Gabriela narrandoEu tava na minha sala, ajeitando os contratos da reunião da tarde, tentando me manter ocupada pra não pensar em tudo que tinha acontecido nas últimas vinte e quatro horas.Repetia pra mim mesma que era só mais um compromisso profissional. Que eu precisava focar no trabalho, mostrar que ainda era forte, que o que o Henrique fez não ia me derrubar.Mas por mais que eu tentasse fingir que tava cem por cento... A cabeça teimava em fugir.Principalmente toda vez que eu lembrava dos olhos do Rodrigo me encarando naquela manhã.Ou do jeito que ele se levantou pra me defender no restaurante, sem pensar duas vezes.Balançei a cabeça, como se pudesse expulsar esses pensamentos dali. Peguei os papéis, conferi tudo de novo, ajeitei meu blazer claro por cima da blusa básica e respirei fundo.Era só trabalho.Ajeitei o cabelo num coque bagunçado e conferi o horário no relógio.Faltava cinco minutos.Levantei, peguei a pasta e caminhei até a porta.Quando saí pro corredor, dei de c
Gabriela narrando :Saí da sala com a cabeça fervendo, tentando ignorar tudo o que tinha acabado de acontecer.Fui direto pra minha sala, guardei a pasta de documentos, peguei minha bolsa e respirei fundo. Queria sair dali.Queria esquecer essa tarde.Queria respirar um pouco sem ter que provar nada pra ninguém.Atravessei o corredor, apertei o botão do elevador e esperei em silêncio, sentindo aquele cansaço pesado tomar conta de mim.Quando as portas abriram, entrei sozinha e desci.O andar térreo tava movimentado, como sempre no final do expediente, mas eu passei direto. Cumprimentei o pessoal com um aceno rápido e segui em direção à saída.Assim que passei pelas portas de vidro…Parei. Encostado no carro que estava ali na calçada, tava ele.Matheus.O tal fornecedor sem noção.Ele tava de costas, falando ao celular, apoiado com um braço no teto do carro branco, todo casual, como se nada tivesse acontecido.Mas assim que me viu, desligou o telefone na hora.E, claro, veio direto na
Gabriela narrando :Fiquei mais um tempo ali, encostada no colo da minha mãe, sentindo o carinho dela tentando costurar os pedaços soltos que o dia tinha deixado.Mas logo o cansaço pesou de um jeito que não dava pra ignorar.Me levantei devagar e ajeitei o cabelo, soltando um suspiro cansado.— Mãe, eu vou subir. Preciso descansar um pouco — falei, tentando sorrir.— Vai, filha. Toma um banho bem gostoso e esquece esse dia. Amanhã é um novo começo — ela disse, apertando minha mão de leve.Assenti, peguei minha bolsa largada no canto da sala e subi as escadas com passos lentos.Cada degrau parecia pesar uma tonelada. Mas quando entrei no meu quarto e fechei a porta, senti uma paz diferente me invadir.Tirei os sapatos, larguei a bolsa no canto e fui direto pro banheiro.Abri a porta e acendi a luz.O banheiro era espaçoso, todo em tons claros, com aquele cheiro suave de sabonete e essência de lavanda que eu adorava.Me aproximei da banheira e comecei a enchê-la, girando o registro da
Henrique narrandoMeu nome é Henrique, tenho 24 anos.Nasci em berço de ouro. Meus pais sempre tiveram dinheiro, boas empresas, bons contatos. Eu cresci tendo tudo o que quis, sem precisar me esforçar pra nada.Carro, viagens, mulherada... era só pedir.E talvez por isso... eu nunca aprendi a dar valor de verdade pra nada. Nem pra ninguém.Quando conheci a Gabi... eu pirei.Uma morena linda, de sorriso fácil, cheia de sonhos, toda certinha.Virgem.Intocada.Do jeito que eu nunca tinha visto antes.Me envolvi com ela rápido. Me apaixonei também. Não vou mentir. Mas o problema é que... eu nunca consegui ser de uma só.Eu precisava da adrenalina. Da novidade.Mesmo com a Gabi sendo perfeita pra ser minha mulher, vinda de família boa, estudiosa, linda, com futuro brilhante, a verdade é que dentro de mim sempre teve esse lado podre que eu nunca consegui controlar.Traí ela.Muitas vezes.Mas sempre escondido. Sempre calculado.Gabi confiava em mim como uma idiota.E eu sabia aproveitar
Gabriela narrando :Tava ali deitada, olhando pro teto, a cabeça a mil.Pensando no Henrique.Pensando em tudo que aconteceu.E, no fundo, tentando convencer a mim mesma que não podia ter dó.Não podia.Ele mereceu.Cada lágrima que chorei, cada sonho que ele destruiu, cada pedaço do meu coração que ele quebrou sem pensar duas vezes.Tava tentando colocar isso na cabeça quando ouvi três batidinhas na porta.— Entra — falei, sem nem me mexer direito.Minha mãe abriu devagar, com aquele olhar meio preocupado.— Filha… a dona Sônia tá aí na sala. Quer falar com você.Na hora, virei de lado e encarei ela, surpresa.— O quê? — franzi a testa. — A mãe do Henrique? Agora?Ela deu de ombros, com um suspiro cansado.— Não sei o que é, filha. Mas vai ver… ela não tem culpa de ter um filho crápula.Fiquei ali parada uns segundos, sentindo o estômago revirar. Dona Sônia sempre foi boa comigo. Sempre me tratou como filha. Era difícil separar ela do filho que me traiu, me humilhou, me destruiu. Mas
Henrique narrando :Acordei com a cabeça latejando.A luz branca e fria do hospital me cegava. Tentei me mexer, mas o corpo inteiro doía. Cada músculo, cada osso. Os flashes do que aconteceu voltavam em pedaços desconexos: o bar, a bebida, a raiva, a briga... os socos, os chutes.Fechei os olhos, tentando organizar os pensamentos.Lembrei da Luísa correndo.Lembrei dos caras me espancando na calçada como se eu fosse um lixo.Lembrei de gritar, sem ser ouvido.Quando abri os olhos de novo, vi minha mãe sentada numa poltrona ao lado da cama.O rosto dela estava cansado, marcado pelas lágrimas.Ela percebeu que eu tinha acordado e se aproximou rápido.— Filho… graças a Deus — sussurrou, segurando minha mão.Tentei falar, mas a boca cortada dificultava.— Fica quieto. Não força — ela disse, ajeitando o travesseiro.Fiquei ali, calado, encarando o teto.O peso do que eu tinha feito, da vida que eu destruí, caiu de vez sobre mim. Sabia que tinha perdido tudo. Sabia que a Gabi nunca mais ia
Gabriela narrando :Já fazia uma semana.Sete dias desde que tudo desabou.Sete dias desde que eu vi com meus próprios olhos quem o Henrique realmente era.Sete dias desde que o chão abriu, e eu caí sem ter onde me segurar.Mas agora... Agora as coisas estavam começando a entrar nos eixos.A dor ainda vinha de vez em quando, claro, mas não como antes. Não como um soco no estômago. Agora era mais como um eco.Um lembrete de que eu sobrevivi.Nessa última semana, cancelei tudo.Tudo. Buffet, vestido, salão, fotógrafo, lua de mel, lembrancinhas...Cada ligação que eu fazia era um peso saindo das minhas costas.Doía?Sim.Principalmente quando a pessoa do outro lado perguntava mas aconteceu alguma coisa?Aconteceu sim. Aconteceu que eu fui enganada, traída, usada.Mas eu não dizia isso.Eu respirava fundo e respondia:— Só não vai acontecer mais.Minha mãe me ajudou com tudo.Foi meu alicerce, meu colo, minha força.E o Gustavo… Meu irmão pequeno parecia sentir tudo, e vivia grudado em mim
Gabriela narrando :Depois de terminar de me arrumar, respirei fundo, ajeitei a blusa na frente do espelho e desci as escadas devagar, tentando me manter firme por fora, mesmo com a cabeça uma bagunça por dentro. Na cozinha, o cheiro de café fresco se misturava com o de pão quente e manteiga derretida. Minha mãe estava na mesa, já servindo o café. Meu pai lia algumas mensagens no celular, e o Gustavo… Bom, o Gustavo falava pelos cotovelos, como sempre.— Gabi! — ele gritou assim que me viu. — Eu vou levar minha bola nova hoje, posso?— Só se tu prometer que não vai esquecer na escola — respondi, sorrindo e puxando uma cadeira.— Nunca esqueço nada! — ele disse, cheio de si.Minha mãe me serviu uma xícara de café e colocou dois pães na cestinha na minha frente.— Dormiu bem, filha? — ela perguntou, com aquele tom cuidadoso de quem já sabe que a resposta é “não”.— Mais ou menos — respondi, dando de ombros e levando a xícara à boca.Meu pai fechou o celular e falou sem tirar os olhos do