Senhor Farley
Senhor Farley
Por: S Santana
Capítulo 1

Londres, Inglaterra

Antonella Bellini

Meu expediente havia terminado a alguns minutos e eu caminhava tranquilamente por uma calçada no centro de Londres. Estava bastante pensativa nesta noite. De vez em quando, meu olhar vagava desavisadamente á procura de nada.

De repente... Amélie!

Me lembrei que hoje seria uma grande noite para uma querida amiga, e por mais cansada que eu estivesse, eu prometi que comparecia para prestigia-lá nesse momento tão especial de sua vida.

Amélie me acolheu em seus braços e em sua vida sem ao menos me conhecer direito, sou grata a ela por está sendo minha única família aqui em Londres.

Nos conhecemos na minha primeira semana na cidade, recém chegada da Itália, eu me encontrava completamente perdida em meio aos ingleses. Amélie me ensinou tudo que sei hoje, me orientou em como a andar de metrô e até como devo caminhar para não ser arrastada pela multidão em horário de pico no piccadilly.

Antes de nos conhecermos eu não tinha ninguém, e com ela foi diferente desde a primeira vez que nos encontramos. Uma sensação de aconchego, como se fossemos irmãs, e desde então ela tem estado presente em minha vida em todas as ocasiões, para me consolar, para beber comigo, para reclamar da vida ao meu lado e até mesmo para me ajudar no trabalho.

Venho de uma longa linhagem de italianos, barulhentos e incrívelmente talentosos para fazer joias e drama, muito drama. Vim para Londres para estudar e se aprofundar mais nesse ramo de joalheria. Pretendo ser uma design de jóias e dar continuidade ao negócio da família.

Dei um gole em meu champanhe sentindo o líquido refrescante levar embora boa parte do estresse do dia. Observei a galeria com modelos belíssimas perambulando por todos os lados, exibindo em seus corpos, peças de roupas encantadoras desenhadas e produzidas por Amélie.

- Aí está você! - Minha amiga sorridente correu para me dar seu típico abraço de urso.

Amélie estava sempre feliz, era raro os dias em que a encontrava com a cara amarrada, mas hoje, nessa noite em específico, ela sorria com os olhos. Ela estava tão iluminada que era impossível não se contagiar com sua alegria.

- O que achou? Nem acredito que está realmente acontecendo, eu esperei tanto por esse momento.

- Está tudo incrível, seu trabalho ficou impecável e você merece todo esse reconhecimento que está ganhando. - Minhas palavras fizeram seus olhos se acenderem ainda mais. Eu sabia o quanto ela deu duro para isso tudo acontecer, as noites em claros desenhando e costurando até seus dedos se encherem de calos.

- Muito obrigada, ouvir isso depois de todo o trabalho duro é tão reconfortante. - Nos abraçamos mais uma vez e paramos para observar suas peças de roupas.

A reitora de seu curso interrompe nosso momento quando acena para Amélie do outro lado do salão.

- Eu já volto, não vai embora preciso te apresentar uma pessoa. - Quando Amélie se afasta, fico observando um de seus modelos. Uma peças realmente magnífica, um belo vestido longo no cetim negro com a saia evasê e as costas nuas apenas com duas tiras sustentando o decote.

- Perfeito, não é mesmo? - Olivia me dá um pequeno susto quando para ao meu lado.

Olivia é mais uma amiga que a Inglaterra me deu. Ela e Amélie dividem um pequeno apartamento no centro de Londres.

- Por Deus Liv, que susto. - Coloco as mãos sobre o peito.

- Desculpe, você estava tão distraída. - Olivia me deu seu melhor sorrio galanteador.

- E pelo visto não deve ter reparado também naquele homem alto, de terno cinza, cabelo preto, falando com Amélie. - Olivia fala como se não quisesse nada, jogando um de seus cachos negro para o lado. - Ele não tirou os olhos de você desde que chegou.

- O que? Claro que não! - Arregalei levemente os olhos. - Ele deve estar olhando para esse vestido espetacular ou para você.

- A unica coisa espetacular que ele estava olhando, era você. - Ela me lança uma piscadinha.

- E a senhorita sabe muito bem que homem não faz meu estilo.

