Capítulo III.

Milena Bianco.

Há dias raros dias em que eu me levanto antes mesmo de ouvir meu celular despertar, mas não por ter tido uma maravilhosa noite se sono, mas muito longe disso, como me ocorreu essa noite que mal preguei os olhos. A última vez que me lembro de ver as horas, já se passavam de quatro e meia da manhã e eu ainda rolava para lá e para cá na cama, enquanto uma sensação estranha invadia o meu corpo. De repente, encarar o teto do meu quarto, acabou se tornando um passatempo de horas e quando percebi, os primeiros raios de sol, já começavam à querer entrar pelas frestas da janela. Tudo o que eu queria era dormir, mas ao mesmo tempo, era tudo o que eu não conseguia fazer. 

Era só fechar meus olhos e a imagem da professora Herrera tomava toda minha mente sem nenhuma dificuldade. O choro compulsivo, os soluços, a fragilidade da mulher que sempre se mostra tão forte perante à todos. Vê-la ali, daquela forma, me partiu o coração e para falar a verdade, nem eu sei ao certo como criei toda aquela coragem repentina para me aproximar, já que quem me conhece sabe muito bem que eu travo na presença dela. Mas foi impossível não querer fazer nada, nem que fosse o mínimo, quando à vi naquele estado, tão nervosa, tão vulnerável após uma, provável briga com seu ex-marido. 

No momento em que tudo aconteceu, eu estava saindo de dentro do colégio, já que havia demorado um pouco, por precisar resolver algumas coisas. Agora, parando para pensar, não sei se foi coincidência ou não, o fato de eu estar ali, justo naquele momento. Não ouvi nem vi muito do que aconteceu, apenas escutei suas últimas frases, praticamente implorando para Juan Carlos sair dali e deixá-la em paz. E olha, sinceramente, não sei o que, realmente, ocorreu, mas é imensurável o tamanho da raiva que me subiu ao ver a expressão completamente nojenta com à qual ele olhou para Clara. Mas, foquei apenas naquilo que meu coração mandou, ajudá-la, ampará-la, mesmo que, de início, corresse o risco dela me achar uma intrometida. 

Revivendo em minha cabeça, mais uma vez, a cena do dia anterior, eu me levanto. Arrumo minha cama e separo minhas roupas, e sigo para o meu banho afim de espantar o sono que resolveu aparecer na hora errada. Não demora muito para que eu esteja terminando de me arrumar e por fim, arrumo minha mochila com os livros do dia e sigo para a cozinha, encontrando meus pais e Phellipe tomando café da manhã. Sem um pingo de fome, apenas me despeço de todos e sigo andando rumo à casa de Alexia, mesmo que, com quase vinte minutos de antecedência. Após sete minutos de caminhada, já me encontro chegando à casa da minha amiga e, ao invés de chamar por ela, prefiro me sentar na pequena escada que há próxima à sua porta, ficando novamente, eu e meus devaneios. 

Chega a ser estranho como alguém, ou algum acontecimento pode influenciar tanto em nosso humor, não é mesmo? Ainda mais se esse alguém, for por quem carregamos um sentimento tão intenso. Desde que eu conheci Clara, ainda lá no início do primeiro ano, sempre à vi a todos sorrisos por aí, nesses dois anos, acho que foram poucas as vezes em que a vi abatida, ou demonstrando algo do tipo. Mas é a pura verdade quando dizem: nunca sabemos, ou sequer imaginamos a dor que o outro sente, ou o peso que ele carrega em silêncio, por trás de um sorriso. E juro, principalmente depois de ontem, após ver a forma como ela correspondeu ao meu abraço, o que eu mais queria, era poder ficar ali, ao seu lado, até que ela estivesse realmente bem. Mas é claro, isso não me seria permitido, nós somos apenas aluna e professora e eu fiz o que poderia ser feito, de acordo com as limitações de nossa relação, que não passa de algo profissional. 

Ah, o seu abraço! Meu Deus, só depois, quando parei para refletir o que aconteceu, eu percebi que, se tivesse pensado um pouco naquela hora, não teria feito isso. Só de sentir o seu olhar, meu corpo todo entra em uma espécie de colapso e eu chego a tremer de nervoso, agora vocês podem imaginar os efeitos que aquele abraço causou em mim, né? Caramba, nunca pensei que um dia, eu estaria ali, sentindo seu perfume tão de pertinho, sentindo a maciez e o cheiro gostoso que vem dos cabelos. Apesar de toda a situação, foi algo surreal para mim e eu pretendo guardar essa parte com muito carinho em meu coração. 

