~ Hades (Gael) ~
Sentado em meu escritório, revisando alguns números de um dos meus negócios. As últimas semanas têm sido um caos, como sempre, mas é o tipo de desordem que eu aprendi a dominar. Controle. Poder. Isso é tudo o que importa. — Gael, o carregamento do porto está em ordem. — Marco, meu capo e braço direito, entra com sua postura rígida, como sempre. — Eu já disse pra me chamar de Hades — reclamo e volto a falar — Ótimo. Certifique-se de que a entrega seja feita sem erros. Não tenho paciência para incompetentes. Ele assente e sai, deixando-me sozinho. Depois de concluir os últimos detalhes, decido voltar para casa e descer ao porão. Ali é onde escondo os segredos mais sombrios, os erros que precisei corrigir e as dívidas que outros não puderam pagar. É aonde Summer se encontra. Passo horas lá, perdido em pensamentos e decisões e a observando sem que ela perceba. O ambiente é escuro, abafado, o cheiro metálico de ferrugem impregnado no ar. Cada objeto, cada centímetro deste lugar, é um lembrete do tipo de homem que eu me tornei — ou sempre fui. — "Ele é um carcereiro, assassino e perigoso..." — ouço sua voz baixa, mas carregada de angústia. Ela está sozinha, e falando coisas a meu respeito ao vento, mesmo sem saber que estou aqui. Um sorriso maquiavélico se forma no meu rosto. A garota não sabe o que está fazendo. — "...e eu estou com síndrome de estocolmo..." Sem fazer barulho me aproximo dela. — Então eu sou um carcereiro, assassino e perigoso? — falo com a voz fria, rompendo o silêncio. Ela se sobressalta, seus olhos arregalados de pavor. A visão dela acuada, recuando contra a parede, me diverte. — E você está com síndrome de estocolmo? — continuo, observando como ela reage. — Eu estou falando com você, garota — rebato, a voz firme, autoritária. Ela tenta disfarçar, mas vejo sua mente girando, procurando uma maneira de me atingir. Ela não entende que não há brechas em mim. — Hades... seu nome é esse mesmo? Eu nunca conheci ninguém com esse nome. Eu arqueio uma sobrancelha. Isso é o que ela tem a dizer? — É mesmo? — Sim, foi sua mãe que escolheu? Sinto meu corpo endurecer ao ouvir a palavra "mãe". Não sei por que, mas aquela pergunta simples me irrita mais do que deveria. — Minha mãe? — rio, mas sem humor. — Mia Béla, eu não tenho mãe. E, com certeza, não foi aquela filha de uma puta que escolheu meu nome. Ela me encara, surpresa com a resposta. Há algo nos olhos dela, uma curiosidade inocente que me deixa desconfortável. — Mas você tem alguém? — pergunta, fazendo um biquinho que claramente não me afeta. Dou as costas para ela, pronto para sair. Essa conversa já foi longe demais. — Você pode sair. Ela hesita por um segundo, mas me segue. — E também pode caminhar pela casa, mas não tente nada que vá se arrepender depois. — Ainda estamos na Sicília? — sua voz soa mais firme agora. — Você está aonde deveria estar, e isso basta. — Aonde estamos? — ela pergunta de novo, dessa vez gritando. Paro imediatamente e me viro, fazendo com que ela trombe em mim. Meu olhar a prende no lugar. — Não grita comigo, cacete. Ela recua, mas não desiste. — Eu... eu só quero te pedir para ir ao cemitério ver minha mãe — ela diz, a voz quebrando enquanto as lágrimas começam a cair sem controle. O choro dela mexe comigo de uma forma que não quero admitir. Há algo em sua vulnerabilidade que rasga a armadura que carrego. Desvio o olhar, tentando sufocar o peso daquela cena. — Te leszel a megváltásom vagy kudarcom, Mia Béla? — murmuro em húngaro, uma das línguas que domino, escolhendo propositalmente algo que ela não entenderá. — O quê? Não entendi. Que idioma é esse? — ela pergunta, os olhos ainda brilhando com as lágrimas. "Você será minha salvação ou meu fracasso, Minha Bela?" — penso, mas não respondo. Em vez disso, permaneço em silêncio, carregando a dúvida e o medo dessa verdade apenas comigo. — Não te diz respeito e eu não seu babá, tenho coisas mais importantes para fazer. Ela continua chorando, e por um instante, penso em ceder. Mas eu não posso. Não vou me deixar amolecer. — Pare de chorar. Isso não vai mudar nada — digo, seco, antes de sair. Enquanto desço as escadas, uma pontada de incômodo me atravessa. Algo nela me desestabiliza. Algo que preciso destruir antes que cresça e se transforme em algo que não consigo controlar. Sou Don Hades. Não me apaixono. Não sinto. Não tenho alma. Essa verdade é meu escudo, meu mantra. Com esse pensamento, pego o telefone e ligo para Marco, minha sombra mais eficiente. — Descubra de quem ou do quê Summer mais gosta — ordeno, seco e direto desligando a chamada. Marco não demora a retornar uma mensagem com a informação. "Ela é reservada, senhor. Sem amigos próximos. Mas tem um cavalo. Parece que ela é apegada a ele." Um sorriso frio e cruel surge em meu rosto enquanto digito a resposta: "Mate-o. E me traga o coração." "Você é uma pessoa muito doente Gael" — me retorna, parecendo brincar com a sorte, só o ignoro. Ele pode estar certo, sou uma pessoa doente. Estou deixando Summer entrar na minha mente. Algumas horas depois, Marco retorna com o que pedi, envolto em um embrulho discreto. Não digo nada, apenas aceno, indicando que ele pode sair. Subo até o quarto de Summer, carregando um prato de comida coberto. A cada passo, penso na mensagem que estou prestes a transmitir. Ela precisa entender que, no meu mundo, nada escapa ao meu controle. Abro a porta sem bater. Ela está sentada na cama, os olhos perdidos em algum ponto da janela. — Aqui está sua janta — anuncio, colocando o prato sobre a mesa de cabeceira. Summer olha para mim com desconfiança, como sempre. — O que é? — pergunta, franzindo o nariz. Meu sorriso é lento, quase divertido. Levanto a tampa, revelando o que há no prato. — O coração do Príncipe — digo, em um tom que mistura humor sombrio e desafio. Os olhos dela se arregalam, e por um momento vejo o pânico surgir. Em um acesso de raiva, ela b**e no prato, que cai no chão com um estrondo, espalhando seu conteúdo. Sem hesitar, ela se levanta e começa a me bater no peito, os t***s desajeitados e impulsivos, como se estivesse tentando extravasar toda a dor e a raiva que sente. É quase engraçado, se não fosse tão patético. Seguro seus pulsos firmemente, obrigando-a a parar. — Olhe para mim — ordeno, minha voz baixa e cortante. Ela tenta desviar o olhar, mas não deixo. — Esse coração — continuo, aproximando meu rosto do dela — é um símbolo. Para te mostrar que, no meu mundo, eu faço o que quero. E você, Summer, não tem poder algum para impedir. As lágrimas que começam a brotar nos olhos dela não me afetam. Pelo menos é o que eu quero acreditar. Ela me encara, os olhos fervendo de ódio e dor, mas não diz nada. Apenas respira fundo, como se tentasse reunir forças para me desafiar mais uma vez. — Você é a reencarnação de Lúcifer — sussurra, finalmente. — E você é uma erva daninha... minha erva daninha. Nunca esqueça disso. — enfatizo a palavra "minha" e solto seus pulsos dando um passo para trás. Saio do quarto sem olhar para trás, deixando-a ali, com os destroços de mais uma parte de sua alma.