Vincenti disse seu nome, e ela respondeu:
— Vincenti, isso mesmo. Tudo bem, eu sempre converso muito com os meus pacientes. Meu nome é Marjorie, tenho 29 anos e moro bem longe daqui, logicamente. Formei-me há pouco tempo, mas já trabalhava na área. Faço Pilates, dança, adoro essas coisas que... Ele a interrompeu: — Já chega. Você não parece saber focar no essencial. Espero que saiba ficar quieta! Tenho passado por cirurgias, vivo à base de medicamentos e não suporto gente mal-educada e chata. Tomei a liberdade de preparar dois contratos, pois, apesar de terceirizar seus serviços, preciso de garantias e comprometimento. E pagarei muito bem por isso. Já que mora longe, posso mandar meu motorista buscá-la. Acredito que entenda os riscos que corro ao sair muito; ainda não posso ter uma vida normal e, por isso, prefiro fazer tudo em casa. Leia com atenção, sem pressa! Já agendei um horário para amanhã à tarde, na verdade, reservei a semana toda para acertarmos tudo. Quero melhorar rápido, mas não consigo me comprometer todos os dias! Se você é uma boa profissional, deve saber disso. Marjorie lia atentamente os papéis e respondeu com um toque de ironia: — A gente nunca sabe o suficiente. Qual é a sua real situação? Vim sem saber nada, sem ver seus exames. Ele retrucou com deboche: — E você quer saber para decidir se aceita o atendimento ou não? Está imaginando que será difícil demais? Ela o encarou e disse com gentileza: — Não, só estou tentando entender melhor. Por exemplo, você usa uma cadeira dessas, mas seu nível de comprometimento não parece tão alto, pelo menos pela sua movimentação atrás dessa mesa. Cadeiras comuns podem ser mais cansativas, mas estimulariam seu corpo a voltar à ativa gradualmente. Ficar parado, deitado, sem fazer nada, só vai piorar seu quadro! Ele falou sério, parecendo irritado: — Não sou um relógio, sou uma pessoa. Por hoje, acabou. Vá embora e volte amanhã com o contrato assinado, caso decida aceitar. Assim, saberá o que precisa e chegará no horário. Marjorie respondeu, já irritada: — Não vou assinar nada. Você não é famoso, está com medo de quê? Não vou te roubar nem postar nada sobre sua vida luxuosa na internet. Acho que está havendo um pequeno mal-entendido aqui, senhor Vincenti. Eu já tenho emprego e não atendo a domicílio, porque não temos tudo o que precisamos na casa dos pacientes. E se o senhor duvida do meu potencial, é só começar a ser atendido por mim para tirar suas dúvidas. Não atendo ninguém sem saber o quadro real e, para ser sincera, se você vai à escola e fica dormindo ou conversando, volta para casa burro por sua culpa, não da professora. Aqui já é bem longe, eu poderia ter atendido três pacientes com o tempo que perdi só com um que nem quer fazer avaliação. Não sou hipócrita de dizer que o dinheiro não é bom, mas sou profissional e não comprei meu diploma. O senhor me dá licença, porque já perdi dois ônibus e tenho compromisso à noite todos os dias, no meu outro emprego. Meu horário é até as 18h00 no máximo! Aliás, não dá, tem que ser 17h00. Eu vou embora! Ele ouviu tudo em silêncio, observando-a. Marjorie tentou abrir a porta, sem sucesso, e falou irritada: — Você me trancou? Como abre isso? Ele respondeu com ironia, sem se mover: — Não posso te ajudar, minhas engrenagens estão enferrujadas demais. Ligarei para a clínica bem cedo e darei meu feedback sobre sua esplêndida visita! Que profissional, hein? Mal posso esperar para explicar à Danna como foi tudo. Marjorie voltou para perto da mesa, encarando-o: — Está me ameaçando? Ah, era só o que me faltava nesta semana! Tinha que ser um homem mimado, rico e prepotente. Ele riu, negando a acusação. Marjorie, nervosa e exausta, soltou o cabelo: — Quer saber? Faça isso. Liga agora e conta tudo, vá em