Eu sempre brinquei com meus amigos com o fato da queda que tenho por Clara. Chega a ser até meio engraçado, eu sei, nutrir algo por uma pessoa que nunca vai notar seus sentimentos e muito menos correspondê-los. Mas, às vezes, eu sinto que é mais que isso, sabe? Não sei explicar bem, mas é algo tão forte que eu sinto aqui dentro, principalmente quando ela está por perto. Lógico que durante todo esse tempo, eu tenho seguido a minha vida, conheci e fiquei com outras pessoas, afinal de contas, não posso parar a minha vida, por algo que eu tenho plena consciência que não é e nem será recíproco, pelo menos eu acho que não. Mas, tem dias, que esse sentimento que carrego por Clara, me deixa meio estranha, meio pensativa. Como permitir, até sem perceber, seu coração ser tão influenciado assim, como pode se deixar balançar tanto, por alguém que, provavelmente, nunca saberá dos sentimentos que desperta em você? 

   — Por que não avisou que havia chegado, menina Milena? — ouço a voz de Ruth, a avó de Alexia, interrompendo os meus devaneios. — Chegou há muito tempo?

   — Bom dia, vovó! Eu cheguei agora mesma, só estava fazendo uma horinha, porque saí um pouco mais cedo de casa. — sorrio, me levantando. — Como a senhora está?

   — Estou bem, obrigada por perguntar. — retribui o sorriso de forma doce. — Agora você me parece meio tristinha, o que foi?

   — Apenas com sono. — deito minha cabeça em seu ombro, recebendo um leve afago em meus cabelos.  — Cadê a Alê?

   — Está terminando de se arrumar. Venha para dentro, está muito frio aqui de fora. — me puxa pela mão.

Depois de pronta, Alexia aparece na sala com uma torrada e um copo de café em mãos. Ficamos conversando aleatoriedades, enquanto espero minha amiga terminar de tomar seu café da manhã. Em seguida, nos despedimos de dona Ruth e iniciamos nossa pequena caminhada rumo ao colégio e, durante o trajeto conto por alto o que aconteceu no dia anterior. Não sei bem porquê, mas esse assunto, realmente, mexeu comigo. 

Alguns quarteirões depois, chegamos ao colégio e a primeira coisa que eu faço, após passar pelo portão de entrada, é correr os olhos pelo local para ver se encontro Clara, ou vejo seu carro, mas por enquanto, nem sinal dela. Eu e meus amigos nos sentamos em um canto do pátio e enquanto eles conversam, mais uma vez, eu me vejo perdida entre meus pensamentos e ora ou outra, apenas concordo com algo que eles dizem e volto à ficar submersa em minhas próprias ideias. Mas claro que, sendo meus melhores amigos e chegando à me conhecerem até mais que eu, eles iriam notar isso, né? Anna é a primeira à perguntar o que está havendo e mesmo que agora tenhamos poucos minutos antes do sinal tocar, conto de forma resumida o que aconteceu, lógico, sem expor muito a parte de Clara. 

Assim que o primeiro sinal toca, nos despedimos e logo seguimos para nossas respectivas turmas. A minha primeira aula do dia é com Clara que,  chega na classe com quase dez minutos de atraso.

   — Bom dia! — diz, colocando os seus materiais sobre a mesa. — Tive algumas questões pessoais e acabei me atrasando, me desculpem. Então, quem se lembra onde paramos na última aula?

Um aluno do outro lado da sala responde e eu o invejo por ter uma memória tão boa. Logo Clara começa a aula, com suas explicações e anotações, e novamente eu deixo meu olhar se perder em seu rosto, suas expressões. Apesar de estar sorrindo, como sempre, hoje ela parece meio cansada, abatida e noto também que, o seu inseparável batom vermelho hoje não está ali presente em seus lábios. Sua aula parece passar num estralar de dedos, voando, e eu me sinto uma verdadeira sortuda por ainda estarmos no início da matéria, já que não consegui me sair muito bem na tarefa de me concentrar. 

O sinal toca e como se fosse cronometrado, no mesmo instante, Clara termina suas explicações. Vejo a morena guardar suas coisas e logo em seguida, se despedir da turma. Mas é quando ela direciona seu olhar diretamente para mim, que eu sinto meu coração bater tão forte, à ponto de quase sair pela boca, eu até tento disfarçar, mas no momento em que noto um sorriso se formar em seus lábios, eu me desmancho e sinto que retribuo o sorriso da forma mais boba que poderia. Então ela sai, me deixando ainda meio besta por alguns segundos, até sentir alguns tapinhas de Alexia em meu ombro.