Me afasto para encarar seus olhos castanhos e Olívia sorri pra mim, daquele jeito malandro que só ela tem.

- Acredite em mim, homens são criação do demônio, eles te seduzem com sua beleza máscula e depois que te comem, desgraçam com sua vida. Parecem até sereias. Mas confesso que se esse cara estivesse me olhando desse jeito, eu já teria me oferecido para chupá-lo ali na outra sala. Ele é gostoso pra cacete!

- Que horror Olívia, você vai para o inferno, sabe disso né? - Olhei casualmente para o lado e dei uma checada rápida.

E ela estava certa: ele exalava sexo, das solas de couro do sapato às pontas dos cabelos escuros. Alto, musculoso, confiante, rico. Não podia falar nada sobre os olhos porque ele estava conversando com Amélie, mas não me importava, nunca mais o veria.

- Eu tenho razão, não é mesmo? - Olivia solta um sorrisinho quando me vê olhando para o tal homem.

- Nunca. - Balancei a cabeça devagar.

E então, aquele homem que exala poder se virou pra mim. Fui instantaneamente baqueada pelo seu olhar, ele ficou me encarando, até que não aguentei e desviei o olhar. E naquele momento tive vontade de fugir dali.

Dei um ultimo gole na champanhe que já estava quente, com uma certa urgência crescendo dentro de mim.

- Tenho que ir agora. Diga a Amélie que está tudo maravilhoso! - Abracei Olivia e continuei, sorrindo: - Ela vai ficar famosa no mundo inteiro, escuta o que eu digo.

- Com toda certeza ela vai. - Olivia sorriu com minhas palavras e comecei minha caminhada em direção a saída.

Do lado de fora da galeria a rua estava movimentada para uma noite no meio da semana. Então levaria anos para conseguir um táxi.

Será que valia a pena andar até a estação? Olhei meus sapatos. Eles combinavam bem com o vestido, mas era muito desconfortáveis para andar. E mesmo que eu fosse de metrô, teria que andar até o apartamento, no escuro.

Foda-se. Comecei a andar, já estava ficando sem paciência.

- Que péssima idéia, Antonella. Não se arrisque. Deixa que te dou uma carona.

Parei na calçada. Sabia quem estava falando comigo mesmo sem nunca ter ouvido a voz dele. Virei devagar para encarar aqueles mesmo olhos que me fitaram no salão.

- Não te conheço - Respondi seca.

Ele sorriu, levantado apenas um lado da boca. Apontou para o carro parado no meio-fio, um jaguar. Tipo de carro que só os ingleses cheios de grana podem se dar ao luxo de ter. Não que ele já não tivesse dado pinta de rico antes...

Definitivamente, não era pro meu bico.

Os olhos eram azuis. Muito claros e profundos, me faziam sentir coisas...

- Você me chama pelo nome e espera que eu entre num carro com você?

Ele andou em minha direção e estendeu a mão:

- Jamie Farley.

Olhei fixamente para a mão dele, tão elegante.

- Farley? É parente da Amélie?

- Quase isso. - Ele me deu uma piscadela.

- Como você sabe meu nome?

- Há menos de 15 minutos, estava conversando com Amélie, e ela estava me contando o quanto a melhor amiga era... maravilhosa. - Ele manteve a mão estendida.

Estendi a minha e ele a segurou. Jamie tinha o aperto de mão firme. E quente também. Teria sido imaginação, ou ele me puxou um pouquinho mais para perto? Ou talvez eu fosse louca, porque os meus pés não se moveram um centímetro sequer. Mas aqueles olhos azuis estavam mais perto de mim do que há um minuto, e eu podia sentir a colônia que ele usava.

- Antonella Bellini.

Ele soltou minha mão.

- Agora nós nos conhecemos - Disse ele, apontando primeiro para mim e depois para ele: - Antonella, Jamie.

E fez um sinal com a cabeça indicando o carro.

- Agora você vai me deixar te levar para casa?

Engoli em seco mais uma vez.

- Por que você insiste?

