Tess substituiu o catre pela macia cama e travesseiros de plumas. O quarto não fedia tanto a ferro quanto ela imaginou.
Mas foi a pequena e retorcida escultura de ferro que chamou sua atenção. Ela a encarou durante horas, se perguntando se o ferro ainda queimava.
Por fim, Tess saltou da cama e parou na frente da cômoda, onde se encontrava a escultura.
Receosa, ela tocou devagar a peça. Nada. Apenas um leve formigamento no ferimento que cicatrizava em sua coxa.
Seldha continuou vindo. Sempre a obrigando a comer, tomar banho e trocar de roupa. Era uma mulher de poucas palavras, ao que parecia, e Tess agradecia por isso.
Passaram-se seis dias. No total, quatorze. Quatorze dias naquele castelo.
Quatorze dias desde que Alek morrera. Tess gostaria de saber se Krisa e Liam estavam bem. Quem mais teria morrido.
" Seu amigo não morreu." Uma voz soou do canto mais escuro de seu quarto.
A silhueta dele se moveu para ficar à mostra na luz. Damian a encarava.
" Seu laço e sua magia eram um só e foram cortados. Ele pensa que está morta assim como você pensa que ele está. " Ele disse. " Mandei que minhas forças recuassem assim que peguei o que queria."
Quem ele queria, ela o corrigiu mentalmente.
" Se divertiu vendo sua irmã morrer? " Ela perguntou, a voz era ácido.
Mas Damian sacudiu a cabeça. " Não matei Cassaey. Assim que ela perdeu sua utilidade, eu desfiz o controle mental. E posso ver que meu querido irmão mais velho não perdeu tempo ao dizer quem eu sou."
A raiva voltou a ferver seu sangue. " Rowan fez isso porque você me ameaçou por bilhetes. "
Ele deu de ombros. " Sempre gostei do drama e não poderia perder a chance."
Gostou do drama ao matar meus pais?, ela se perguntou.
" Saia." Ela disse entredentes.
" Não. Este castelo é meu e vou e faço o que quiser." Ele retrucou.
" Muito bem, eu saio então. " Ela se levantou e foi em direção ao banheiro, onde poderia se trancar e esperar que ele saísse.
Mas Damian se colocou no caminho dela, aqueles olhos negros indecifráveis. " Indo a algum lugar? "
"Sim, para bem longe de você. " Ela grunhiu para ele. Teria sido um rosnado se sua voz humana não fosse tão patética.
" Não pode fugir de mim no meu próprio castelo. Não pode fugir de mim no meu próprio reino. "
Ela bufou e teria dado um tapa em seu rosto se sua mão não parasse, ainda levantada, a centímetros do rosto dele.
Perplexa, ela o encarou.
" Péssima idéia. " Ele disse, a voz estava séria mas os olhos brilhavam com humor.
" Para um ser imortal e poderoso, não passa de um idiota com tempo livre demais." Ela disse. " Então pare de me atormentar e vá fazer algo útil, como governar o reino ou destruir mundos."
Um pequeno e torto sorriso surgiu no rosto dele e Tess sabia que se não estivesse segurando a respiração, a teria perdido. Damian ficava ainda mais ridiculamente lindo com aquele sorriso e aquele brilho em seus olhos cor de ébano.
" Sempre tem dificuldades em ficar de boca fechada?" Ele perguntou, chegando ainda mais perto.
" Sempre tenho dificuldades em segurar minha língua quando alguém merece ouvir." Ela devolveu, entredentes.
Ele riu baixo e se afastou. Tess sentiu frio com o corpo quente dele se afastando, mas ignorou.
" Saia." Ela repetiu.
" Não. " Ele disse, se sentando numa poltrona creme que ela não percebera.
" Muito bem, então me responda. Porque você me sequestrou? " Ela cruzou os braços na frente do corpo e se encostou na parede.
Ele colocou a longa mão no peito, num ultraje fingido. " Você não é uma prisioneira, é apenas uma convidada que não pode escolher deixar o castelo. "
Ela bufou. " Ótimo, tenho um piadista ruim no meu pé. "
Ela se afastou dele e se deitou na cama, puxando o edredom pesado para cobrí-la por inteiro.
Uma risada sombria soou pelo quarto. " Que infantil."Tess revirou os olhos debaixo do edredom. " Você está sendo bem adulto ao me perseguir no meu próprio quarto, não é? "
Ela sentiu que ele se aproximou da cama e encolheu um pouco. " Primeiro, meu castelo portanto meu quarto. Segundo, não sou eu que não consegue lidar com problemas sem se esconder debaixo das cobertas. O que fará em seguida? Chamará a mamãe e pedirá um copo de leite?"
Gelo e fúria percorreram o corpo de Tess. Ela empurrou a coberta para que Damian visse o quanto ela o odiava.
" Não chamarei a mamãe porque ela está morta. " Ela teria acusado-o, mas não pareceu o momento certo.
Damian a encarou com o rosto sério e indecifrável. Então se afastou, indo até a porta. Por fim, virou para trás. " Vou pedir à Seldha que lhe confira uma aparência melhor. Não quero meus brinquedos andando por aí como mortos-vivos."
Então saiu porta afora.
Tess estava boquiaberta pela frieza e indiferença dele e soube que o odiaria enquanto vivesse.