalmente.

—Eu disse que estou bem.

—Claro, você vai ficar melhor assim que tirar uma soneca. Pode trabalhar amanhã. Hoje é domingo.

—Tem coisas que não podem esperar até amanhã.

—Claro que não, mas, de qualquer forma, vão ter que esperar —murmurou, se aproximando do rosto dele. Ela fez isso para parecer mais séria, mas foi uma má ideia. Seu coração começou a bater descontroladamente.

Ele a olhou fixamente e, por um instante, ela sentiu como se ele estivesse alcançando sua alma.

Lia se afastou, tentando esconder o que realmente sentia. Mal havia algumas horas que estavam juntos e já começava a agir de forma estranha. Virou-se, foi até a mala de Matteo, tirou o laptop de dentro e caminhou até a porta do quarto.

—Aonde você vai? —perguntou ele, irritado.

Era óbvio que ela era muito boa em deixá-lo de mau humor.

—Vou preparar o jantar. Ava me disse que sua cozinheira não está aqui hoje. É necessário que você coma para tomar os remédios —explicou, olhando por cima do ombro.

Esperou que ele fizesse mais alguma pergunta, mas quando não o fez, saiu do quarto deixando a porta aberta, caso ele precisasse. Embora duvidasse que ele deixasse isso acontecer.

Deixou o laptop de Matteo na sala e seguiu para a cozinha. Para sua sorte, encontrou a despensa cheia de alimentos frescos.

Tirou seu celular do bolso. Ligou a tela e ficou olhando o fundo de tela que tinha programado. Era uma foto da praia de sua casa. Esperava que isso a acalmasse como sempre fazia quando estava frustrada, irritada ou preocupada. Não sabia exatamente como estava se sentindo naquele momento, mas, independentemente do que fosse, desta vez o fundo de tela não a acalmou.

Desistiu e procurou sua lista de reprodução, pressionando o play. A música invadiu a cozinha em volume alto, mas Lia baixou o volume para ouvir se Matteo a chamava. Começou a cozinhar, balançando seu corpo ao ritmo da música. Foi difícil, mas ela conseguiu manter a cabeça centrada no presente.

Escolheu um prato simples. Nunca tinha sido boa na cozinha. Claro, podia preparar alguns pratos básicos, o necessário para sobreviver.

Não demorou muito para ter tudo pronto. Preparou uma bandeja com a comida de Matteo e caminhou de volta para o quarto dele.

Estava no meio do corredor quando um estrondo a alertou. Apressou o passo, preocupada com o que poderia ter acontecido. Ao entrar no quarto, não viu Matteo onde o havia deixado. Pensou que talvez ele tivesse caído da cama e olhou para os dois lados da cama, mas não o encontrou. Então, olhou para a porta do banheiro, que estava entreaberta. Lia tinha certeza de que a porta estava fechada quando saiu. Deixou a bandeja na mesa de cabeceira e foi rapidamente até o banheiro.

A cena era quase cômica. Matteo estava sentado no chão, com algumas coisas espalhadas ao redor dele. Sua mão saudável estava agarrada na pia, e sua perna, imobilizada, estava levantada no ar.

Lia ficou dividida entre rir ou repreendê-lo pela negligência. Optou pela segunda opção.

—A menos que você queira quebrar outra parte do corpo, te aconselho a me chamar da próxima vez.

—Eu posso urinar sozinho, obrigada.

—E como vai fazer isso, estando no chão e o vaso lá longe? —disse ela, movendo a cabeça dele na direção do vaso sanitário.

—Tenho boa pontaria —disse ele, e Lia soltou um suspiro.

Matteo passava de frio para quente em questão de segundos.

—Então vou me retirar para te dar alguma privacidade —disse ele com ironia.

—Seria o melhor.

Lia soltou um suspiro frustrado. Sua mente estava cheia de ideias de como acabar com a vida de Matteo, mas, em vez disso, ela se aproximou dele e o ajudou a se levantar.

—Você não ia usar o banheiro? —perguntou quando ele começou a dar pulos em direção ao quarto, usando-a como apoio.

—Já usei, estava lavando as mãos quando caí.

Dessa vez, Lia não pôde evitar que uma risada escapasse, e Matteo riu junto com ela.

—Trouxe o jantar —disse ela, ajudando-o a se sentar na cama. Ajudou a levantar as pernas dele e ajeitou as almofadas.

Matteo pegou uma mecha de cabelo que caía sobre o rosto e a colocou atrás da orelha. Ela ficou imóvel por um momento diante do gesto.

—Não faça isso —disse ele, antes de ir pegar a bandeja. Ela podia sentir o olhar dele acompanhando seus passos.

—Eu posso comer sozinha —disse ele enquanto ela ajeitava a bandeja na frente dele.

—Eu sei. Você ainda tem um braço totalmente móvel.

Ele a olhou fixamente por um tempo, depois pegou a colher.

—E sua comida?

—Eu como depois —disse ela, sentando no pequeno sofá do quarto.

—Pode ir agora.

—Não vou arriscar. Quem sabe, quando eu voltar, você tenha os pratos espalhados por todo o chão.

—Então traga sua comida e me faça companhia. Não gosto de comer sozinho.

—E eu achava que o que você não gostava era de dormir sozinho —sussurrou ela. Não tinha intenção de dizer isso em voz alta, mas nunca fora boa em guardar os pensamentos, e com Matteo parecia que essa habilidade era ainda mais escassa.

—O que você disse? —perguntou ele, e ela deu um pulo.

—Vou pegar minha comida. Certifique-se de não morrer enquanto não estou, senão minha reputação vai pro ralo —disse ela com um sorriso forçado.

Matteo soltou uma gargalhada.

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