- Porque não quero que nada aconteça com você? Porque esses saltos deixam as suas pernas lindas, mas são péssimos para andar? Porque é perigoso para uma mulher andar sozinha à noite no centro? - Ele me olhou de alto a baixo. - Especialmente uma assim como você.

E sorriu daquele jeito, para o mesmo lado de novo.

- São tantas as razões, senhorita.

- E se não for seguro ir com você?

Levantou uma sobrancelha e olhou para mim.

- Eu sou ocupado demais no meu trabalho. Não tenho tempo de manter o hobby de serial killer, te garanto.

- Boa, senhor Farley! Tudo bem. Você podo me levar para casa.

Ele levantou a sobrancelha outra vez, e eu ganhei mais um sorriso. Disfarcei o incômodo do duplo sentido de "casa" naquela frase e tentei me concentrar em como teria sido desconfortável andar naqueles sapatos até o metrô e na sorte que era ter aparecido aquela carona.

Amélie Farley

Enquanto observava tudo ao meu redor, a unica palavra que vinha em minha mente era 'orgulho'. Estava tão orgulhosa de mim mesma, meu primeiro 'desfile' saio do jeitinho que planejei.

Não poderia estar mais feliz.

Estava sendo parabenizada por algumas pessoas quando avistei Antonella.

Nos conhecemos assim que ela chegou em Londres, completamente perdida e confusa. Minha amiga carregava consigo grandes cicatrizes, que ainda estavam sendo curadas. Desde o primeiro dia adotei ela como uma irmã, mas o tempo foi passando e passei a olha-la com outros olhos, por mais errado que isso fosse, não conseguia controlar esse novo sentimento que crescia a cada dia. Eu sabia de todos seus segredos, medos e manias, e ela os meus.

- Aí está você! - Abracei seu pequeno corpo enquanto observávamos uma de minhas criações. - O que achou? Nem acredito que está realmente acontecendo, eu esperei tanto por esse momento.

Não estava conseguindo conter minha felicidade, tudo que sempre sonhei estava acontecendo. Troquei poucas palavras com Antonella antes da minha reitoria me chamar. Peço para Antonella aguardar alguns minutos, e vou até o outro lado do salão.

- Me chamou Sra.Turner? - Paro ao lado da senhora de meia idade que vestia um terninho feminino, muito elegante.

- Sim, Srta. Farley, tem alguém lhe procurando. - Franzo o cenho confusa, todos que convidei já haviam chegado.

Faltava apenas uma única pessoa...

Olho para entrada do salão, e lá está ele, impecável como sempre. Meu coração se enche de alegria e emoção. Essa noite acaba de ficar completa.

- Pai! - Corro em sua direção e me atiro em seus braços sem me importar com os olhares ao redor.

Nem acredito que ele está aqui.

Jamie Lewis Farley, trinta e nove anos de puro charme e beleza. A pessoa mais importante do meu mundo. Ele é tão ocupado que é até difícil de acreditar que ele está realmente aqui. Sinto muito a falta dele, todos os dias. Ja que ele é a única figura materna e paterna em minha vida.

Meus pais são separados à mais de dez anos. Sempre optei por morar com meu pai mas a mamãe nunca permitiu. Graças a ele me tornei a mulher que sou hoje. Se dependesse de minha mãe, eu seria alguém completamente submissa e sem ambição nenhuma.

Minha mãe era totalmente o oposto do meu pai, enquanto ele era completamente liberal e mente aberta, ela me prendia de todas as formas possíveis. Minha mãe é totalmente machista e tem pensamentos muitos antiquados em relação a mulher na sociedade. Nem sei como o papai ficou casado com ela por mais de 10 anos.

- Não poderia deixar de parabenizar minha garotinha, estou muito orgulhoso de você. - Ele beija o topo de minha cabeça e meu peito se enche de alegria. Era bom saber que pelo menos um dos meus pais tinham orgulho de mim.

- Obrigada papai, isso é muito importante para mim. - Saio do seus braços e encaro seus olhos azuis.

- Olha só para você. - Ele levanta um dos meus braços e roda meu corpo. - Já é uma mulher, muito linda e inteligente.

- É muito importante para mim o senhor está aqui hoje. - Abraço seu corpo mais uma vez, tentando controlar a emoção.