frente! Maldita hora em que aceitei sair e enfrentar os obstáculos pensando em ajudar. Ela se sentou na cadeira, pensando que talvez não fosse tão ruim ser demitida. Vincenti respondeu sério, indo até a porta: — Acho que você está muito alterada, Marjorie. Volte amanhã, se quiser. A porta abre para fora, não está trancada! Cheia de vergonha pelo que fez e falou, Marjorie se levantou, pegou a bolsa, caminhou um pouco e logo perguntou, confusa: — Como saio daqui? Para que lado eu vou? Ele respondeu parado na porta: — É para o outro lado. Neuza vai te acompanhar. Espere, Filipo vai te levar ao seu outro emprego, não quero ser responsável por um atraso seu. Marjorie respondeu com ironia: — Ah, não. Isso eu sei fazer bem sozinha, me atrasar. Neuza surgiu no corredor. Mah voltou à porta do escritório de Vincenti e, com a voz carregada de frustração, disse: — Desculpa! Não precisa pagar pelo dia de hoje. Vou conversar com a Danna e pedir para te ressarcir pelo atendimento. Só não posso devolver o dinheiro da condução, porque vai me fazer falta. Vincenti virou as costas e manobrou a cadeira para longe, falando displicentemente: — Até amanhã, Melanie. E não se atrase. Mah saiu rindo de si mesma, pensando na vergonha que passou ao falar da porta trancada. Filipo a esperava no carro e perguntou como havia sido. Neuza riu e comentou: — Acho que ela não irá voltar. Mah também riu: — Eu queria poder não voltar, mas olha o lado bom, fiz um passeio chique. Nunca imaginei que entraria aqui no glamouroso Golden Six. Aliás, será que rola uma fotinho nesse quintal lindo? Por favor? Neuza hesitou, olhou para os lados e disse que tirariam no dia seguinte, em um ponto cego das câmeras, piscando um olho. Contrariada, Mah concordou, se despediu e foi embora com o motorista até um terminal de ônibus. No caminho, contou sobre a academia, disse que estava atrasada e que era comum viver no limite. Ele riu e a alertou que Vincenti odiava atrasos e sempre foi extremamente pontual. Ela brincou: — Tá aí um defeito nele. Ela teve que ir para casa, pois não havia comida suficiente para os avós, que ainda estavam lá. Passou no mercado, comprou frango, verduras e frutas com o restante do dinheiro do figurino. Sua avó a recebeu com surpresa, comentando que estava cedo e perguntando se ela não tinha ido à academia. Mah respondeu, tentando disfarçar o desânimo: — Hoje não, vó. Vim curtir as visitas um pouco. E aí, tudo bem? Passei no mercado para comprar umas coisas. Cadê o vô? Ele respondeu do quarto ao lado da pequena cozinha: — Ooo, filha, já chegou foi? Tô aqui deitado no chão para espantar esse calor danado. Mah pegou uma mexerica, descascou e foi até ele, oferecendo-a e dizendo que estava quente mesmo. Perguntou se ele estava com fome, deitou na cama de bruços e ficou olhando para ele. Começaram a conversar sobre as frutas da temporada. A avó brincou da cozinha: — E você amadurece quando, Mah? Túlio está bem? Faz um bocado de tempo que a gente não conversa, viu. Mah respondeu rindo: — Eu tô madura faz tempo, vó, que isso! Tá vendo não? Tô bem mocinha já! Por falar nele, acabou de me mandar mensagem. Vou tomar banho! Faz batatinha só para eu fugir da dieta um pouco? Por favor? O avô disse que ela não devia ficar gastando com eles, pedindo para ela ter juízo. Ela lhe serviu mais uma mexerica, fazendo careta, e disse que sempre gastaria com eles e com gosto. Passou pela avó, beijou e abraçou, indo para o banheiro. Ignorou todas as mensagens de Túlio e avisou no grupo da academia que não iria ensaiar, pedindo desculpas. Gaia foi avisar Maciel. Eles começaram a conversar sobre os problemas financeiros de Mah. Gab chegou cumprimentando os dois e perguntou animado por Mah. Maciel falou sério: — Ela não vem hoje. E você? De novo por aqui, gato?