   — Que sorriso foi esse, Milena?!? — cochicha próximo ao meu ouvido. — Meu Deus, você ganhou o dia, amiga.

   — Realmente, ganhei meu dia. — me levanto. — Se o professor Petersen chegar, fala que eu fui no banheiro, por favor? 

Após Alexia concordar, saio praticamente correndo rumo à porta, e após alguns passos apressados, consigo alcançar Clara antes que ela entre em sua próxima turma.

   — Professora Herrera? — à chamo e no mesmo instante ela se vira. 

   — Olá, Milena!  — sorri simpática. 

   — É...  — coço a cabeça, demonstrando um pouco de nervosismo. Não havia pensado no que dizer quando, simplesmente, decidi sair correndo da sala. — Eu... eu queria saber se está tudo bem com a senhora, sabe... se a senhora está melhor? — acabo me enrolando nas palavras, principalmente quando ela dá alguns passos em minha direção.

   — Oh, Milena, por favor, não precisa me chamar de senhora. Não sou tão velha assim, não é mesmo? — brinca. — Mas sim, eu estou melhor, muito obrigada por se preocupar comigo.

— Hum, que bom então...  — suspiro, colocando as mãos nos bolsos da minha calça jeans. — eu... eu preciso voltar para minha classe. — visivelmente nervosa, aponto para trás e ela acena de forma positiva, ainda sorrindo. 

   — Ei, Milena!  — ela me chama quando já estou de costas, há alguns passos de distância.  — Muito obrigada por ter ficado comigo ontem, de verdade, você não tem ideia do quanto me ajudou. 

   — Não precisa agradecer, professora Herrera.  — digo sincera. — Foi de coração e pode ter certeza que, se necessário, faria novamente. Fico feliz em ter ajudado.  

Uma última troca de sorrisos e eu ainda fico olhando a mulher adentrar a sala, só após sair do meu pequeno transe, que eu me viro e sigo para a minha turma e ainda bem, a partir desse horário consigo me concentrar melhor nas próximas aulas. 

(. . .)

   — Milena, lembra que você estava procurando alguma coisa para fazer no período da tarde? — Henrique pergunta, chamando minha atenção, assim que Ingrid sai da sala.

   — Sim, lembro. 

— Então, te contar, ontem passei por uma livraria lá no centro e vi que estão contratando, e como sei que você gosta muito de livros... — me entrega um panfleto. — tenta, quem sabe dá certo, né?

   — Nossa, eu já tinha até parado de procurar... — suspiro, dando de ombros. — vou passar lá assim que sair daqui. Muito obrigada, Rick. — mando um beijo no ar.

   — De nada! Boa sorte, loirinha.  — me lança uma piscadinha.

Assim que o último sinal toca, eu e meu grupinho nos juntamos ao tumulto rumo a saída do colégio. Quando chegamos na rua, vemos que o pai de Henrique já está à sua espera, então logo nos despedimos do nosso amigo. Anna, Valentina e Cecília, seguem para suas casas, que são bem perto do colégio, restando apenas Alexia e eu.

   — Você sabe que se eu não tivesse que ajudar vovó no restaurante, eu iria com você, né amiga?  — a morena de mechas rosas pergunta, quando paramos na esquina do colégio. 

   — Relaxa, Alê. Eu só vou dar um pulo lá e ver se pode chegar à dar certo. Mas pode deixar que depois eu conto tudo para vocês, ok? 

   — Ok, vamos nos falando por mensagem. Boa sorte!  — me dá um abraço rápido e um beijo no rosto. — Até amanhã, gata. 

— Até amanhã e juízo! 

— Que isso?! Juízo é meu segundo nome! — brinca, se afastando. 

— Aham, claro, e o primeiro é “sem". — falo de forma irônica e recebo uma careta como resposta. 

(. . .)

Como já passei perto e cheguei à entrar na livraria algumas outras vezes, sei bem onde é o lugar e então, acabo não demorando muito para chegar ao local e depois de pouco mais de quinze minutos de caminhada, estou passando pela porta do estabelecimento. Sou atendida por um senhor muito simpático chamado Heitor que, logo faz com que eu me sinta bem à vontade em nossa conversa. O que seria, no início, uma simples entrevista para um futuro emprego, acabou se tornando uma longa conversa de quase uma hora, onde, no início tratamos sobre a vaga que eu estou me candidatando e no fim, já estamos falando sobre os benefícios da leitura, e o quanto a tecnologia tem tornado as coisas diferentes ultimamente.

   — Nada nesse mundo me faz trocar um livro físico por esses PDFs que muitos preferem. — diz, pegando sobre sua mesa, um exemplar de Luís de Camões.

   — Eu também, por mais que às vezes tenha minhas fases e fique um certo tempo sem ler, eu também prefiro mil vezes os livros físicos. — sorrio. — Nada se compara em poder sentir a textura, o cheiro, saber que há o livro ali, para sempre que precisar e quiser...

   — Verdade, verdade. — sorri também, se levantando. — Você é muito boa de conversa, Milena. Adorei conversar com você! 

   — Ah, muito obrigada! — me levanto também. — Também gostei muito de conversar com o senhor.

   — Por favor, mesmo se a vaga não der certo para você, volte depois para conversamos mais, tá bom? 

   — Claro, pode deixar que eu volto sim. — estendo a mão para o senhor que aperta gentilmente. — Muito obrigada.

   — Eu quem agradeço e logo entrarei em contato avisando a resposta. — aperta minha mão, sorrindo. — Até mais.

   — Até mais. Boa tarde! 

Quase uma hora após entrar, saio da livraria e sigo para minha casa. Ao chegar, acabo almoçando  sozinha, pois meus pais já almoçaram e Phellipe, nesse momenta, está tirando a sua soneca da tarde.

    — Fico muito feliz por você, minha filha. — já posso até ouvir as próximas palavras da minha querida mãe. — Mas não acha que seria melhor focar sua atenção apenas no vestibular?

   — Mãe, há várias pessoas da minha idade que estudam e trabalham... o  Rick, a Alê mesmo, olha. A senhora está duvidando da minha capacidade, dona Estella? — me levanto, levando meu prato para a pia. — Fique tranquila, eu vou me esforçar. Prometo.— sorrio, tentando tranquiliza-la. — E além do mais, não é nada certo ainda e eu nem sei se vou trabalhar mesmo lá, ou não. 

   — É claro que eu confio na sua capacidade, meu amor, é que, às vezes eu me esqueço que a minha pequena cresceu. — me abraça de lado, dando um beijo em minha bochecha. — Vai dar tudo certo, meu amor.

   — Eu sei que sim. — retribuo o beijo. — Obrigada, mamãe.

(. . .)

   — Alô, com quem eu falo? — assim que atendo, uma voz masculina pergunta do outro lado da linha.

   — Milena Bianco, quem é? — me jogo na cama, esperando pela resposta.

   — Sou eu, Heitor, o dono da livraria Empório Literário. Estou te ligando para lhe dar a resposta da vaga de atendente. — diz e, no mesmo instante, eu me levanto num pulo.

   — Oh sim, pode falar senhor Heitor. — me animo antes mesmo de ouvir sua resposta.

   — Então, será que você poderia vir passar por um teste amanhã?

   — Claro, claro! Posso sim! Que horas?

   — Te espero às duas, combinado?

   — Combinado. Muito obrigada, senhor Heitor. Até amanhã! 

   — Eu quem agradeço, até amanhã. 

Assim que a chamada é encerrada, corro até a cozinha para dar a notícia aos meus pais. Minha animação se contagia até em Phellipe, que bate palmas e dá alguns gritinhos em sua cadeirinha, me fazendo rir. 

   — Estou muito orgulhoso de você, minha filha! — meu pai me abraça, deixando um beijo em meus cabelos. — Mas você sabe que não precisa arrumar um emprego agora, não sabe?

   — Papai, eu sei que tem todo aquele papo que você trabalha pra dar uma vida boa pra gente, que temos boas condições, mas eu quero trabalhar, sabe? Quero um pouco de independência, ter o gostinho de comprar meus mimos, bancar minhas saídas, mimar o meu pirralho com meu próprio dinheiro. — brinco com os cabelos de Phellipe, que pega minha mão, brincando com meus dedos. 

   — Não adianta, Otávio. — minha mãe sorri. — Essa menina é cabeça dura e teimosa, assim como você, quando coloca algo na cabeça, não tem quem tire. — brinca, deixando um beijo em minha bochecha. 

A tarde passa praticamente voando e logo a noite cai. Após um belo banho e jantar com minha família, ainda fico um tempo brincando com Phellipe, até o pequeno começar a demonstrar cansaço, se aninhando em meu colo. 

   — Vamos dormir, meu príncipe? — minha mãe se levanta, fazendo menção de pegar meu irmão.

   — Deixa eu colocar ele pra dormir, vai aproveitar e ficar um pouquinho com o papai, em? — coloco Phellipe no sofá e me levanto, logo o pegando novamente.  

  — Tá bom, pode sim. — deixa  beijo no topo da cabeça do garoto. — Dá tchau para o papai, Lipe. Boa noite, meu príncipe, dorme com os anjinhos. 

Phellipe balança a mãozinha, sorrindo e faz meus pais e eu quase explodirmos de tanto amor. Após eles se despedirem do garotinho, eu e meu irmão, subimos para seu quarto.

   — Vamos dormir, meu amor? — coloco o garoto em seu berço, abaixo a grade e me sento na poltrona ao lado.

Por alguns minutos, Phellipe ainda fica sentado, fazendo gracinhas e brincando no berço. Mas logo após alguns minutos, o sono parece ser mais forte, fazendo com que ele se deite e, com meus carinhos em seus cabelos, enquanto baixinho uma canção ninar, o menino acaba dormindo. 

    — Bons sonhos, meu príncipe. Te amo. — deixo um beijo em sua testa e ajeito seu cobertor. 

Quando vejo que Phellipe, realmente, está entregue ao sono, levanto a grade de seu berço e ainda fico por alguns minutos, velando o sono de meu irmãozinho, sorrindo feito boba, ao vê-lo abraçado com um ursinho de pelúcia. Por fim, ligo seu abajur e deixo seu quarto e durante o caminho até o meu quarto, passo pelo de meus pais, afim de me despedir. Encontro a porta entreaberta, coloco apenas meu rosto na fresta.

   — Mãe, pai, o Lipe dormiu e eu vou indo também. Boa noite, até amanhã. — mando um beijo no ar e digo para o meu quarto.

(. . .)

   — Desculpa, posso entrar? — bato na porta da sala, era horário da professora Ingrid.

   — Só porque você não é de atrasos, entre. — sorri, se voltando ao quadro. — Que isso não se repita, Milena. 

— Pode deixar. Obrigada! — digo, me sentando no meu lugar. 

Começo à pegar meus materiais na mochila, ainda tentando normalizar minha respiração. Eu e essa minha cabecinha de vento, acabei esquecendo de colocar o celular para despertar ontem à noite, o que acabou resultando em um pequeno atraso de quase vinte minutos agora pela manhã. 

As horas passam num piscar de olhos e logo já se foram os três primeiros horários, não demorando à chegar o momento do intervalo. Assim que o sinal toca, eu e meus amigos seguimos para o pátio e nos sentamos em nosso lugar preferido. Ficamos conversando aleatoriedade, até o sina momento em que o sinal bate novamente e temos de voltar para a sala.

(. . .)

  — Come de vagar, Milena! — Estella chama a minha atenção. — Vai querer que eu te leve?

   — Não pre...

   — Aproveito e passo no supermercado, preciso comprar algumas coisas. Almoça com calma e assim que estiver pronta, me avisa. — sorri. 

   — Tá bom, então. Obrigada. — retribuo o sorriso e minha mãe se levanta indo ao encalço de Phellipe que sai engatinhando rumo à sala. 

Assim que termino de almoçar, organizo a pequena bagunça que há na cozinha e corro para o meu quarto, afim de começar a me arrumar. Sem saber muito o que vestir, separo uma camiseta branca,  uma calça jeans e, pelo tempo um pouco frio, uma jaqueta preta que, aliás, é a minha preferida. Tomo um banho, não tão demorado e não demoro mais que meia hora para estar completamente pronta. 

   — Mãe, terminei de me arrumar! — digo um pouco mais alto, quando já estou na sala. 

   — Só um minuto, Milena! Estou trocando o Lipe. — ouço sua voz, vinda de algum dos quartos. — Vai tirando o carro pra mim, a chave está na cozinha.

Faço o que minha mãe pediu e volto para dentro de casa, afim de ajudar minha mãe com Phellipe. Pego o menino que, ao perceber que estamos indo para a rua, começa a bater palminhas de maneira animada, o coloco em sua cadeirinha e me sento no meu lugar, ficando à espera de minha mãe que ainda demora alguns segundos para aparecer. O caminho até a livraria é tranquilo e eu tento me manter calma, positiva em relação ao teste que irei passar. 

Quase vinte minutos depois, minha mãe está estacionando o carro na porta da livraria. Me despeço de Phellipe, mandando um beijo no ar e quase me derretendo, ao vê-lo fazer o mesmo, logo abanando sua mãozinha, sorrindo daquela maneira fofa que transborda o coração da irmã babona aqui de amor. Também me despeço da minha mãe, com um abraço rápido e um beijo na bochecha. 

   — Tchau filha, boa sorte. Estou torcendo por você, tá bom? — sorri, fazendo um leve afago em meu rosto. 

   — Obrigada, mamãe. Vou indo, tchauzinho. 

Segundos depois, estou passando pela porta da livraria, ouvindo o som do sino que indica a chegada de alguém. Me aproximo do balcão e pergunto por Sr. Heitor e digo que ele estaria me esperando, logo uma simpática garota, provavelmente da minha idade, me leva até a sala do senhor que recebe de forma extremamente gentil.

   — Oh, que bom que está aqui, Milena! — estende a mão e eu aperto, retribuindo o sorriso. — Venha, preciso te passar mais algumas coisas antes de começar seu teste.

Durante quase meia hora, permaneço na sala de Sr. Heitor, enquanto ele me explica algumas instruções sobre a sua preferência de atendimento na livraria mais algumas outras coisas. Ouço tudo com bastante atenção, e em seguida, seguimos para a área principal, onde ficam os livros. O senhor me mostra onde fica cada gênero de livro, me apresenta à outra garota que se chama Rebecca e por fim, me deseja boa sorte e entra novamente para sua sala.

Sem querer me gabar, mas eu sempre foi muito boa de papo, nunca tive muita dificuldade em levar uma conversa para frente, então, isso meio que me ajudou, e muito, durante esse dia de teste. Pelas horas em que estive atendendo os clientes, me esforcei o máximo para ajudar e auxiliar da melhor maneira cada um que apareceu por aqui. O que agora, no fim do dia, ao ouvir a resposta de Sr. Heitor, parece ter valido muito à pena. 

— Observei você atendendo os clientes, e devo admitir que fiquei encantado, Milena. — o senhor se aproxima, assim que termino de ajudar, Rebecca à fechar a loja. 

   — Obrigada. — sorrio de maneira meio tímida. — Fico feliz que o senhor tenha gostado, pode ter certeza que fiz o meu melhor. 

   — Não só gostei, como já tenho a resposta para te dar. — Sr. Heitor me indica uma cadeira para que eu me sente e se senta do outro lado. — Das quatro pessoas que passaram pelo teste, você, com certeza, foi a que eu vi os clientes saírem mais satisfeitos. — sorri. — Alguns, além de comprar, querem conversar ou simplesmente serem ouvidos. E você, além de simpática, gosta de livros. Sabe falar de leitor para leitor. A sua gentileza e delicadeza são, realmente, encantadoras. — estende a mão, para um aperto. — Você está contratada, Milena! 

   — Muito obrigada, Sr. Heitor. — aperto sua mão, sorrindo. — O senhor não irá se arrepender. 

   — Tem disponibilidade para começar amanhã? — pergunta e eu concordo, acenando de forma positiva. — Ótimo! Venha e traga seus documentos, tá bom? Seu horário será de uma e meia às cinco da tarde. Certo, então eu te espero amanhã. 

— Até amanhã e novamente, muito obrigada. 

Mais alguns minutos de conversa e eu me despeço de Sr. Heitor. Depois disso, sigo para minha casa, extremamente feliz pela nova oportunidade e bastante animada, vou andando mesmo, na companhia de meus devaneios e das músicas que tocam em meu fone. Após quase vinte minutos de caminhada, cruzando as ruas, agora bem frias da cidade, enfim, me encontro cruzando o portão de casa. 

   — Mãe, pai. — digo, ao passar rapidamente pela sala e vê-los assistindo TV. — Cheguei! 

   — Oi, Milena.  — ouço a voz de meu pai, enquanto subo as escadas. — Por que não me ligou para que eu te buscasse?  Como foi na livraria?

   — Estava tranquilo para vir andando. Daqui a pouquinho eu conto tudo para vocês. — digo um pouco mais alto, já próxima ao meu quarto.

Guardo minha mochila, retiro meus sapatos e volto para a sala, me sentando no tapete, ao lado de Phellipe que, está entretido brincando com alguns carrinhos e outros brinquedos. O encho de beijos, logo tendo o garotinho em meu colo, mexendo em meus cabelos. 

   — E aí, filha? Como foi? — minha mãe pergunta. 

   — Começo amanhã! — sorrio animada.

   — Mesmo, meu amor?!? Ah, como eu estou feliz por você, Milena! Parabéns, meu amor! — da maneira que dá, Estella me abraça, deixando um beijo em meus cabelos. 

   — Também estou muito feliz por você, minha princesa. — meu pai repete o gesto de minha mãe. — E muito orgulhoso. — sorri. — A minha menina está mesmo crescendo, já tem até o seu primeiro emprego... parabéns, Milena. 

   — Obrigada mamãe, obrigada papai. — dou um beijo na bochecha de cada um. — Eu estou muito feliz também.

A noite segue de uma forma extremamente agradável e, logo que o relógio marca onze da noite eu já me encontro bocejando pela casa. Termino de organizar minha mochila com os materiais do dia seguinte e me despeço de meus pais, logo em seguida, voltando para o meu quarto. 

(. . .)

   — Então quer dizer que agora, nossa loirinha é uma menina empregada? Já vai poder pensar em chamar a professora Herrera para um encontro? — Henrique diz, se sentando em meu colo, no intervalo da primeira para a segunda aula.

   — Isso não é ótimo, Rick?! — falo animada. — Quer dizer, o fato de eu ter um emprego agora, né? Essa história de encontro com a professora Herrera, é algo, totalmente, fora da minha realidade.

   — Brincadeiras à parte, eu estou muito feliz por você, Mi. — brinca com meus cabelos.

   — E eu também, amiga. — Alexia sorri, me mandando um beijo no ar e eu retribuo. 

Ficamos conversando, desse mesmo jeito, até a professora da próxima aula chegar. E no caso, a aula é de, ninguém mais, ninguém menos que a minha deusa, rainha, dona de toda a beleza existente no mundo, vulgo Clara Herrera. 

   — Bem que a senhora poderia aliviar nas lições hoje né, professora Herrera? — Henrique pergunta, voltando para seu lugar.

   — Se você me der um motivo para isso, eu posso pensar, Henrique. — ela sorri, brincalhona. — E eu nem passo tanta coisa assim. Acho que sou muito é boazinha, isso sim. 

   — Eu tenho um ótimo motivo, professora; a gente te adora! Quer motivo melhor que esse? Vai, por favorzinho... — meu amigo continua, enquanto a morena o encara de braços cruzados e olhos semicerrados.

   — Faz assim, amanhã eu dou essa folga que vocês estão pedindo, pode ser? — pergunta com uma expressão séria no rosto. 

   — Mas amanhã nós não temos aula com a senhora. — Alexia diz, dando de ombros.

   — Justamente! 

Minha vontade é de explodir com o sorrisinho sapeca que Clara dá ao ver a expressão indignada no rosto de Alexia, Henrique e alguns outros alunos. Ela se vira para o quadro e inicia algumas anotações, enquanto fala um pouco sobre a aula do dia. Já eu, até escrevo algumas palavras em meu caderno, mas logo me perco olhando para a beldade que está à frente da sala. Meus olhos percorrem de seus cabelos negros, até chegar à altura de seu quadril. Uau! Isso não é uma bunda, é uma obra de arte. Socorro. Essa mulher é surreal de tão linda. 

   — Se você continuar secando a bunda dela assim, daqui a pouco não sobra mais nada, Milena. — Alexia sussurra em meu ouvido, interrompendo meus devaneios. 

   — Que indecência, Alexia. Eu preciso olhar para o quadro para copiar, né?! — dou de ombros, me ajeitando na cadeira. 

   — Você copiou duas palavras, Milena! Duas palavras!  — minha amiga quase esfrega o caderno na minha cara. — Sua sem vergonha! 

Mesmo que, provavelmente, depois não vá entender quase nada, já que estou copiando o mais rápido que posso, afim de alcançar Clara, continuo escrevendo as anotações do quadro. Como acontece na maioria das vezes nas aulas de Clara, o horário parece passar voando e não demora para que a morena esteja despedindo de nós. E eu, mais uma vez, tento não parecer uma idiota ao receber um sorriso seu, mesmo que de longe, quando ela já está próxima a porta. 

(. . .)

Após mais quatro horários, enfim me vejo à caminho da minha casa. Assim que chego, passo pela sala e percebo o local em completo silêncio, subo para o meu quarto, deixo minha mochila sobre a cama e retiro meu uniforme, trocando por algo mais leve e depois, sigo para a cozinha, onde encontro minha mãe terminando de fazer o almoço. 

   — Cadê o Lipe? — estranho não ver meu irmãozinho pela casa. 

   — Olá, Milena. Estou ótima e você? Muito obrigada por perguntar, querida. — um poço de ironia, essa minha mãe. — Phellipe está dormindo, acordou meio enjoadinho hoje. Parece um começo de gripe, mas já dei remédio pra ele. 

   — Desculpa, mamãe. — deixo um beijo em sua bochecha e logo em seguida, me sento no balcão, já sentindo meu estômago reclamar de fome. 

Converso com Estella por alguns minutos e depois, quando o almoço fica pronto, fazemos nossa refeição juntas, já que meu pai não virá almoçar em casa hoje. Logo depois, já devidamente alimentada, começo a me preparar para meu primeiro dia de trabalho na livraria. Após um banho rápido, me visto com o básico, calça jeans e camiseta, coloco um tênis e por fim, prendo meus cabelos em um rabo de cavalo, não demorando mais que meia hora para estar completamente pronta. 

Quando o relógio marca uma da tarde, me despeço de minha mãe e Phellipe que, acabou de acordar e sigo para a livraria. Me aproveitando do clima agradável, vou andando mesmo, ouvindo as músicas que tocam em meu fone de ouvido. 

   — Boa tarde, Milena! — é Sr. Heitor quem me recebe. — Qualquer coisa, estarei ali na minha sala, ok? No mais, fora o que eu já te mostrei, a Rebecca sabe tudo por aqui. 

   — Tá bom, Sr. Heitor. Obrigada. 

Como no dia anterior, o estabelecimento logo começa a se tornar bem movimentado. Ajudo algumas pessoas em suas escolhas, ou à procurar algo, dou indicações para àquelas meio perdidas e, em momentos de menos movimento, fico andando entre os livros, organizando algumas coisas e me aproveitando para passar os olhos em sinopses de uma ou outra obra que me chama atenção e em outros momentos, passo alguns minutos conversando com Rebecca.

O tilintar da campainha, que sempre avisa quando alguém adentra o local, chama minha atenção e eu logo trato de me encaminhar para o meio da loja, para atender quem quer que seja que tenha chegado. Bom, pelo menos era esse o plano, mas minhas pernas simplesmente travam, ao ver quem acabou de entrar. É Clara Herrera. Em carne, osso e beleza. E quanta beleza, diga-se de passagem.

   — Posso ajudar? — aproveito que ela ainda está de costas, olhando alguns livros, para me aproximar sem demonstrar o quanto estou nervosa.

   — Milena! — meu coração quase para, quando a mulher se vira e sorri, mesmo que meio surpresa. — Então você é a nova funcionária daqui... — estou sentindo vários pontos de interrogação pairando sobre a minha cabeça.

   — Isso. Posso ajudá-la em alguma coisa? 

   — Meu pai está ocupado? — sorri, ao me ver estreitando os olhos, ainda sem entender (quase) nada. — Heitor Herrera, o dono daqui. — aponta para a sala de Sr. Heitor.

   — Minha filha, que bom que veio! — antes que eu diga qualquer coisa, o simpático senhor aparece e abraça a morena, que sorri e lhe beija o topo da cabeça. — Vejo que já conheceu Milena, a adorável garota que eu havia lhe comentado. — sorrio pelo doce elogio vindo de Sr. Heitor. 

   — Milena é minha aluna, papai. — a morena sorri largamente e me olha, fazendo meu coração bater com o dobro de força e eu tenho que me esforçar para não transparecer o quanto estou à um passo de entrar em colapso, de tão nervosa. — E realmente, é uma garota adorável.

Ok. É agora que eu morro, né? Meu Deus! Sem a mínima dificuldade, eu posso sentir meu rosto corar violentamente. Eu preciso sair de perto de Clara antes que diga qualquer besteira, ainda mais, na frente de seu pai, meu chefe. 

   — Bom, preciso organizar alguns livros ali. — digo alguns segundos depois, saindo de meu pequeno transe. — Foi um prazer te encontrar, professora Herrera. 

Saio à francesa e fico ao longe vendo a interação de pai e filha, os dois conversam animadamente até entrarem no escritório de Sr. Heitor. Suspiro profundamente mais uma vez, antes de voltar ao trabalho, já que no mesmo segundo, ouço a campainha novamente, indicando a chegada de mais clientes. Quase uma hora depois, Clara sai da sala de seu pai e chega a ser fofo ver quanto amor exala dos dois. Cá estou eu, vendo uma outra face de Clara Herrera e diga-se de passagem, me encantando mais um pouco. 

   — Seja bem vinda, Milena!  — diz ao passar por mim, sorrindo de um jeito particularmente adorável. — Até mais.

   — Até mais. — retribuo o sorriso, acenando levemente com a cabeça. 

Socorro! E então, a ficha cai que, em qualquer lugar que eu vá, mesmo que isso seja apenas uma simples paixão platônica, eu vou dar de cara com algo que me lembre ela, Clara Herrera. 

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