Ela disse que não dava tempo de conversar, se trocou colocando uma roupa comum, blusa florida e calça legging, porque não queria andar de ônibus com a roupa que iria atender, pela própria segurança do paciente que com certeza tinha uma imunidade mais baixa. Quando ela pegou o primeiro ônibus, postou uma foto na rede social, começou a mexer no celular e viu uma mensagem na pasta de spam. Era de um empresário que começou a seguir ela naquele dia mesmo. Ele disse que gostou muito do trabalho dela e que queria conversar melhor, fazer uma entrevista. Ela respondeu às pressas, disse que podiam conversar por ligação, passou o contato para ele e, eufórica, já mandou print para os amigos da academia. Todos começaram a falar coisas boas, animados. Quando ela chegou no condomínio, ficou esperando vinte minutos na portaria. Uma funcionária foi buscá-la de carro: Neuza, uma senhora mais velha, muito educada, fez o cadastro da Mah na portaria até com foto e documentos. Ela brincou enquanto esperava:
— Vou atender o presidente? É alguém da TV? Se for do ramo da música, não garanto nada, vou tietar lindamente. Mora gente famosa aqui, né?
O porteiro e Neuza começaram a rir. Ela disse que não, ninguém muito importante. No carro, falou como um "alerta":
— Você não o conheceu ainda, não é?
Ela disse que não. Neuza respondeu:
— O senhor Vincenti está passando por um momento complicado, ele se machucou recentemente, ficou na cama por muito tempo e tudo isso mudou sua vida. Ele era ativo e independente, não é do tipo que gosta de pedir nada a ninguém. Como profissional, você vai estudar o caso e ver com seus próprios olhos, mas eu, como sempre digo, acredito que a cabeça é o portal para tudo. Ele passa com médicos, até fora do Brasil pensaram em ir, mas a mãe dele comentou que ele não quer melhorar, não se esforçando para isso. Entende?
Elas estavam chegando em uma mansão. Mah falou otimista:
— Sim, eu estou acostumada a lidar com pacientes assim, o pós-trauma às vezes é pior que o próprio trauma. Eu atendo crianças, idosos, mulheres que sofreram nas mãos de seus companheiros. Estou ansiosa para conhecê-lo. Como ele é?
O motorista se aproximou, falou para Mah:
— Olá, boa tarde, seja bem-vinda. Espero que dona Neuza não tenha derrubado nenhum poste com o meu bebê. Você é a nossa nova companheira de guerra?
Mah se apresentou, disse que sim, se fosse bem no primeiro atendimento. Neuza respondeu rindo:
— Ela quer saber como ele é. Eu conto ou você conta?
Fizeram piada sobre ele ser assustador, mas logo o motorista falou sério:
— Ele é uma ótima pessoa, mas depois do acidente ficou diferente. Ele é sério e não gosta de muita positividade. Não fale nada que ele poderia estar pior, que deve valorizar o que tem, ou que deveria ter feito diferente, as coisas. É claro que ele sabe que não vai melhorar sem se cuidar, ele só não aceita a atual condição.
Já ficando com medo, Mah foi entrando, encantada com a casa. Falou que precisava se trocar. Quando estava indo a um quarto com Neuza, ouviram um grito do final do corredor:
— Neuzaaaa, venha até aqui, rápido!
Ela deixou Mah se trocando e saiu correndo. Ela colocou o uniforme da clínica, prendeu o cabelo certinho. Logo Neuza voltou buscá-la, a levou para sentar na sala e falou que era para ela esperar. Ela ficou sentada meia hora, olhando para tudo, reparando, se levantou, foi olhar a janela. Neuza voltou, serviu chá, suco e bolachas, disse que ele podia demorar. Mah falou rindo:
— Só espero ganhar por isso. Ele está se vingando porque eu atrasei na nossa primeira consulta! Pelo menos com fome não vou ficar. Muito obrigada, que bolachinha gostosa. Nossa, que diferente.
Ela estava comendo tudo. Neuza conversou um pouco, saiu rindo da humildade dela, que se ofereceu para lavar a louça que sujou. Mais de uma hora e meia largada sozinha na sala, ela decidiu perguntar por ele. Impaciente, ficou em pé na sala esperando alguém vir. Neuza a chamou para ir no escritório. Ela foi ansiosa e, ao entrar, viu sua bolsa lá na poltrona e o tão esperado Vincenti sentado em uma cadeira de rodas moderna elétrica. Ele estava digitando no computador. Mah entrou apreensiva, falou o encarando, tentando identificar o nível de trauma:
— Oi, boa tarde! Tudo bom?
Ele falou sério, levantando o olhar até ela:
— Bem eu estaria se não precisasse dessa cadeira. Pode se sentar, e fale de você, há quanto tempo trabalha como fisioterapeuta, onde mora. Espero que não se incomode com uma breve entrevista. Eu gosto das coisas certas, assim como a pontualidade, que não é o seu ponto forte, imagino.
Ela resmungou baixinho, irônica:
— Nem o seu.
Ele estava mexendo nas gavetas, falou na dúvida:
— O que você disse?
Ela respondeu disfarçando:
— O seu nome, qual seu nome?