- É muito importante para mim também, seu sucesso é o meu também. - Recebo um abraço apertado. - Tem falado com sua mãe? - Só a menção da palavra "mãe" faz meu corpo gelar.

- A última vez foi na semana passada, convidei ela pro desfile...

- E o que ela disse? - Ele me encara muito serio.

- O de sempre, que tenho que parar com essa besteira de faculdade e voltar para casa.

- A cara dela falar essas coisas. - Vejo sua mandíbula travar, e sinto uma angústia tremenda por ter que tocar nesse assunto.

- Mas me fala, vai ficar quanto tempo na cidade? - Pergunto tentando mudar de assunto, mas sua atenção está completamente voltada para um ponto fixo atrás de mim. - Pai? Estou falando com o senhor. - Estalo os dedos chamando sua atenção.

- Quem é ela? - Viro a cabeça para encontrar antonella junto a Olivia, conversando.

- Aquela é a Antonella, uma amiga. Porque? - Não estava gostando do jeito que ele olhava pra ela.

Ela é MINHA.

- Nada, vocês são muito próximas? - Não estava gostando nem um pouco desse interesse no tom da sua voz.

- Muito, ela é a melhor pessoa do mundo, ela é a minha pessoa. - Respondo suave, esperando sua reação.

- Respondendo sua pergunta, irei ficar definitivamente. - Ele parece voltar a si, e responde minha pergunta com um pequeno sorriso no canto da boca.

- Não acredito, esperei tanto por isso. - Pulo em seu colo não contendo minha felicidade.

- Querida, tenho que resolver umas coisas agora, mas amanhã cedo venho te buscar para o café da manhã dos campeões.

- Claro pai, quero te apresentar para alguém muito especial. - O sorriso não cabia em meu rosto.

Essa noite estava perfeita.

- Até amanhã, minha menina.- Ele deposita um último beijo em minha cabeça e deixa o salão as pressas.

- Mio amore, me conta tudinho. - Olívia aparece eufórica ao meu lado, arranhando algumas palavras em um sotaque italiano péssimo.

- Contar o que? - Conhecendo o extinto de fofoqueira de Olívia, sabia que estava se corroendo por dentro.

Ela me lança seu olhar mais cínico, antes de responder. - Quem era o filho de Afrodite, abençoado por tanta beleza? minha nossa senhora das mocinhas lésbicas que viraram hetero.

- Eca Olívia, aquele é meu pai.- Dou um leve empurrão em seu ombro, tentando demonstrar seriedade.

- Pode me chamar de mamãe. - Seu sorriso safado faz meu coração errar uma batida, mas me repreendo imediatamente.

- Sai fora Liv, tu nem gosta de homem.

- Meu coração é apenas teu gatinha. - Ela solta uma gargalhada no final da frase, jogando levemente sua cabeça para trás.

Reviro os olhos pra sua piadinha ridículo e pergunto: - E vem cá, desde quando tu fala italiano? Péssimo, por sinal.

- Ei, Antonella está me ensinando algumas palavras, só estava tentando impressionar, ingrata. - Olívia arrebita o nariz e vira o rosto para o outro lado.

- Sei. - Franzo a testa levemente dando uma olhada pelo salão e não vendo nenhum sinal de Antonella. - Falando nisso, onde está a Ella? -

- Se mandou, ela disse que o desfile estava maravilhoso e que você vai ficar famosa algum dia, e falou vários pipipi popopo. - Olívia desdenha olhando para suas unhas bem feitas.

- Obrigada pelo recado. - Respondi revirando os olhos.

- Podemos ir, estou com fome. - Ela reclama fazendo uma careta.

- Não, para de reclamar e vem me ajudar. - Agarrei seu pulso e a puxei junto comigo enquanto resolvia os últimos detalhes antes de irmos para casa.

Antes de ir embora, pego meu celular e mando uma mensagem para Antonella.

"já está em casa? Queria te apresentar para uma pessoa. Café da manhã? "

" Estou a caminho. A gente se vê amanhã, bj."

Sua resposta chegou de imediato. Guardei o telefone e voltei a rodar o salão com Olívia reclamando o tempo todo ao meu lado.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo